RIO — Seja sob o comando de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou de Jair Bolsonaro (PL), o próximo presidente da República terá de lidar, em 2023, com uma realidade de preços de combustíveis elevados no mercado internacional, segundo projeções de analistas.
O cenário exigirá uma resposta rápida do próximo governo — inclusive sobre o que fazer com a desoneração que amenizou a inflação dos derivados nos últimos meses, mas que ainda tem seu futuro incerto.
Logo nos primeiros meses de mandato do próximo presidente da República, a Europa deixará de importar, em fevereiro de 2023, derivados russos. Trata-se de uma das principais sanções impostas pela União Europeia contra Moscou, em retaliação à invasão da Ucrânia.
A diretora global de refino da consultoria Wood Mackenzie, Ixchel Castro, afirma que essa mudança nos fluxos globais do mercado de combustíveis — em pleno inverno no Hemisfério Norte — deve contribuir para deixar os preços voláteis. E exigirá, do Brasil, a busca por novos supridores, em especial de diesel.
“[O novo governo brasileiro] vai enfrentar preços altos de diesel, seguramente… Os preços já não estarão [em 2023] nos níveis históricos que vimos há alguns meses, mas vão se manter mais altos que o historicamente, provavelmente, no próximo ano”, comentou a analista da Wood Mackenzie, em entrevista à agência epbr.
Além do impacto direto no bolso do consumidor, a crise energética mundial também traz riscos para a balança comercial brasileira. A potencial destruição de demanda, sobretudo na Europa e Ásia, é uma má notícia para um país exportador de petróleo bruto como o Brasil.
“Evidentemente, o potencial cenário recessivo [global] terá impacto na exportação para o mercado brasileiro e nos ingressos de receitas”, disse.
Para onde vão os preços?
Desde agosto, diante dos temores de uma recessão global, os preços do Brent voltaram a se aproximar dos patamares pré-guerra da Ucrânia, depois de mais de cinco meses acima dos US$ 97 o barril. Em setembro, a cotação da commodity chegou a operar abaixo dos US$ 90 durante o fim do mês.
O cenário para 2023, contudo, é que o petróleo continue em patamares elevados. De acordo com pesquisa da Reuters, com 42 economistas e analistas globais, a cotação média do Brent deve ficar em US$ 100,45 o barril em 2022 e em US$ 93,70 em 2023.
Ixchel Castro acredita que os preços do diesel vão se manter em patamares elevados pelo menos até meados de 2023, para quando se espera a entrada em operação de novas refinarias no Oriente Médio e África. Até lá, o mercado global deve se manter volátil, à medida que se reorganiza.
Ela explica que a guerra da Ucrânia acentuou um problema estrutural do refino mundial:.
- Do lado da oferta, a capacidade global de refino caiu nos últimos anos. Muitas refinarias fecharam ou foram convertidas para biorrefinarias e terminais de armazenamento, diante das incertezas trazidas pela transição energética e a consequente falta de clareza sobre o futuro da demanda;
- e do lado do consumo, a redução da capacidade global coincidiu com a recuperação da demanda por derivados, após o baque sofrido pelo mercado internacional com a pandemia; e com o aquecimento da demanda europeia por alternativas aos derivados russos, após a eclosão da Guerra da Ucrânia. A Europa também vem demandando mais diesel, como alternativa ao gás russo. Tudo isso pressiona os preços.
“Estamos num mundo com menor capacidade, baixos estoques globais e com um dos maiores compradores globais, a Europa, buscando novos supridores… e com prêmio”, resumiu Castro.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) publicou, na semana passada, estudos sobre os preços internacionais de derivados que apontam para a mesma direção. No caso do diesel, segundo a estatal brasileira de planejamento energético, os prêmios devem se manter elevados entre 2022/2023, enquanto fluxos mundiais se adaptam à nova realidade do mercado. A demanda deverá aumentar no curto prazo, devido à substituição do gás natural.
A Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA) estima, por sua vez, que o galão de diesel nos Estados Unidos, principal fornecedor do Brasil, deve recuar de US$ 4,99 em 2022 para US$ 4,28 em 2023. Ainda assim, os preços tendem a ficar mais altos que os patamares dos últimos anos: de US$ 2,56 em 2020 e US$ 3,29 em 2021.
No Brasil, preços caem, mas com prazo de validade
A inflação dos combustíveis foi uma das pautas mais quentes da corrida eleitoral de 2022. Em dois meses, dois presidentes da Petrobras — Joaquim Silva e Luna e seu sucessor, José Mauro Coelho — caíram, em meio à pressão do presidente Jair Bolsonaro contra os reajustes dos preços dos derivados da estatal.
Pressionado politicamente pelos altos preços, Bolsonaro apostou forte num pacote de desoneração controverso para baixar o preço, sobretudo da gasolina, às vésperas das eleições. De junho para setembro, o litro do derivado caiu de R$ 7,25 para R$ 5, na média do Brasil — que se tornou um dos 30 países com a gasolina mais barata do mundo, segundo o GlobalPetrolPrices.
O GlobalPetrolPrices é um site de pesquisa de mercado que monitora 170 países diferentes. A pesquisa considera a média de preços em cada país, convertida para dólar. Os dados, porém, não incluem a paridade de poder de compra, ou seja, não refletem os diferentes custos de vida nos países.
A queda recente dos preços dos combustíveis, no Brasil, está sustentada em quatro pilares:
- a desoneração dos impostos federais da gasolina e etanol, zerados por meio da lei 194/2022;
- a fixação do teto da alíquota de ICMS — de 17% a 18%, na maioria dos casos — sobre os combustíveis e energia elétrica, também prevista na lei 194/2022;
- a redução da base de cálculo do ICMS pelos estados, após decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça;
- e o repasse da queda dos preços internacionais de forma mais acelerada por parte da Petrobras sob a gestão de Caio Paes de Andrade.
