Até a década de 90, o setor elétrico brasileiro era constituído de empresas verticalmente integradas, com monopólios naturais regulados pelo custo do serviço.
O processo de reforma setorial teve início nesse período, a partir da implementação do plano de desverticalização das atividades do setor, da privatização de algumas concessionárias de energia elétrica e da competição nos segmentos de geração e comercialização.
Foi no período compreendido entre os anos de 1995 e 2002 que houve a publicação do arcabouço legal necessário ao suporte dos novos negócios de transmissão, acabando com a reserva geográfica de mercado e promovendo a competitividade mediante a licitação da expansão do Sistema Interligado Nacional (SIN).
No que se refere à prorrogação, os contratos de transmissão vigentes à época foram disciplinados pela lei 9.074, de 1995, que possibilitou a prorrogação de concessões existentes de transmissão por 20 anos, isso é, até 2015.
Nova prorrogação dessas concessões foi regulamentada pela lei 12.783, de 2013, que resultou na recontratação dessas outorgas até 2042.
Nesse contexto, em razão da idade do sistema de transmissão brasileiro, várias instalações que integram os contratos originais ou contratos prorrogados (na dicção setorial), estão em fim de vida útil física e regulatória.
Reinvestimentos em transmissão podem superar R$ 100 bi
Levantamento realizado pela Aneel em 2021, com dados de 2018, indica uma depreciação acumulada de 74,79% das máquinas e equipamentos desses contratos e um potencial de reinvestimentos da ordem de R$ 27 bilhões, podendo chegar a R$ 103 bilhões nos próximos anos, para a substituição dessas instalações.
Atualmente, pós-reforma, a regulação econômica das concessões de transmissão é baseada no regime de receita-teto (revenue cap) e realizada a partir da definição de um preço pela prestação do serviço nos termos no artigo 15 da lei 9.427, de 1996.
Para os contratos decorrentes de processos licitatórios — contratos licitados — o preço do serviço é o resultante da competição pelo mercado, viabilizada na licitação.
Em relação aos contratos não licitados, incluindo os prorrogados, o preço do serviço é aquele constante nos respectivos contratos, sujeitos a revisões tarifárias realizadas a cada cinco anos, que considera a base de ativos da concessão, custos operacionais eficientes e preços médios.
Em razão da vantagem proveniente da competição pelo mercado, a licitação é a regra geral para a delegação de novo serviço público de transmissão de energia elétrica, conforme artigo 17 da lei 9.074, de 1995.
No caso de necessidade de intervenções pontuais para reforço (aumento de capacidade) ou melhoria (manutenção do serviço) em outorgas existentes, quando não há viabilidade técnica e econômica de concepção de uma nova concessão, está prevista a autorização dessas intervenções para a transmissora responsável pelo serviço.
É o que dispõe o artigo 6º do decreto 2.655, de 1998, os contratos de concessão e as Regras de Transmissão aprovadas pela Aneel.
Para estes reforços ou melhorias, a receita é estabelecida em mercado monopolista, por meio de um procedimento autorizativo disciplinado pelos Procedimentos de Regulação Tarifária — Proret, no qual são utilizados parâmetros regulatórios similares aos utilizados no cálculo da receita teto de uma licitação: Capex (Capital Expenditure), WACC (Weighted Average Cost of Capital), taxa de depreciação regulatória e custos operacionais.
Essa receita autorizada é então objeto das revisões tarifárias periódicas, na busca de simular a competição, quando esta é inviável, como instrumento de ganhos de eficiência. Contudo, as ferramentas utilizadas na revisão (preços médios, benchmarking) não são suficientes para garantir o mesmo resultado da licitação.
Isso porque a competição prestigia naturalmente o projeto de engenharia mais otimizado, a eficiência na implantação do empreendimento e na prestação de serviço e a melhor estrutura de capital, fazendo com que o deságio, que foi da ordem de 50% nos últimos certames, seja o melhor instrumento de modicidade tarifária.
E não é só! Os contratos licitados recentes apresentam cláusulas de incentivo econômico à antecipação do objeto na busca de atender o interesse mútuo das partes: concessionária e usuário do sistema.
Em caso de antecipação, tanto o usuário é beneficiado pela integração do novo serviço que agrega confiabilidade e/ou aumento de capacidade ao sistema, quanto o empreendedor aumenta o seu retorno a partir do adiantamento do recebimento da receita contratada.
Esse incentivo não está presente quando os reforços e melhorias são autorizados, ocasião em que são adotados prazos médios de implantação.
Nesse contexto regulatório, sempre que a substituição de instalações de transmissão em fim de vida útil for indicada em blocos pelo planejamento setorial, com viabilidade técnica e econômica de constituição de uma nova outorga, essas novas instalações estarão sujeitas à licitação.
Essa conduta atende aos princípios legais impostos e está alinhada com a promoção de tarifas módicas.
Efeitos da substituição de ativos de transmissão
Naturalmente, em razão da licitação, as instalações a serem substituídas, em fim de vida útil e obsoletas para o sistema, serão reduzidas dos contratos originais.
Esta redução, prevista e disciplinada pelo artigo 9º, §4º da lei 8.987, de 1995, combinado com o artigo 65 da Lei 8.666, de 1993, deve preservar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.
De forma geral, nos contratos prorrogados, o reequilíbrio da concessão é realizado a partir da devolução dos investimentos ainda não amortizados e revisão dos custos operacionais. Este procedimento é também aplicado automaticamente em caso de substituição por reforço. Isso significa que o reequilíbrio não representa um custo do processo licitatório, já que é operacionalizado também nos processos autorizativos de reforços.
Na perspectiva do que aqui foi apresentado, a licitação de instalações de transmissão em substituição aos ativos em fim de vida útil representa, por um lado, um novo nicho de mercado a ser explorado pelos players do setor, e, por outro lado, um sinal regulatório importante para as concessões de transmissão vigentes, no sentido de incentivar uma melhor gestão desses ativos.
Assim, a concessionária que optar por substituições eficientes e pela exploração da vida útil residual de suas instalações tende a ser autorizada para a realização de intervenções pontuais de modernização.
Cabe citar como exemplo a licitação da revitalização completa da subestação Porto Alegre 4, realizada no Leilão de Transmissão 001/2020 e arrematada com deságio de 57,3%.
Naquela ocasião, a própria transmissora responsável, na época, pelas instalações em substituição ofereceu deságio de 51,25 %.
Esse resultado reforça o relevante efeito da competição na modicidade das tarifas, visto que, conforme dito, eventual receita de um processo autorizativo seria igual a receita teto oferecida no leilão.
Por fim, além dos benefícios já citados, ressalta-se que a experiência obtida na transição entre concessões desses blocos de instalações em fim de vida útil pode contribuir com as discussões acerca das concessões de transmissão vincendas a partir de 2025, que ocorrerão na consulta pública 136/2022 do MME, resguardadas as particularidades de cada outorga.
Taciana Chaves é engenheira eletricista com especialização em Engenharia de Manutenção. Especialista em Regulação na Aneel, trabalha na instrução técnica de licitações de transmissão de energia elétrica, incluindo projetos de substituições de instalações.
Thais Coelho é engenheira eletricista com especialização em Análise de Impacto Regulatório e mestranda em economia. Na Aneel, trabalhou com instrução técnica de licitações de transmissão e autorização de reforços e melhorias. Atualmente atua como coordenadora das atividades de contratação de prestação do serviço de transmissão.
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