Diálogos da Transição

Petroleiras de olho no mercado de carbono brasileiro; desmatamento segue avançando na Amazônia

Levantamento da McKinsey estima que a demanda de créditos no mercado voluntário pode multiplicar 15 vezes até 2030 e 100 vezes até 2050

Petroleiras de olho no mercado de carbono brasileiro; desmatamento segue avançando na Amazônia. Na imagem, sobrevoo flagra queimada na floresta Amazônica, no Pará (Foto: Araquém Alcântara/WWF Brasil)
Sobrevoo flagra queimada na floresta Amazônica, no Pará (Foto: Araquém Alcântara/WWF Brasil)

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Editada por Nayara Machado
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A Shell anunciou ontem (11/7) investimento de US$ 40 milhões na desenvolvedora de créditos de carbono Carbonext, de olho em um mercado que pode valer US$ 50 bilhões até 2030. Com o investimento, a companhia de óleo, gás e energia agora terá acesso preferencial ao mercado de carbono da empresa.

Em nota, André Araujo, presidente da Shell Brasil, conta que a petroleira tem meta de compensar 120 milhões de toneladas de CO2 por ano até 2030, e o investimento na empresa que executa projetos de preservação em mais de dois milhões de hectares da Floresta Amazônica é um passo importante nesse sentido.

 

Abater emissões a partir de soluções baseadas na natureza é uma das saídas para empresas intensivas em carbono – como a indústria de combustíveis fósseis – para cumprir seus compromissos climáticos, já que nem todas as soluções de transição energética estão prontas e a forma mais “fácil” de capturar carbono é com árvores.

Um levantamento da McKinsey estima que a demanda de créditos no mercado voluntário pode multiplicar 15 vezes até 2030 e 100 vezes até 2050.

Isso seria suficiente para cobrir entre 7 e 13 GtCO2e até 2050 — quando o mundo precisará sair do  nível atual de 59 GtCO2e por ano para alcançar emissões líquidas zero, de acordo com a Força-Tarefa em Escalonamento de Mercados Voluntários (TSVCM, em inglês).

Embora a força-tarefa indique que já existe oferta suficiente para atender ao aumento de demanda esperado, ainda há um conjunto de obstáculos a serem superados.

Brasil, Indonésia, República do Congo e Índia detém juntos 53% do potencial em soluções baseadas na natureza, sendo 20% no Brasil.

Boa parte desse potencial está em projetos REDD+ em florestas nativas, para conservação do estoque de carbono freando o desmatamento e favorecendo a regeneração natural.

Mas, para ter efeito, o país precisa parar de destruir suas florestas. 

“A emissão de carbono por conta do desflorestamento ou da degradação florestal é equivalente à de todos os carros e caminhões circulando na economia”, comenta Rafael Chaves, diretor de relações institucionais da Petrobras.

“Se a gente parar de usar caminhão e carro da noite para o dia, o custo social e econômico é enorme, enquanto o custo de preservar a floresta é muito mais baixo. Então é bastante óbvio que a gente tem que usar essa alavanca, é a alavanca mais eficiente em termos de custo benefício”, disse durante um evento do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), na segunda.

Segundo Chaves, nos próximos anos, a companhia prevê investir R$ 120 milhões em soluções de captura de carbono focadas em florestas.

“O grande desafio econômico é conseguir precificar a floresta como ativo e fazer com que a população local trabalhe na preservação e perceba um benefício. E aí precisa um avanço regulatório, ter mecanismos de precificação para que a gente consiga resolver esse problema de mercado”.

O executivo afirma que embora o mercado não consiga resolver sozinho o desafio de precificar a floresta em pé, a petroleira não vai “esperar os formuladores de política se mexerem”.

“No mercado voluntário já estamos atuando nas soluções. Temos R$ 120 milhões [para investir] em florestas, sendo R$ 50 milhões em parceria com o BNDES e cerca de R$ 70 milhões em outras iniciativas”.

Para aprofundar

O desmatamento avança…

Dados do Inpe divulgados na sexta (8/7) mostram que a área de alertas de desmate no mês chegou a 1.120 km², a maior marca desde 2016, início da série histórica do sistema Deter-B – recorde pelo terceiro ano consecutivo em junho.

É uma alta de 130% em relação a junho de 2018, último ano do governo de Michel Temer. Sob Bolsonaro, pela primeira vez os alertas ultrapassaram 1.000 km² em junho: foram 1.043 km² em 2020, 1.061 km² em 2021 e agora 1.120 km².

Segundo o Observatório do Clima, os dados de alertas até o momento indicam que a taxa de desmatamento em 2022 deverá ultrapassar novamente os 10.000 km2. Em 2021, pela primeira vez desde o início das medições, em 1988, a Amazônia teve o quarto ano seguido de aumento na devastação.

…a crise energética também

A crise energética global ainda não atingiu seu pico e deve piorar à medida que o inverno do hemisfério norte se aproxima, disse hoje Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), durante o Fórum de Energia de Sydney.

“O mundo nunca testemunhou uma crise energética tão grande em termos de profundidade e complexidade”, disse Birol no encontro organizado pelo governo australiano. “Acredito que talvez ainda não tenhamos visto o pior”.

Para o executivo, a crise energética global desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia tem um impacto maior no fornecimento de energia do que as crises do petróleo na década de 1970.

E este será o momento para acelerar a transição, com aumento do uso de energia renovável, hidrogênio e tecnologia de armazenamento de baterias, exemplificou.

Também no encontro, Estados Unidos e Austrália firmaram uma parceria de aceleração de tecnologia net-zero para armazenamento, integração de rede, hidrogênio limpo, captura direta de ar e minerais críticos.

Na semana passada, a IEA publicou um relatório alertando sobre os desequilíbrios nas cadeias globais de fornecimento para energia solar fotovoltaica, concentrado na China. O documento sugere que uma transição energética segura só estará garantida se houver expansão e diversificação da produção desses equipamentos para outros países.