As bases da queda dos preços dos combustíveis, porém, têm data para acabar. A desoneração dos impostos federais e a redução da base de cálculo do ICMS são temporárias, com validade até o fim do ano e do atual mandato de Bolsonaro. A continuidade do corte dos tributos federais depende da aprovação do orçamento e ainda não está assegurada.
Além disso, os estados questionam, no STF, as leis complementares nº 192/2022 (monofasia) e nº 194/2022 (teto do ICMS). As negociações de conciliação, abertas pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo, estão previstas para se encerrarem após as eleições.
O que Lula e Bolsonaro prometem?
Bolsonaro já sinalizou a intenção de manter zerados os impostos federais sobre os combustíveis para 2023. O atual presidente encaminhou ao Congresso o projeto do Orçamento com previsão de renovação da desoneração da gasolina, etanol, GNV, diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP) e querosene de aviação, ao custo de uma renúncia fiscal de R$ 52,9 bilhões.
Já Lula defende uma outra linha de atuação, para conter a alta dos preços dos combustíveis: acabar com o alinhamento de preços da Petrobras ao preço de paridade de importação (PPI). O ex-presidente é crítico da lei do teto do ICMS — alvo de embates entre estados e o governo Bolsonaro. Mas, questionado se vai alterar a legislação, Lula citou que o próprio STF já tem entendimento favorável ao teto e que o seu foco é outro.
“Ele [Bolsonaro] poderia ter reduzido o preço da gasolina sem mexer no ICMS dos estados, ele foi mexer para tentar mostrar que ele poderia ganhar politicamente”, disse o petista, em entrevista ao SBT, em setembro. “Não quero mexer em política que é de governador. O governador cuida dos seus impostos. Eu quero mexer é com a política que é do presidente da República: que é o preço da Petrobras”, respondeu.
Os discursos de Lula e Bolsonaro, em determinados momentos, convergem. Durante a alta dos preços, o atual presidente fez críticas ao PPI e defendeu acabar com o alinhamento à paridade internacional. E por diversos momentos, pressionou publicamente a petroleira a segurar reajustes ou cortar os preços.
Embora já tenha afirmado diversas vezes que não pode baixar os preços dos combustíveis com uma “canetada” ou interferir na Petrobras, o presidente da República já trocou a presidência da estatal quatro vezes em seus quatro anos de governo, por insatisfação com os preços da companhia. E na atual gestão de Paes de Andrade, a Petrobras tem intensificado as reduções de preços.
“O preço [dos combustíveis] é um tema que está preocupando todos os governos [no mundo]… Independente da posição [política dos candidatos], a preocupação para o consumidor tem que ser um tema de discussão na agenda. Obviamente, como se soluciona o problema vai variar, dependendo das variações políticas. O Brasil já passou por esse caminho [controle de preços] antes e a Petrobras também. Isso teve impacto importante nas finanças da Petrobras e na capacidade de reinvestir e manter a expansão”, comentou Ixchel Castro.
Brasil pode ter que buscar novos fornecedores
A mudança nos fluxos globais de derivados exigirá do Brasil a busca por novos parceiros comerciais. Ixchel Castro acredita que os Estados Unidos continuarão sendo os principais supridores de diesel do Brasil, mas destaca que o mercado brasileiro vai competir com a Europa pelo produto americano.
“Gradualmente, vão se abrindo algumas oportunidades [de aquisição] com os países do Oriente Médio e Ásia. Novas refinarias na África também podem representar novas oportunidades de aquisição de diesel. A Europa continuará comprando maiores volumes, o Brasil competirá com Europa, mas há um bom número de opções na mesa”, analisou Castro.
Na sexta (30/09), o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, anunciou no Twitter que 35 milhões de litros de diesel chegaram ao Porto de Santos, oriundos da Rússia. O volume representa menos de 1% do consumo mensal de diesel no país. Segundo o ministro, novas cargas devem chegar da Rússia em outubro.
Não foi informado quem importou o diesel russo. O governo Bolsonaro vem mantendo relações comerciais com Vladimir Putin, mesmo com as sanções impostas pelas potências ocidentais à Rússia. Não existe um impeditivo, do ponto de vista legal, para que o Brasil compre o diesel daquele país. Interessados em importar da Rússia, porém, podem esbarrar em retaliações no mercado financeiro ou em dificuldades no processamento de pagamentos ou no acesso a crédito.
- Para aprofundar: Como nova geopolítica do petróleo aproxima Bolsonaro de Putin, para compra de diesel barato da Rússia
Os riscos de desabastecimento
Ixchel Castro vê como baixos os riscos de desabastecimento do mercado brasileiro de diesel. Mas o Brasil terá que se adaptar a preços mais pressionados e condições de entrega mais apertadas — como elevados custos de frete de fornecedores mais distantes.
A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) chegou a propor, este ano, uma medida para obrigar as grandes empresas do mercado brasileiro a aumentarem os estoques de diesel, durante o período mais crítico, entre setembro e novembro. Em meio à reação do setor, a agência voltou atrás.
Para Castro, a discussão sobre estoques mínimos ou reservas estratégicas de diesel, no Brasil, faz sentido — sobretudo dada a grande distância do mercado brasileiro para fontes alternativas de suprimento.
O desafio, segundo ela, é como se implementa uma medida como essa: “Que parte da cadeia assume os custos adicionais e de que maneira se transmite isso ao consumidor?”, questionou.