Opinião

Colonial Pipeline: um marco para a segurança digital no setor de energia

Uma brecha foi suficiente para interromper um sistema responsável por quase metade do fornecimento de combustíveis da costa leste dos EUA, escreve Thiago Braga Branquinho

Thiago Branquinho é CTO da TI Safe (Foto Divulgação)
Thiago Branquinho é CTO da TI Safe (Foto Divulgação)

Sempre que pensamos em grandes marcos da segurança cibernética, alguns casos se destacam por transformar a forma como enxergamos riscos e vulnerabilidades. Um dos mais emblemáticos foi o ataque de ransomware contra a Colonial Pipeline, em 2021, que paralisou o abastecimento de combustíveis em boa parte da costa leste dos Estados Unidos.

Mais do que um incidente, aquele episódio se tornou símbolo de como o digital e o físico estão cada vez mais entrelaçados — e de como um erro de configuração pode gerar consequências para milhões de pessoas.

O que impressiona nesse caso não é apenas a sofisticação da ameaça, mas sim a simplicidade do ponto de entrada: uma conta de VPN desprotegida por autenticação multifator. Essa brecha foi suficiente para interromper um sistema responsável por quase metade do fornecimento de combustíveis da região.

O impacto foi imediato: corridas a postos de gasolina, desabastecimento em diversos estados, prejuízos bilionários e até operações aeroportuárias comprometidas. Pela primeira vez, ficou claro para a sociedade que cibersegurança não é um tema restrito a especialistas, mas sim uma questão de interesse público.

De lá para cá, muita coisa mudou. O episódio impulsionou um redesenho das políticas de segurança nos Estados Unidos. A Transportation Security Administration (TSA) passou a exigir medidas obrigatórias, como segmentação de redes, uso de MFA e monitoramento contínuo.

Em 2022, a lei CIRCIA tornou o reporte de incidentes cibernéticos obrigatório em até 72 horas, estabelecendo um novo patamar de transparência. Normas técnicas também foram atualizadas — como a API 1164, agora alinhada ao NIST e à IEC 62443 —, criando um padrão de referência seguido mundialmente.

Mas talvez o avanço mais transformador tenha ocorrido no campo da governança. A cibersegurança deixou de ser responsabilidade apenas das áreas técnicas e passou a ocupar lugar central em conselhos e diretorias.

Esse movimento fortaleceu a integração entre times de IT e OT, aproximou empresas de órgãos reguladores e estimulou iniciativas colaborativas entre diferentes setores da economia.

Ainda assim, o cenário segue desafiador. Sistemas legados continuam sendo portas de entrada vulneráveis, enquanto a instabilidade geopolítica amplia o número e a sofisticação das ameaças.

Para agentes maliciosos, a indústria de óleo e gás permanece como alvo estratégico, e a principal lição da Colonial Pipeline é inequívoca: uma brecha mínima pode se converter em crise nacional.

No Brasil, essa reflexão é urgente. Nossa infraestrutura energética e logística depende de cadeias complexas e interconectadas.

Adotar padrões internacionais, criar canais formais de reporte de incidentes e fomentar a cooperação entre governo, setor privado e especialistas são passos fundamentais para fortalecer a resiliência nacional. Afinal, proteger sistemas críticos é também proteger a sociedade.

Estamos realmente preparados para lidar com um ataque dessa magnitude em nosso território? A resposta dependerá da nossa capacidade de transformar aprendizados em práticas concretas e de compreender, de uma vez por todas, que segurança cibernética é também uma questão de soberania.


Thiago Braga Branquinho é Chief Technology Officer (CTO) da TI Safe

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