Por Giovani Loss e Felipe Feres
A Doença Holandesa acomete aqueles países que passam por um aumento substancial de receita, geralmente relacionado à descoberta e à comercialização de commodities, mas que, paradoxalmente, causam efeitos econômicos nefastos, por não gerirem esses recursos corretamente. Dentre os sintomas estão perda de competitividade de outros setores, desonerações fiscais discutíveis, aumento de gastos públicos e intervenção e corrupção governamental. Em muitos casos, é uma doença silenciosa, que só aparece quando a bonança acaba, causando recessão, desemprego, queda de receita e insolvência do poder público.
Parece familiar? O estado do Rio e muitos municípios viveram sua época de ouro entre 2008 e 2013. Arrecadaram royalties e participações especiais do petróleo na ordem de R$ 30 bilhões e, não por acaso, experimentaram crescimento quase que exclusivo do setor petrolífero e aumento dos gastos públicos. Ao mesmo tempo, o estado concedeu variadas desonerações, deixando de arrecadar cerca de R$ 138 bilhões em ICMS, segundo o TCE. Tudo isso lastreado no “boom” do preço do barril. Na esfera federal, achando que havia encontrado um tíquete premiado com o pré-sal, o governo aprovou leis visando à volta do monopólio da Petrobras e editou normas alterando unilateralmente contratos vigentes.
No entanto, a bolha estourou de 2014 para 2015, quando o preço do barril caiu de US$ 110 para abaixo de US$ 50, dando origem à pior crise mundial do setor em décadas.
Infelizmente, o dinheiro dos royalties não foi usado para compensar as inevitáveis crises cíclicas do setor ou o exaurimento das reservas. Tampouco investiu-se em educação e tecnologia, no fortalecimento de outros setores, ou em poupança pública. O Rio permitiu que a Doença Holandesa florescesse ao utilizar esses recursos finitos para custeio da máquina pública. A maior parte de seus royalties serve para o pagamento de dívidas com a União e das aposentadorias e pensões do serviço público estadual.
Passado o pior momento da crise do setor, as atividades petrolíferas começam a voltar ao redor do mundo, mas as grandes empresas estão mais seletivas em seus investimentos. Nesse cenário, em 2017, tivemos três grandes rodadas de licitação de blocos exploratórios: uma de concessões e duas para áreas do pré-sal, com relativo sucesso. E mais duas grandes rodadas estão programadas para 2018. Devido ao recente histórico de mudanças unilaterais nos contratos de exploração e produção e o afã arrecadatório pelo estado, é preciso que o poder público respeite a regra do jogo e as condições contratuais oferecidas, garantindo segurança jurídica para os investimentos que parecem estar voltando à nossa combalida indústria de óleo e gás. É preciso também que haja uma despolitização da indústria, permitindo que os agentes tomem decisões racionais e eficientes, com maior liberdade de atuação, e segundo as melhores práticas internacionais.
Nessa esteira, é fundamental que o Rio aproveite a nova oportunidade utilizando corretamente os recursos do petróleo. Precisamos combater a Doença Holandesa fluminense em benefício das futuras gerações.
Giovani Loss e Felipe Feres são advogados especialistas na área de Óleo e Gás, sócios do escritório de advocacia Mattos Filho