Sempre que pensamos em grandes marcos da segurança cibernética, alguns casos se destacam por transformar a forma como enxergamos riscos e vulnerabilidades. Um dos mais emblemáticos foi o ataque de ransomware contra a Colonial Pipeline, em 2021, que paralisou o abastecimento de combustíveis em boa parte da costa leste dos Estados Unidos.
Mais do que um incidente, aquele episódio se tornou símbolo de como o digital e o físico estão cada vez mais entrelaçados — e de como um erro de configuração pode gerar consequências para milhões de pessoas.
O que impressiona nesse caso não é apenas a sofisticação da ameaça, mas sim a simplicidade do ponto de entrada: uma conta de VPN desprotegida por autenticação multifator. Essa brecha foi suficiente para interromper um sistema responsável por quase metade do fornecimento de combustíveis da região.
O impacto foi imediato: corridas a postos de gasolina, desabastecimento em diversos estados, prejuízos bilionários e até operações aeroportuárias comprometidas. Pela primeira vez, ficou claro para a sociedade que cibersegurança não é um tema restrito a especialistas, mas sim uma questão de interesse público.
De lá para cá, muita coisa mudou. O episódio impulsionou um redesenho das políticas de segurança nos Estados Unidos. A Transportation Security Administration (TSA) passou a exigir medidas obrigatórias, como segmentação de redes, uso de MFA e monitoramento contínuo.
Em 2022, a lei CIRCIA tornou o reporte de incidentes cibernéticos obrigatório em até 72 horas, estabelecendo um novo patamar de transparência. Normas técnicas também foram atualizadas — como a API 1164, agora alinhada ao NIST e à IEC 62443 —, criando um padrão de referência seguido mundialmente.
Mas talvez o avanço mais transformador tenha ocorrido no campo da governança. A cibersegurança deixou de ser responsabilidade apenas das áreas técnicas e passou a ocupar lugar central em conselhos e diretorias. Esse movimento fortaleceu a integração entre times de IT e OT, aproximou empresas de órgãos reguladores e estimulou iniciativas colaborativas entre diferentes setores da economia.
Ainda assim, o cenário segue desafiador. Sistemas legados continuam sendo portas de entrada vulneráveis, enquanto a instabilidade geopolítica amplia o número e a sofisticação das ameaças. Para agentes maliciosos, a indústria de óleo e gás permanece como alvo estratégico, e a principal lição da Colonial Pipeline é inequívoca: uma brecha mínima pode se converter em crise nacional.
No Brasil, essa reflexão é urgente. Nossa infraestrutura energética e logística depende de cadeias complexas e interconectadas. Adotar padrões internacionais, criar canais formais de reporte de incidentes e fomentar a cooperação entre governo, setor privado e especialistas são passos fundamentais para fortalecer a resiliência nacional. Afinal, proteger sistemas críticos é também proteger a sociedade.
Estamos realmente preparados para lidar com um ataque dessa magnitude em nosso território? A resposta dependerá da nossa capacidade de transformar aprendizados em práticas concretas e de compreender, de uma vez por todas, que segurança cibernética é também uma questão de soberania.
Thiago Braga Branquinho é Chief Technology Officer (CTO) da TI Safe