RIO – O desenvolvimento de Gato do Mato (Shell) e da 2ª fase de Bacalhau (Equinor), no pré-sal da Bacia de Santos, poderia se valer de gasodutos offshore existentes para escoar a produção de gás natural ao mercado, na visão da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
A estatal do planejamento energético divulgou, nesta quarta (28/2), a nova versão do Plano Indicativo de Processamento e Escoamento de Gás (Pipe), com sugestões de quatro rotas diferentes para esses dois novos projetos de produção – a maioria delas aproveitando-se das infraestruturas existentes.
Conectar os futuros campos a instalações ociosas seria uma forma menos custosa do que construir novas rotas do zero.
Este é o primeiro Pipe publicado pela EPE desde que o governo Lula anunciou, em março de 2023, o Gás para Empregar – programa do governo federal que promete aumentar a oferta de gás natural a preços competitivos.
A expectativa é que o relatório das discussões dos comitês técnicos do programa seja apresentado em março.
O governo pautou a redução dos índices de reinjeção dos campos offshore no Brasil. Bacalhau Fase 2 e Gato do Mato são projetos ainda em fase de concepção, que não têm estratégias de monetização de gás fechadas.
A primeira plataforma de Bacalhau, contratada com a Modec, tem operação prevista para 2025. A Equinor optou por reinjetar todo o gás da primeira fase de produção de Bacalhau, mas avalia, para a segunda etapa, a viabilidade de exportação do gás até a costa.
A Shell ainda não definiu os planos para produzir em Gato do Mato.
O Pipe tem um caráter meramente indicativo, cabendo à iniciativa privada a decisão de investimento nos projetos mapeados. No plano, são apresentadas alternativas de projetos de gasodutos de escoamento e UPGNs em nível conceitual, com estimativas de custos.
A EPE também reconhece que outras alternativas podem surgir, como a conexão ao Sistema Interligado de Escoamento (SIE).
As alternativas para Bacalhau e Gato do Mato
Para Bacalhau, os estudos da estatal se debruçaram sobre três rotas, todas elas com vazão de 5 milhões de m³/dia, destinadas a escoar o gás da Fase 2 do campo. Em todos os casos, o investimento no processamento do gás é estimado em R$ 740 milhões.
A opção mais barata é interligar Bacalhau à plataforma de Mexilhão, infraestrutura do Rota 1, que conecta campos do pré-sal e pós-sal de Santos à UTGCA, em Caraguatatuba (SP). Gasoduto de R$ 1,042 bilhão.
Outra é levar o gás para Cubatão (SP), por meio do gasoduto de escoamento do campo de Merluza, interligado à refinaria RPBC. Seriam R$ 1,238 bilhão.
Em todos esses casos, são ativos controlados pela Petrobras. A alternativa ao compartilhamento das instalações seria construir um gasoduto direto para Cubatão, um investimento de R$ 2,726 bilhões.
Para o projeto da Shell, a EPE indicou a construção do Sistema Integrado Gato do Mato, que inclui o escoamento da descoberta que dá nome ao projeto e outra, apelidada de Epitonium.
Seria uma interligação com Mexilhão-UTGCA da Rota 1, via tie-back, numa distância de 135 km e vazão de 8,5 milhões de m³/dia. Investimento de R$ 2,68 bilhões (R$ 1,324 bilhão no gasoduto e R$ 1,356 bilhão na UPGN).
Gasodutos com capacidade ociosa na Bacia de Santos
A EPE parte da premissa de que a infraestrutura de escoamento da Bacia de Santos está ociosa.
O gasoduto de Merluza-Cubatão, por exemplo, foi concebido para escoar gás dos campos de Merluza e Lagosta, mas ambos foram hibernados.
Já o gasoduto Mexilhão-UTGCA tem capacidade de escoamento de 20 milhões de m³/dia, podendo receber 10 milhões de m³/dia do pré-sal (pelo trecho Tupi-Mexilhão do Rota 1) e 10 milhões de m³/dia do pós-sal, através do gasoduto Uruguá-Mexilhão – recém-adquirido pela Enauta, está também ocioso.
A ociosidade dessa infraestrutura e a criação de novas conexões de gás do pré-sal ao Rota 1, para compensar o declínio dos campos do pós-sal, já haviam sido apontados, nas discussões do Gás para Empregar, também pelo Instituto de Energia da PUC-Rio, em estudo encomendado à Coalizão pela Competitividade Gás Natural.
O Pipe também considera a necessidade de construção de novas unidades de processamento, dadas as limitações da atual infraestrutura de Cubatão.
A EPE reconhece que existem outras alternativas aos empreendedores, como o pagamento pelo acesso de terceiros na UPGN existente, mas que, nesse caso, seriam necessários investimentos em sua expansão.
O plano cita que os projetos estudados para monetização de Gato do Mato e Bacalhau poderiam trazer um “incremento importante” de gás para a região Sudeste e ajudar a suprir as possíveis quedas de importação da Bolívia.
Investimento na Bahia
No onshore, o Pipe traz como indicação a expansão da infraestrutura de escoamento e processamento no onshore da Bahia.
A estatal sugere o gasoduto Tucano Sul-Quererá com o objetivo de escoar o gás dos campos Tucano Grande e Tucano Grande Sul (TUC-T-139 e TUC-T147), do consórcio Imetame Energia, EnP Energy Platform e Energia Paranã, até uma UPGN indicativa, nas proximidades do início do gasoduto Quererá-Conceição, no campo de Quererá.
Foi considerada como premissa um projeto de 22,5 km de extensão, entre a unidade de produção onshore e a UPGN indicativa; e uma vazão de 1 milhão de m³/dia para o gasoduto e uma capacidade de 3 milhões de m³/dia para a unidade de processamento – devido ao potencial de descobertas nos blocos pertencentes à Bacia de Tucano Sul.
A EPE estima que o projeto demandaria investimentos de R$ 49 milhões no gasoduto e R$ 366 milhões na UPGN.
O estudo também se debruça sobre os projetos de Raia (Equinor), na Bacia de Campos, e Sergipe Águas Profundas (Petrobras) – ambos já anunciados pelos seus respectivos operadores.
Produtores aguardam sinal da demanda
Para a diretora de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Sylvie D’Apote, o investimento real dos produtores em novas rotas dependerá, ao fim, do comportamento da demanda.
“Investimentos em produção e para levar esse gás ao mercado só vão acontecer se houver demanda de fato”, comentou a executiva, ao participar do lançamento do Pipe.
Ela destacou, nesse sentido, que a demanda depende também da disposição dos consumidores de pagar um preço que seja suficiente para remunerar a cadeia do gás.
E mencionou que, do ponto de vista regulatório, é importante que a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) defina as regras de acesso às infraestruturas essenciais.
“[Essa regulação] tem que garantir o uso eficiente da infraestrutura existente, mas também que os agentes dispostos a investir possam enxergar que investimentos serão remunerados”, complementou.
Também presente no evento, a diretora da ANP, Symone Araújo, disse que, pela complexidade do assunto, vê com naturalidade as postergações da decisão da diretoria colegiada da agência sobre o acesso às infraestruturas essenciais, mas que o tema “está no radar” do regulador.