Biocombustíveis

O que está em jogo no debate sobre o biometano no Combustível do Futuro

Agentes do mercado de gás natural tentam desidratar política para o gás renovável

O que está em jogo na discussão sobre o biometano no projeto do Combustível do Futuro (PL 528/2020). Na imagem: Senador Veneziano Vital do Rêgo, relator do projeto (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)
O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB) é o relator do projeto de lei 528/2020 (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

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Editada por André Ramalho
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PIPELINE Relator trabalha nos detalhes finais do parecer do PL do Combustível do Futuro no Senado. Agentes do mercado de gás natural tentam desidratar política para biometano.

Sergipe rediscute contrato de concessão da Sergas. Ofensiva legislativa contra o fracking no MT e BA. Eneva fecha contrato de gás 100% flexível para térmica. Âmbar compra usinas da Eletrobras e mais. Confira:

BIOMETANO EM DEBATE

O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB), relator do Combustível do Futuro (PL 528/2020), trabalha nos detalhes finais de seu parecer, em meio à proximidade do recesso parlamentar de julho.

A política do biometano é um dos pontos sem consenso no mercado. Agentes da indústria do gás natural entendem que o programa de incentivo ao gás renovável, incorporado no texto aprovado na Câmara, é uma proposta irreversível e tentam reconfigurá-la no Senado, para minimizar seus impactos.

O mandato para o biometano desagradou parte da indústria de gás — em especial produtores/comercializadores e consumidores industriais, que manifestaram preocupação com uma possível pressão sobre o preço do gás natural. O MME vê um impacto marginal.

Há três grandes frentes de discussão, para tentar redesenhar o programa:

  • abrir a política de descarbonização do mercado de gás para outras rotas tecnológicas ou manter o mandato exclusivo para o biometano?
  • como tratar o nascente mercado voluntário dentro das metas de descarbonização?
  • e qual o perímetro do programa? Preservará ou não contratos de comercialização do gás já assinados? O escopo do mandato valerá ou não para as termelétricas.

A seguir, a gas week se detém sobre esses pontos na discussão.

Alterações no Senado, vale o registro, precisarão voltar para a Câmara dos Deputados… onde nasceu a política do biometano.

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EMENDAS NA MESA

Nas últimas semanas, começaram a pipocar novas emendas ao PL, algumas delas com novas propostas para o biometano.

O senador Carlos Viana (Podemos/MG), por exemplo, pediu a troca do trecho sobre incentivo à fabricação e utilização de veículos movidos a metano para aqueles movidos a biometano.

Mas um dos destaques é a emenda do senador Laércio Oliveira (PP/SE), que traz sugestões de ajustes em linha com os pleitos de entidades como IBP e Fórum do Gás (entidade que reúne associações empresariais ligadas, sobretudo, ao setor industrial).

E na contramão da bandeira da ABiogás, defensora do projeto original de incentivo ao gás renovável.

A emenda de Laércio, relator da Nova Lei do Gás, na Câmara dos Deputados, em 2021, abre a possibilidade de que as metas de redução de emissões no mercado de gás possam ser atendidas também por meio de “outros instrumentos alternativos de descarbonização”.

Se aprovada, na prática, abre o leque de rotas tecnológicas e o mandato deixa de ser exclusivamente de biometano.

O capítulo do biometano estava fora do escopo do PL originalmente enviado pelo governo ao Congresso. Na Câmara, a proposta incorporou, num primeiro momento, um programa de compra compulsória de biometano pelos produtores e importadores de gás – o relatório final, do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), contudo, foi na direção de um programa de descarbonização para o mercado de gás via biometano.

Ao invés de comprovarem metas de aquisição de biometano com base no volume de gás comercializado, os agentes terão que cumprir metas de redução de emissões – a serem alcançadas por meio da participação do biometano no consumo do gás natural ou aquisição de Certificados de Garantia de Origem de Biometano (CGOB). O resultado prático, porém, continua ser incentivar a demanda por biometano.

Produtores e consumidores de gás alegam que a introdução de um compra obrigatória do gás renovável se trata de uma reserva de mercado que limita o poder de escolha das empresas de buscarem a forma mais eficiente para reduzir sua pegada de carbono – eventualmente por meio de outras fontes, como o mercado de carbono, biomassa, eficiência energética e hidrogênio.

“O foco da política não deveria ser a rota tecnológica em si, mas a descarbonização”, defende o diretor de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon.

Para a ABiogás, por sua vez, abrir a política para outras fontes mataria o objetivo inicial do programa, de incentivar o aumento da participação do biometano na matriz energética brasileira.

A presidente da associação, Renata Isfer, lembra que o gás renovável é o único dos biocombustíveis de grande vocação do Brasil que não conta com programas de estímulo – a exemplo dos mandatos históricos de biodiesel e etanol. Cita que até os combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) estão contemplados no Combustível do Futuro.

“Esse plano [previsto no PL] não é só de descarbonização, é um plano de descarbonização com incentivo aos biocombustíveis, principalmente os de baixo carbono. Usar a lógica de usar outros tipos de descarbonização acaba perdendo o objeto e não vai incentivar o biometano”.

“Não faz sentido ter o biometano hoje como o único biocombustível sem um plano para que ele decole e deixe de ser só um potencial”, comentou.

O QUE FAZER COM O MERCADO VOLUNTÁRIO

Outra proposta trazida por Laércio é permitir que a redução de emissões alcançadas pelo mercado voluntário de biometano ou de certificados possa ser deduzida das metas de descarbonização.

