Opinião

Aumento do IOF-Câmbio nas remessas de afretamento: impactos e estratégias para o setor de O&G

Medida do governo federal eleva custos e gera incertezas jurídicas, levando empresas a avaliarem alternativas como reestruturação financeira e judicialização, avalia Marcelo Carvalho Pereira

FPSO Atlanta da Brava Energia em produção em águas profundas (Foto Divulgação)
FPSO Atlanta da Brava Energia em produção em águas profundas (Foto Divulgação)

Recentemente, foram editados dois Decretos Federais promovendo substanciais alterações nas alíquotas e regras aplicáveis ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), com destaque para o aumento da alíquota incidente sobre operações de câmbio não especificadas.

A cobrança passou de 0,38% para expressivos 3,5% nas operações de câmbio realizadas para transferência de recursos ao exterior, não isentas e não abarcadas por regra específica.

Trata-se de um aumento de quase dez vezes a alíquota anteriormente vigente, com efeitos práticos imediatos sobre indústria de óleo e gás, sobretudo sobre os valores remetidos ao exterior a título de afretamento, que se inserem justamente na referida alteração.

Os contratos que viabilizam o afretamento desses ativos estrangeiros na indústria de O&G costumam acompanhar as regras do regime aduaneiro próprio da indústria, que é o Repetro-Sped. Nesse contexto, preponderantemente, temos duas formatações aplicáveis, comumente conhecidas como os “contratos tripartites”, e o “afretamento direto”.

Em estruturas contratuais tripartites, comumente utilizadas em operações envolvendo as embarcações de maior custo e complexidade, a responsabilidade pela remessa dos valores ao exterior (e, por conseguinte, pelo recolhimento do IOF) será da operadora contratante.

Nesses casos, em que o ônus financeiro impacta diretamente a contratante, não se descarta a possibilidade de que as taxas de afretamento sejam futuramente afetadas para menor, ante o surgimento de uma tributação extraordinária imprevista, onerando sensivelmente a atividade.

Por outro lado, nas estruturas contratuais mais usuais, com afretamento diretamente celebrado entre a Empresa Brasileira de Navegação (EBN) e a entidade estrangeira proprietária da embarcação, a remessa internacional é feita pela própria EBN, que arcará integralmente com o aumento do IOF, numa operação intragrupo.

Para esses casos, o reequilíbrio econômico-financeiro será debatido no outro contrato, celebrado entre a EBN e a operadora contratante, cabendo reflexões sobre a possibilidade de repasse da nova carga tributária nas taxas praticadas.

Como vem sendo amplamente noticiado, a majoração do IOF tem sido alvo de críticas intensas nos meios político e empresarial, e sua revisão não está totalmente descartada, muito embora o governo tenha, último dia 11 de junho, optado por não recuar totalmente na majoração do IOF, mantendo, por exemplo, a alíquota de 3,5% sobre o câmbio nas remessas ao exterior.

Nesse cenário de incertezas, é fato que alguns contribuintes têm adiado as remessas internacionais até que haja maior segurança quanto à permanência ou não da alíquota majorada.

Caso a majoração seja mantida, será possível que os contribuintes afetados busquem questionar judicialmente o aumento da alíquota, com base na inobservância, pelo governo, da natureza jurídica do IOF de “tributo extrafiscal”.

Em bom português, um tributo extrafiscal é aquele vocacionado à regulação econômica, não se admitindo a sua utilização com uma finalidade preponderantemente arrecadatória, como o governo deliberadamente admite estar fazendo como o IOF.

Essa mesma discussão, por exemplo, foi recente travada para questionar a incidência do Imposto de Exportação — outro imposto extrafiscal — sobre a exportação de óleo bruto, no ano de 2023. O embate, vale destacar, ainda está em curso nos tribunais, e o seu desfecho poderá ajudar a nortear os casos envolvendo o IOF.

Seja como for, hoje é difícil traçar um prognóstico firme de sucesso para o questionamento judicial, ainda que o embasamento jurídico nos pareça robusto em defesa do reconhecimento da ilegalidade da majoração com fim arrecadatório.

Diante da incerteza que a medida judicial parece trazer ao caso, uma alternativa mais pragmática que pode ser estudada, especialmente quando se tratar de remessas realizadas intragrupo, é a reestruturação dos fluxos financeiros existentes.

Naturalmente, esses ajustes precisam observar à risca o fundamento econômico envolvido, mas não são poucos os casos em que parte do fluxo monetário hoje existente entre as partes pode ser objeto de legítima pactuação diversa, sem qualquer ofensa à legalidade

Além disso, tais ajustes podem ocorrer sem desdobramentos para a aplicação das regras de Preços de Transferência, ou, para os maiores grupos, de imposição de ajustes na CSLL para observância das regras do Pilar 2, recentemente internadas da OCDE para o nosso Ordenamento.

Por fim, ainda pode ser estudada a possibilidade de que a entidade nacional mantenha uma maior parcela do resultado financeiro da operação no Brasil, decorrente da redução da remessa de afretamento, com a subsequente distribuição de dividendos ao controlador estrangeiro.

Os dividendos, como se sabe, estão isentos do IOF-Câmbio e, além disso, continuam não sujeitos à incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), ainda que o resultado seja tributado normalmente na entidade nacional.

Em suma, pensamos que o exercício de revisão dos fluxos financeiros entre as entidades de um mesmo grupo é válido, objetivando, ainda que apenas sobre certa parcela, reduzir as remessas a título de afretamento, com a subsequente redução de imposição da nova (e alta) alíquota do IOF.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Marcelo Carvalho Pereira é sócio do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, com atuação em Direito Tributário, Aduaneiro e Contratual.

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