RIO — O mercado brasileiro de petróleo e gás está receoso de que a renovação de acordos para evitar bitributação entre o Brasil e países parceiros abra brechas para novas cobranças de tributos.
A preocupação é que, com as atualizações nos textos, um dos países encontre espaço para criar novas taxas sobre a indústria.
As dúvidas surgiram após a publicação em março deste ano do decreto com o acordo para eliminar a dupla tributação entre Brasil e Noruega, firmado em novembro de 2022. Antes da publicação final, o texto passou pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados.
A nova redação passou a diferenciar os contratos de plataformas (FPSOs) e de barcos de apoio, divisão que não existia na versão anterior do acordo, redigido originalmente na década de 1980.
Segundo especialistas, essa diferença no tratamento das embarcações do setor poderia abrir brechas para cobrança de imposto sobre os FPSOs no Brasil, já que esses ativos não são tributados na Noruega.
“É a primeira vez que isso consta de um tratado assinado pelo Brasil. Até onde se tem conhecimento é o primeiro tratado de dupla tributação que fala desse tema de forma objetiva, mencionando os tipos de embarcação e atividade offshore especificamente”, explica Tiago Severini, do Vieira Rezende Advogados.
Definição como estabelecimento permanente
De acordo com o decreto, as plataformas de empresas norueguesas que estejam operando no Brasil podem ser caracterizadas como “estabelecimento permanente”, um termo técnico da linguagem dos tratados que significa que o Brasil pode cobrar imposto de renda sobre aquela atividade.
Na prática, o texto estabelece critérios objetivos para a tributação de um estabelecimento permanente por parte do Brasil, no caso de ativos de empresas norueguesas.
No caso das embarcações de apoio, no entanto, não existe essa classificação, o que indica que o Brasil não poderia tributar unidades norueguesas atuando em águas brasileiras.
Para o advogado, a mensagem geral do novo tratado é positiva e indica a intenção de um estreitamento nas relações entre os dois países.
No entanto, Severini destaca que a distinção entre as embarcações é uma novidade, já que em geral ambos os tipos de navios que atendem à indústria de petróleo e gás natural costumam ter um tratamento tributário similar, com diferenças apenas em questões regulatórias.
“A preocupação principal é se isso significa algum tipo de mudança na abordagem desse tema. Do lado do Brasil, seria mais preocupante ainda porque o país nunca entendeu que essas embarcações eram tributáveis como estabelecimentos permanentes”, acrescenta Severini.
Hoje, os FPSOs que atuam no país de propriedade de empresas estrangeiras não pagam o imposto de renda brasileiro. No entanto, uma eventual cobrança poderia chegar a 34%, segundo o advogado.
Severini explica que já está previsto na legislação brasileira que ativos qualificados como estabelecimento permanente podem sofrer a cobrança do imposto de renda. Por isso, a eventual tributação dependeria apenas da Receita Federal.
Acordos não criam novas competências, diz ministério
Procurado, o Ministério da Fazenda esclareceu que os tratados para evitar a dupla tributação não criam competências tributárias, apenas delimitam os contornos para o país exercer a legislação tributária doméstica.
“O novo acordo disciplina situações em que atividades offshore exercidas em um estado contratante poderão ser tributadas nesse estado, desde que sua legislação doméstica possibilite isto”, explicou a pasta em nota.
“Ao mesmo tempo, o acordo assegura a uma empresa que tenha sido tributada, nos termos do acordo, o direito à compensação dos tributos já pagos em um dos estados, evitando a dupla tributação”, acrescentou.
Momento é de renovação dos tratados bilaterais
A renovação do acordo com a Noruega ocorre num contexto de renovação dos tratados de bitributação por parte do Brasil.
Como a maior parte dos acordos desse tipo foram assinados na década de 1990, época em que ocorreu uma intensificação do multilateralismo, muitos carecem de atualizações.
“Esse movimento do Brasil nos últimos tempos tem sido nesse sentido, então, uma é renovada na linguagem, sem grandes mudanças”, explica Severini.
No caso da Noruega, o acordo anterior datava de 1981.
Objetivo é ampliar segurança jurídica
O embaixador da Noruega no Brasil, Odd Magne, diz que o objetivo da renovação foi justamente oferecer maior segurança jurídica para investidores e empresas que operam entre Brasil e Noruega, ao modernizar as regras tributárias e de acordo com os padrões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“A atualização foi impulsionada pela necessidade de modernizar a alocação de direitos tributários, combater práticas abusivas de planejamento tributário e adequar o acordo às novas dinâmicas econômicas — particularmente em setores estratégicos como petróleo e gás —, proporcionando maior segurança jurídica e incentivando o investimento bilateral”, explicou Magne à agência eixos no fim de abril.
A expectativa, segundo o embaixador, é aumentar a atratividade do mercado brasileiro para investimentos noruegueses, facilitando as operações e reduzindo os custos fiscais.
“Essas medidas criam um ambiente de negócios mais previsível e atraente para investimentos de longo prazo, particularmente em setores intensivos em capital, fortalecendo assim a cooperação bilateral nos setores de energia elétrica, petróleo e gás”, afirmou.