Energia

Órgãos públicos miram mercado livre de energia para reduzir emissões e gastos 

Burocracia ainda limita acesso de comercializadoras, mas potencial de consumo é significativo

Órgãos públicos miram contratação no mercado livre para reduzir emissões de GEE e gastos com energia elétrica. Na imagem: Usina solar instalada na cobertura do edifício-sede do MME, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Usina solar instalada na cobertura do edifício-sede do MME, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Em busca de menores custos e de atingir critérios de sustentabilidade, os entes públicos ligados aos governos federal, estadual e municipal passaram a olhar com mais interesse para o mercado livre de energia elétrica este ano, depois da flexibilização das regras que entrou em vigor em janeiro de 2024. A partir deste ano, todos os consumidores de alta tensão podem entrar no ambiente de contratação livre.

O mercado livre possibilita ao cliente escolher o supridor da eletricidade, por meio da contratação de uma comercializadora ou de uma geradora de energia. Com isso, esses clientes deixam de consumir a geração que é negociada com a concessionária de distribuição.

Apenas os órgãos públicos de administração direta consomem 3% de toda a energia elétrica do Brasil, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). São cerca de 15 GWh por ano.

Todos os clientes que migram para o ambiente livre a partir deste ano precisam estar vinculados a uma comercializadora, que é responsável pela gestão dos contratos. Essa intermediação facilita a migração de clientes que não têm grande experiência no mercado de energia, caso dos órgãos públicos.

Uma das diferenças na contratação de energia no mercado livre pelos entes públicos em relação a empresas privadas é a necessidade de realização de editais para a competição entre as comercializadoras. Alguns desses editais, inclusive, trazem condições para garantir maior segurança, como a exigência de que a comercializadora faça parte de um grupo com usinas de geração associadas ou que já tenha parques em operação, além da exigência de garantias financeiras.

Redução de emissões

Em junho, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fechou um contrato com a Echoenergia, do grupo Equatorial, para entrar no mercado livre com a compra de 320 gigawatts-hora (GWh) até dezembro de 2025. O acordo vai garantir que dez unidades da fundação nos estados Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Amazonas e Minas Gerais, além do Distrito Federal, recebam energia gerada por meio de fontes renováveis nas usinas da Echoenergia.

“Além de promovermos uma gestão ambientalmente mais responsável, esta iniciativa proporcionará uma economia superior a R$ 60 milhões anuais, o que significa mais recursos para nossas atividades finalísticas”, disse o presidente da Fiocruz, Mario Moreira.

A previsão é de que a compra da energia de fontes limpas vai reduzir as emissões da fundação em 48 mil toneladas de carbono ao longo da vigência do contrato.

Para tanto, uma particularidade do acordo é o fornecimento, junto da energia, de certificados I-RECs. Esses certificados garantem que, de fato, toda a energia contratada venha de fontes renováveis, de forma rastreável.

Na visão da coordenadora-geral de infraestrutura da Fiocruz, Ana Beatriz Alves Cuzzatti, a migração da fundação para o mercado livre é uma forma de uso racional dos recursos públicos.

“A administração pública tem rompido paradigmas adotando soluções modernas e eficientes”, disse.

A Echoenergia também está prestando assessoria a outros órgãos públicos na elaboração de licitações para a entrada no mercado livre. Segundo o diretor de vendas da companhia, Hélio Rafael, os clientes, públicos ou privados, buscam sobretudo segurança para sair do tratamento convencional com a distribuidora e passar a negociar com uma comercializadora.

“O que nós estamos fazendo é buscar definir uma estratégia muito segmentada, porque cada tipo de cliente requer uma abordagem, um pitch de venda, uma explicação de como vai ser esse produto, porque o mercado está ficando cada vez mais exigente”, explica.

Prefeitura do Rio faz licitação

No ano passado, teve início o contrato da cidade do Rio de Janeiro com a 2W Ecobank para o fornecimento de energia no mercado livre para a sede da prefeitura, o Centro Administrativo São Sebastião (CASS). A 2W venceu a primeira licitação da prefeitura do Rio, com a previsão de fornecimento de 76 mil MWh.

Com isso, o Rio foi a primeira cidade da América Latina a utilizar energia renovável para abastecer órgãos públicos.

A iniciativa fez parte do Programa de Eficiência Energética (PEE) da prefeitura, que prevê ainda a compra de energia no mercado livre para unidades de saúde e prédios municipais.

A estimativa é que a migração para o mercado livre leve a uma economia de R$ 30 milhões nas despesas de energia na sede administrativa da prefeitura, além de evitar a emissão de 40 mil toneladas de carbono durante os 60 meses do contrato com a 2W.

Já a migração das unidades de saúde tem uma economia estimada em R$ 115 milhões e vai evitar a emissão de 74 mil toneladas de gases de efeito estufa em cinco anos.

“É um movimento simbólico, mas muito importante. O esforço de economizar é sempre bom, e utilizar energia renovável é um diferencial enorme”, afirmou na ocasião o prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Burocracia ainda é entrave

Entretanto, uma das principais dificuldades da entrada no mercado livre por órgãos públicos é a necessidade de agilidade na tomada de decisões.

“Quando houver oportunidades de preço mais baixo, ou mais alto, é necessário conseguir atuar rapidamente. Não dá para ficar com milhões de processos burocráticos, senão a oportunidade passa”, diz o diretor técnico na área de Planejamento e Inteligência de Mercado da consultoria PSR, Rodrigo Gelli.

Outra questão é a necessidade de uma boa avaliação de crédito dos supridores de energia, o que pode restringir as opções das comercializadoras que participam dos editais, ressalta Gelli.

Recentemente, o presidente Lula e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fizeram críticas públicas ao processo de abertura do mercado livre nos últimos anos. Segundo Silveira, a forma como a flexibilização ocorreu levou a um aumento nas tarifas no mercado regulado, que é atendido pelas distribuidoras.