Há indústrias, hoje, que já adquirem espontaneamente o biometano para descarbonizar suas operações. Laércio alega, em sua emenda, que seria negativo se o mandato obrigatório retirasse a disponibilidade de gás renovável para esse mercado voluntário.

O temor é que o programa de biometano canibalize o mercado voluntário e pressione os preços de aquisição do gás renovável pela indústria. Pelos termos do PL, a obrigatoriedade de compra do biometano recai sobre o produtor/importador de gás natural, e não sobre o consumidor final.

Isfer rebate. Segundo ela, o objetivo da política do biometano é, justamente, incentivar que o gás renovável alcance uma participação na matriz que não conseguiria por meio somente do mercado voluntário.

O RECORTE DA POLÍTICA

Produtores e consumidores de gás também tentam limitar o perímetro de alcance da política do biometano.

A emenda do senador Laércio isenta pequenos produtores e importadores da obrigação. E propõe que a meta de descarbonização seja calculada com base nos volumes de gás produzidos e importados, excetuando-se da conta a molécula consumida pelas termelétricas e a autoprodução e autoimportação.

A ideia é dar mais previsibilidade às metas do programa.

A diretora de gás natural do IBP, Sylvie D’Apote, aliás, reforça que a política do biometano é mais um episódio a trazer incertezas sobre a indústria de óleo e gás – e que se somam, por exemplo, à criação do Imposto Seletivo e ao riscos de taxação das exportações de óleo cru.

“O programa gera custos que serão absorvidos pelo mercado e que geram ineficiências”, disse.

A dificuldade de compatibilizar o mandato com o comportamento volátil do mercado termelétrico foi uma preocupação levantada originalmente pela Petrobras – que já foi protagonista nas discussões do PL no Congresso, num primeiro momento, antes da mudança no comando.

Durante a tramitação do PL, foi também a Petrobras que levantou a tese de que haveria uma ilegalidade no projeto, ao impor com o novo mandato a compra de gás proporcional aos contratos de comercialização de gás vigentes.

Os produtores defendem que a política precisa resguardar os contratos já assinados pelos comercializadores – precificados numa outra realidade de mercado, sem o mandato.

A ABiogás ressalva que o PL não traz qualquer previsão de alterar contratos assinados – e que a Constituição garante atos jurídicos perfeitos.

GÁS NA SEMANA

Sergipe rediscute concessão. A Agrese, agência reguladora estadual, marcou para julho uma audiência para discutir a revisão dos termos do contrato de concessão da Sergas. Movimento acontece em meio à entrada da Energisa no capital da concessionária.

Não ao fracking. A Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou o PL 1674/2023, que proíbe o fraturamento hidráulico no estado. O projeto ainda aguarda sanção do governador Mauro Mendes (União)

– O fracking também entrou na agenda da Assembleia Legislativa da Bahia, este mês, com um PL do deputado Robinson Almeida (PT).

Eneva. Empresa fechou acordo com a Linhares Geração, para fornecimento de gás natural para a UTE Luiz Oscar Rodrigues de Melo (242 MW), no ES. É o primeiro acordo de venda de gás flexível de longo prazo assinado pela Eneva com um cliente termelétrico a partir do Hub de Sergipe. Na epbr

Âmbar compra térmicas da Eletrobras. Empresa do grupo J&F fechou acordo para compra de 1,8 GW de capacidade instalada que lhe coloca na posição de dona do 3ª maior parque de geração a gás do país.

Na mesma semana, a MP 1232/2024 viabilizou a transferência de controle da Amazonas Energia. Os riscos de inadimplência da distribuidora, que compra energia das térmicas da Eletrobras, serão assumidos pela Âmbar.

Baterias de fora do leilão de reserva. O presidente da EPE, Thiago Prado, indicou que a próxima focará nas fontes despacháveis e que foram contempladas nas diretrizes em consulta pública.

Diretoria da ANP apoia mobilização. O diretor-geral da agência, Rodolfo Saboia, suspendeu a reunião de diretoria desta quinta (13/6), em apoio aos pleitos apresentados pelos servidores ao Ministério da Gestão e Inovação (MGI).

— Repetiu ato simbólico das diretorias da Aneel e da ANS que, em apoio aos reajustes para as carreiras de regulação, retiraram todos os processos da pauta durante reuniões realizadas nesta semana.

Transição sem gás. A Coalizão Energia Limpa lançou na Câmara dos Deputados um estudo em que cobra uma mudança de visão sobre o gás natural na transição energética. Defendem que a expansão de investimentos para produzir e consumir o energético de origem fóssil como um obstáculo para alcançar uma matriz 100% renovável.

O documento foi lançado em parceria com a Frente Parlamentar Mista Ambientalista, coordenada pelo deputado federal Nilto Tatto (PT/SP). Veja na íntegra (.pdf)

Vaca Muerta. Governo argentino anunciou para este ano uma licitação internacional do 2º trecho do gasoduto Néstor Kirchner (GNK II) – que permitirá duplicar a capacidade de transporte de Vaca Muerta ao Litoral e que pode favorecer exportações ao Brasil no futuro.

Opinião: O gás natural de Vaca Muerta e segurança energética da América do Sul. A queda da produção na Bolívia acende o alerta sobre a necessidade de retomada de projetos de integração energética, escreve André Leão