Combustíveis e Bioenergia

Vai faltar diesel? Os riscos segundo Petrobras, MME e consultorias

Ministério diz que estoques de diesel são suficientes para abastecer o país por 38 dias caso as importações sejam zeradas

Desabastecimento de diesel, riscos segundo Petrobras, MME e consultorias. Na imagem, caminhão tanque abastece na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)
Caminhão tanque abastece na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

RIO — Os estoques de diesel S-10 do Brasil são suficientes, hoje, para abastecer o país por 38 dias — junto com a produção nacional — caso as importações do produto sejam zeradas, informou o Ministério de Minas e Energia (MME).

Em resposta às preocupações compartilhadas pela Petrobras, sobre possíveis problemas no abastecimento no segundo semestre, o MME destacou, em nota, que os fatos apresentados são “amplamente conhecidos e monitorados”.

Jair Bolsonaro (PL) demitiu o presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, e pressiona a estatal para que ela reveja a sua política de preços de combustíveis.

A gestão de Coelho — que permanece no cargo até a efetivação da troca no comando da companhia — reforçou nos últimos dias a necessidade de manutenção da prática de preços de mercado, alinhados às cotações internacionais.

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A petroleira alega que a decisão de importação acontece entre 45 e 60 dias antes, pelos agentes e que, como o período entre agosto e outubro é o pico de consumo de diesel, dado o escoamento mais intenso da safra das commodities agrícolas, é preciso dar uma sinalização imediata de preços de mercado aos importadores. Caso contrário, os importadores privados não conseguirão se programar para fazer as encomendas, em junho.

“Se não houver sinalização de que os preços serão de mercado, há risco material de falta de diesel durante o pico de demanda, na safra, afetando o PIB do Brasil”.

O MME informou, por sua vez, que “segue atento aos movimentos do mercado doméstico e internacional, mantendo o monitoramento de forma intensa e constante”.

Desabastecimento geral é descartado por consultoria

A StoneX destacou, em relatório divulgado esta semana, que a preocupação sobre o abastecimento de diesel “parece fazer sentido”, mas que descarta neste momento um desabastecimento geral.

“O que pode acontecer é em regiões específicas (principalmente no interior do país). Nesse caso, podemos ter, sim, eventuais desabastecimentos”, ressalvou a consultoria.

A StoneX destaca que o segundo semestre será desafiador. Os Estados Unidos, tradicional fornecedor de S10 do Brasil, está com os estoques mais baixos dos últimos quinze anos e, nos últimos meses, importadores vêm relatando dificuldades de encontrar o produto para trazer para o Brasil

A consultoria cita que as refinarias americanas já estão operando com fator de utilização (FUT) acima dos 90% desde março e que a temporada de furacões no Golfo (mais acentuada entre agosto e outubro) promete ser intensa.

“Ao sairmos da temporada de furacões, estaremos próximos de adentrar o inverno no Hemisfério Norte (temporada de demanda mais intensa por diesel). Os embargos sobre produto russo ainda são apenas parciais na Europa e a UE [União Europeia] pretende intensificar o embargo no final deste ano… Esse cenário nos acarreta uma preocupação do mercado, mas não tem impedido a importação, já que o preço importado, apesar de superior ao preço Petrobras, tem sido incorporado ao preço final na bomba”, analisa a StoneX.

Por outro lado, a consultoria pontua que alguns fatores podem amenizar o atual cenário de preços e aliviar no lado da oferta, embora alguns deles sejam improváveis — como a anulação ou postergação dos embargos totais ao produto russo e que a temporada de furacões no Golfo Americano seja menos intensa que o previsto.

Uma quebra na safra brasileira também pode amenizar os riscos, bem como o aumento das importações de diesel da Ásia, como Oriente Médio e Índia.

O futuro dos preços da Petrobras

O presidente Jair Bolsonaro mudou novamente o comando da Petrobras, esta semana. O governo demitiu José Mauro Coelho, há apenas 40 dias no cargo, e indicou para o seu lugar Caio Mário Paes de Andrade — braço direito do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Paes de Andrade será o quarto presidente da companhia em pouco mais de um ano. Também presidiram a estatal, no período, Roberto Castello Branco (janeiro de 2019 a abril de 2021) e Joaquim Silva e Luna (abril de 2021 a abril de 2022), ambos demitidos após contrariarem Bolsonaro com reajustes dos combustíveis.

Os preços da empresa são objeto de possíveis mudanças sob a nova direção. Embora seja favorável à manutenção do alinhamento dos preços à paridade de importação, Guedes defende um espaçamento temporal maior entre os reajustes promovidos pela estatal, algo em torno de 100 dias.

“Se houver um intervalo longo (100 dias ou mais) para reajuste de preços pela Petrobras, haverá aumento da defasagem entre o preço da Petrobras e o PPI [preço de paridade de importação]. A manutenção desta diferença de preços aumenta a possibilidade de desabastecimento de diesel no Brasil, causado pela combinação dos seguintes fatores: demanda estável no país, consumo dos estoques operacionais, limitação na capacidade de refino e redução da importação”, comentou o sócio-diretor da Leggio Consultoria, Marcus D´Elia.

A estatal reforçou a defesa esta semana, junto ao governo, que as margens internacionais de diesel e gasolina estão muito altas, fruto de estoques baixos e da lenta recuperação da oferta, ante o aumento da demanda no mercado global.

Segundo a Petrobras, a situação tende a piorar no segundo semestre, devido às perspectivas de redução das exportações russas de derivados e a fatores como o início da temporada de furacões no Atlântico (e seus impactos sobre o refino no Golfo Americano) e o aumento do consumo de diesel durante o verão no hemisfério norte.

A estatal destaca que as distribuidoras têm aumentado os pedidos — em junho foram 38% maiores do que os recebidos em outubro de 2021, mês de pico de demanda sazonal devido ao auge das atividades agrícola e industrial.

Além das preocupações com o abastecimento, a Petrobras alega que o risco de processo anticoncorrencial atual é “materialmente maior”, devido ao fato de que a participação de mercado da empresa caiu nos últimos anos — para 69% do abastecimento do diesel, por exemplo. A estatal recordou também os processos de que sofreu nos últimos anos por parte de investidores.

Como proposta à crise dos combustíveis, a Petrobras citou uma série de medidas adotadas por outros países para atenuar os impactos da inflação dos derivados e citou, como alternativas ao governo brasileiro, propostas como:

  • benefícios direcionados: transferência direta aos públicos de interesse (beneficiários de auxílio Brasil, vale-gás, caminhoneiros autônomos, motoristas de aplicativo etc.);
  • benefícios amplos via agentes de mercado: programas de subsídios como o de 2018, que reembolsou todos os agentes (importadores e produtores) pela subvenção;
  • cláusula de cobrança de combustíveis para fretes: mecanismo adotado nos EUA (fuel surcharge), previsto em lei, que obriga que contratos de frete tenham cláusula de repasse de custo de combustível, de forma a não onerar o caminhoneiro.