Dentre as diversas novidades trazidas pela abertura do mercado de óleo e gás brasileiro em meados dos anos 1990, surgiu o conceito de Conteúdo Local, na forma de uma obrigação contratual, inserida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) nos editais e respectivos contratos de concessão com as petroleiras.
Essa política visa garantir investimentos mínimos em produtos e serviços nacionais, fomentando tecnologia e integração de recursos locais.
Com isso, parte dos bens e serviços adquiridos para atividades de E&P no Brasil deve ser nacional. Bens e serviços locais, quando ofertados em condições equivalentes às alternativas estrangeiras, devem ser priorizados.
Pretende-se, também, fomentar o investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias nacionais.
Desde a primeira rodada de licitação de blocos, a ANP incentivou a participação da indústria local no desenvolvimento das atividades no país.
A partir da segunda rodada, seriam considerados locais os equipamentos ou componentes que tivessem um conteúdo manufaturado no Brasil, de, no mínimo de 60%.
Como incentivo à indústria brasileira, a ANP passou a levar em consideração a oferta de conteúdo local na avaliação das propostas para obtenção de concessões de E&P.
Assim foi até a mudança de governo em 2003, quando o novo governo optou por tornar obrigatórios valores mínimos e máximos para o conteúdo local, prática que prevalece até hoje.
Por conta de problemas de atrasos e custos que começaram a surgir com fornecedores locais, a ANP publicou, em 2018, a Resolução nº 726, trazendo a possibilidade de aditamento aos contratos com novas exigências de conteúdo local e pedidos de isenção, para casos específicos.
Em linhas gerais:
- (i) os pedidos de isenção seriam aplicáveis para casos de inexistência de fornecedor nacional, preço ou prazo excessivos, ou nova tecnologia, e devem ser submetidos a consulta pública para que todas as partes interessadas tenham oportunidade de se manifestar;
- (ii) o aditamento da cláusula de conteúdo local foi facultado para todos os contratos em vigor, com efeitos para as fases não encerradas; e
- (iii) o prazo para as empresas interessadas pedirem aditamento de seus contratos se encerraria em 10 de agosto de 2018.
Conforme Resolução ANP 726/2018, a agência pode autorizar a exoneração do compromisso de conteúdo local nas seguintes hipóteses: (i) inexistência de fornecedor brasileiro; (ii) propostas de fornecedores brasileiros com preços excessivos em relação a congêneres não brasileiros; (iii) propostas de fornecedores brasileiros com prazos de entrega excessivos em relação aos estrangeiros; e (iv) uso de nova tecnologia, não existente no Brasil.
Já a Resolução ANP 833/2020, estabelece que, na fase de exploração, os compromissos de conteúdo local deverão obedecer ao estabelecido nos contratos que regem as áreas sob contrato que contêm a jazida compartilhada ou que são objeto da anexação de áreas, sujeitas a fiscalizações individualizadas.
Na sua atual versão, a Lei do Petróleo estabelece que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), deverá (i) induzir o incremento dos índices mínimos de conteúdo local de bens e serviços; e (ii) definir índices mínimos de conteúdo local em navios-tanque novos produzidos no Brasil destinados ao ativo imobilizado e empregados, exclusivamente, em atividade de cabotagem de petróleo e seus derivados.
Em dezembro de 2024, foi promulgada a Lei 15.075/2024, autorizando a transferência de excedentes de conteúdo local entre contratos de exploração e produção de petróleo e gás natural.
Passou, então, a ser admitida a transferência de excedentes de conteúdo local mínimo em valores monetários, devidamente certificados, que excederem os percentuais mínimos previstos nos contratos de E&P vigentes.
Conforme exposto pelo Senado Federal, o projeto ainda amplia o conceito de conteúdo local, com a inclusão de navios-tanque e embarcações de apoio marítimo produzidos no Brasil, e estabelece índices mínimos de conteúdo local para esses equipamentos.
A nova lei criou incentivos para a indústria naval e para o setor de petróleo, permitindo a depreciação acelerada de navios-tanque novos, fabricados em estaleiros nacionais e empregados no transporte de cabotagem de petróleo e seus derivados.
A nova legislação representa um avanço significativo para o setor, sendo um importante marco legal que traz benefícios concretos para toda a indústria nacional, trazendo mais segurança jurídica e condições econômicas que vão impulsionar projetos estratégicos, fortalecendo tanto as empresas já estabelecidas, quanto abrindo espaço para novos participantes no mercado petrolífero brasileiro.
Nestes quase 30 anos de abertura do mercado de O&G e da aplicação da política de conteúdo local, certamente houve erros e acertos.
A ANP e o CNPE precisam continuar atentos, ajustando e calibrando as exigências, para que se consiga induzir o desenvolvimento da indústria, sem, entretanto, prejudicar a competitividade da produção de O&G brasileira em um mercado global altamente dinâmico.
Sendo bem aplicadas e utilizadas, as políticas de conteúdo local podem ser grandes aliadas do aumento da atividade nacional na indústria brasileira de E&P, sobretudo se alinhadas a uma política fiscal eficiente e a mecanismos de acesso ao crédito para este setor.
A crescente produção de O&G no Brasil, associada a uma política de conteúdo local bem calibrada, pode ter diversos efeitos benéficos, como a criação de postos de trabalho, aumento da qualificação da mão-de-obra nacional, incremento da arrecadação fiscal e maior projeção do Brasil na arena internacional.
Guilherme Schmidt é sócio do Campos Mello Advogados.
Theo de Miranda é associado do Campos Mello Advogados.
Bernardo Abreu é assistente jurídico de Energia & Recursos Naturais do Campos Mello Advogados.
