Energia

Os ovos de ouro da transição

Atração de indústrias verdes é positiva, mas o verdadeiro valor está nas vantagens comparativas do Brasil para o amplo desenvolvimento industrial, escreve Rosana Santos

Os ovos de ouro da transição energética no Brasil são suas vantagens competitivas e matriz majoritariamente renovável, avalia Rosana Santos [na imagem], diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética.I
Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética (Foto: Divulgação)

As oportunidades do Brasil no contexto da transição energética global podem ser associadas à conhecida história da galinha de ovos de ouro. Enquanto na fábula de Esopo o casal de camponeses mata o animal na esperança de encontrar uma grande quantidade do metal, o risco por aqui é nos concentrarmos apenas nos ganhos relativamente rápidos da atração de indústrias das cadeias produtivas ligadas aos energéticos verdes.

Certamente o impacto positivo seria significativo, mas muito inferior àquele que podemos obter com o uso das nossas vantagens comparativas como alavancas para o desenvolvimento da nossa indústria num sentido mais amplo.

Há cerca de duas décadas, quando a expressão transição energética ainda estava distante do jargão corporativo, o mundo começou a se voltar para o desenvolvimento das novas fontes renováveis de energia, notadamente a eólica e a solar.

Por aqui, esse movimento se traduziu não só num crescimento exponencial da participação dessas fontes na matriz elétrica, como garantiu a atração de agentes voltados ao segmento, com destaque para a instalação de fábricas de equipamentos dessas cadeias.

Agora, a transição ganha novos contornos, com o interesse crescente de agentes voltados a outras esferas do ecossistema da energia limpa, como a produção de hidrogênio de baixas emissões de carbono, baterias e produção de biocombustíveis, entre outras iniciativas, atraindo fornecedores de peças e equipamentos, investidores em projetos e a formação ou o fortalecimento de organizações de classe.

Sem dúvida, todas essas iniciativas promovem importantes resultados para a economia brasileira, com destaque para impactos diretos em termos de geração de empregos inclusive em alguns dos municípios mais carentes do país. Mas alternativas para “chocar” os ovos dourados e aumentar significativamente o seu rendimento não faltam.

O fato é que, como temos defendido em diversos fóruns, temos totais condições de utilizar a urgência da descarbonização das economias globais como uma alavanca para o nosso próprio desenvolvimento socioeconômico. Mas isso implica que façamos a transição na nossa indústria, não apenas nos voltemos à indústria da transição.

A renovabilidade das nossas matrizes elétrica e energética faz com que, nas atuais condições, a produção industrial brasileira já seja mais limpa do que a média mundial. O aço produzido em nossas siderúrgicas, por exemplo, já tem uma pegada de carbono cerca de 20% inferior ao da China e da Índia.

Ao mesmo tempo, temos totais condições de reduzir ainda mais essas emissões, garantindo a fabricação de produtos verdes que as mudanças climáticas exigem e pelos quais já vemos alguns países dispostos a pagar mais caro.

Mais, além de impulsionar a indústria existente para um novo patamar, esse contexto nos coloca entre os destinos prioritários para investimentos industriais interessados justamente em aproveitar tal potencial. O grande mercado consumidor local, a proximidade geográfica de outros mercados e a grande oferta de mão de obra qualificada também fazem a diferença nessa escolha.

Evidentemente que transformar esse potencial em realidade exige um esforço enorme do país: chocar os ovos, criar os frangos, torcer que a maioria deles sejam galinhas poedeiras. E até contar um pouco com a sorte, porque pode dar tudo errado e lá na frente as novas galinhas gerarem apenas ovos comuns. De qualquer forma, ter uma galinha mágica e uma granja também pode ser muito lucrativo.

Rosana Santos é diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética.