Diálogos da Transição

Os mercados de carbono estão realmente ajudando economias emergentes?

CMW aponta discrepância entre onde os projetos de carbono estão localizados e onde a maioria das empresas envolvidas nesses projetos está sediada

Os mercados voluntários de carbono estão realmente ajudando economias emergentes como as da África Subsaariana? Na imagem: Construções populares em comunidade na ilha de Madagascar, perto da costa sudeste da África (Foto: aga2rk/Pixabay)
Madagascar, na África, é um dos oito maiores hotspots globais de biodiversidade e uma área de conservação prioritária, segundo Banco Mundial (Foto: aga2rk/Pixabay)

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Editada por Nayara Machado
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Após um 2023 desafiador, o ano de 2024 deve ser um período determinante para restaurar a confiança nos mercados voluntários de carbono, ou eles vão acabar “morrendo”, avalia um relatório da BloombergNEF (BNEF).

A análise estima um potencial de elevar os preços dos títulos que correspondem à uma tonelada de carbono retirada da atmosfera, cada, em mais de US$ 200 por tonelada e construir um mercado avaliado em mais de US$ 1,1 trilhão anualmente até 2050.

Mas isso vai depender da capacidade de melhorar a reputação dos créditos, recorrentemente questionados sobre sua eficácia climática e repasse de recursos às comunidades.

As empresas também estão mais atentas à repercussão de compra de ativos de baixa qualidade, após denúncias de greenwashing exporem quem compra compensações de projetos de impacto ambiental questionável.

De acordo com a BNEF, a demanda é a variável-chave que determinará o destino do mercado voluntário.

Em 2023, houve um recorde de demanda, de 163,6 milhões de compensações. Mas esse volume foi apenas 2% superior aos 161 milhões registrados em 2021. Em 2022, houve uma queda de 4%.

Segundo a BNEF, o mercado está superabastecido, ao passo que muitas empresas abandonaram as compensações por medo de críticas e aumento de preços.

“Se essa demanda elástica persistir no mercado atual à medida que os preços sobem, as empresas podem comprar 1 bilhão de compensações anualmente em 2030, estabilizando para 2,5 bilhões em 2050”, aponta.

O futuro é de incerteza, mas a BNEF avalia que iniciativas focadas em fortalecer a confiança dos créditos voluntários como o Integrity Council on Voluntary Carbon Markets (ICVCM) e novas orientações de reguladores como a US Commodities Futures Trading Commission, podem dar um novo fôlego aos negócios.

Em um cenário otimista, as empresas comprariam até 1,6 bilhão de créditos em 2030 e 5,1 bilhões em 2050.

Mas para onde vai esse dinheiro?

É o que questiona um relatório da Carbon Market Watch (CMW) publicado na segunda (29/7). A organização de pesquisa fez um levantamento de projetos na África Subsaariana e identificou uma discrepância significativa entre onde os projetos de carbono estão localizados e o local onde a maioria das empresas envolvidas nesses projetos está sediada.

De uma amostra de 39 projetos africanos, 62% das 101 empresas envolvidas eram de países ricos – mas nenhum dos projetos foi desenvolvido em país rico.

“Menos de 28% das empresas envolvidas nos projetos africanos que analisamos estão realmente sediadas em um país africano. A prevalência de empresas de países ricos também é consistente em todas as funções de participantes do mercado de carbono voluntário: desenvolvedores de projeto, proprietários de projeto, Órgãos de Validação e Verificação (VVBs), consultores etc. Não apenas isso, mas essas empresas também desempenham a maioria das funções nesses projetos”, relatam os pesquisadores.

Empresas de países ricos — EUA, França, Reino Unido e Alemanha, entre eles — geralmente implementam e gerenciam projetos de carbono, apesar da maioria dos projetos estar situada em países com menos recursos econômicos.

Para a CMW, esse cenário coloca em questão quem realmente se beneficia do mercado voluntário de carbono.

“A falta de transparência e de dados públicos disponíveis sobre a distribuição dos fundos dificulta a determinação se o financiamento realmente beneficia as comunidades locais ou enriquece principalmente aqueles que gerenciam os projetos do Norte Global”.

É um problema porque países nas regiões mais pobres do mundo precisam de financiamento climático de países ricos – que mais contribuíram mais para a crise climática.

E os mercados de carbono são defendidos como um mecanismo para ajudar a canalizar esses recursos para regiões que preservam suas florestas, por exemplo.

Aqui na América Latina, o Brasil é um dos grandes mercados promissores, com potencial de movimentar US$ 120 bilhões até 2030. O país também tenta aprovar uma legislação para criar o mercado regulado. O texto está no Senado, com a promessa de voltar à pauta em agosto.

Transparência financeira

Para garantir que as comunidades que cuidam de suas florestas sejam realmente remuneradas pelo serviço que prestam ao planeta, a CMW faz algumas recomendações como garantir requisitos rigorosos de transparência financeira nos projetos.

“As empresas que implementam ou gerenciam projetos devem divulgar publicamente suas informações financeiras, incluindo detalhes de receitas com a venda de créditos e custos de implementação e compartilhamento de benefícios do projeto”.

Essas regras poderiam ser implementadas pelo ICVCM, criado há um ano justamente com a missão de organizar esse mercado e ajudar a recuperar a credibilidade.

O grupo também questiona a eficácia de uma resolução da Science Based Targets Initiative (SBTi), principal validadora mundial de metas climáticas voluntárias do setor privado, que permite o abatimento de emissões de Escopo 3 (cadeia de valor) com os créditos voluntários.

Para a CMW, essa abertura pode levar a um enfraquecimento da ação climática global, tornando a compensação de carbono inadequada para atingir as metas climáticas corporativas.

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