Buscar uma solução que nos conduza à descarbonização do setor industrial é muito mais do que uma meta, é uma questão de sobrevivência. Para conter o aquecimento global e, assim, viabilizar um futuro para nosso planeta, é imprescindível reduzir o nível de emissões de CO2 de forma drástica e rápida. E não há outro caminho para isso senão promover uma transformação por meio da substituição dos combustíveis fósseis por recursos renováveis. É aí que entra o hidrogênio como peça-chave para essa grande transformação, viabilizando, no decorrer das próximas décadas, uma economia zero carbono.
Além do impacto que a pandemia da covid-19 causou em todo o mundo, o ano de 2020 também registrou um marco ambiental que em nada nos orgulha: terminou como um dos três mais quentes do registro histórico. Além disso, a década de 2011 a 2020 foi a mais quente desde que a temperatura começou a ser medida, no fim do século 19, pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Diante de um cenário tão adverso como esse, torna-se cada mais vez desafiador conter o aquecimento do planeta em 1,5°C até o fim do século, objetivo mais ousado do Acordo de Paris. Ainda que a janela de tempo esteja se fechando rapidamente, ainda é possível sim reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) pela metade até 2030. Contudo, para isso, a adoção de estratégias de desenvolvimento econômico focadas nos investimentos em tecnologias verdes e na criação de novas cadeias de produção é fundamental.
Nesse sentido, pesquisadores, governos e empresas têm cada vez mais defendido que o hidrogênio verde é praticamente a única alternativa de conversão e armazenamento de energia, de fato, totalmente sustentável para descarbonizar nossa economia.
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O hidrogênio é um dos elementos mais abundantes no planeta e, já há algum tempo, é considerado uma matéria-prima muito importante na indústria – é usado em larga escala, por exemplo, no processo de refino de petróleo. Porém, mais de 90% do hidrogênio produzido atualmente no mundo é obtido a partir da reforma do gás natural, ou seja, é de origem fóssil.
Há décadas existem rotas tecnológicas estabelecidas para a produção desse insumo de forma sustentável e em larga escala, como é o caso da eletrólise da água. Esse processo é simples e amplamente conhecido – e justamente aí reside a beleza e genialidade do mesmo – e consiste em usar eletricidade de fontes limpas e renováveis, como a energia eólica, solar ou hídrica, para separar o oxigênio e o hidrogênio da água, obtendo assim o hidrogênio verde.
De acordo com cálculos do Hydrogen Council, espera-se que o tamanho do mercado de hidrogênio verde seja responsável por cerca de 20% de toda a demanda de energia no mundo até 2050. Como resultado, o tamanho do mercado de hidrogênio verde é estimado em US$ 2,5 trilhões em 2050, o que corresponde à metade do tamanho do mercado atual de petróleo.
O Brasil é um dos países com maior potencial de geração de energia elétrica renovável do mundo e com um dos menores custos marginais de produção. Atualmente, mais de 80% da energia gerada no País vem de fontes renováveis, com destaque para a energia hídrica, eólica, solar e a biomassa. Destaque-se aqui que a intermitência das fontes solar e eólica pode ser compensada pela fonte hídrica, de forma que a combinação oferecida pelo Brasil é praticamente imbatível no cenário mundial. Isso faz com que o Brasil seja um candidato natural a se tornar um dos maiores produtores e exportadores mundiais de hidrogênio verde.
Além disso, o Brasil possui uma base industrial instalada que gera um mercado interno relevante, o que não ocorre nos demais países que se lançam como potenciais produtores, mas que não possuem mercado interno, nem a base tecnológica e a cadeia de fornecimento para sustentar essa nova indústria. Considerando só a demanda do mercado interno, o hidrogênio verde pode ser empregado pelo setor de óleo e gás, para a transformação do petróleo mais “pesado” em produtos de maior valor agregado, como a gasolina e o diesel. Complementarmente, podemos citar o próprio diesel verde, a partir da hidrogenação de óleos vegetais e que vem sendo acrescido ao diesel convencional de forma crescente no Brasil. Outro setor muito importante seria a produção de fertilizantes nitrogenados, como a amônia e a ureia, o que contribuiria para reduzir os custos de produção do setor agrícola, tendo em vista que 80% dos fertilizantes usados no País são importados, além de reduzir tamanha dependência estratégica de um setor responsável por um quarto do PIB nacional. Vale ressaltar que a indústria de fertilizantes no Brasil está estagnada há anos, em função do alto custo do gás natural no País.
Contudo, na maioria dos casos, o hidrogênio verde ainda é menos competitivo do que o hidrogênio cinza, ou seja, aquele produzido a partir de fonte fóssil. Para tornar o hidrogênio verde mais competitivo que o hidrogênio cinza, estima-se que ainda será necessário instalar cerca de 50GW de eletrólise da água ao longo dos próximos anos para que a economia de escala permita a redução dos custos de produção, segundo estudo publicado pelo Hydrogen Council em parceria com a consultoria McKinsey.
Para que isso ocorra, é necessária uma política governamental que crie um mecanismo para garantir a compra desse hidrogênio verde, similar ao atual modelo de leilões de energia no Brasil, viabilizando assim os investimentos privados na cadeia produtiva.
A Alemanha já deu os primeiros passos nesse sentido, estabelecendo no ano passado sua Estratégia Nacional do Hidrogênio, pela qual pretende investir um total de €9 bilhões em projetos não só no território alemão, como também em iniciativas em outras localidades, garantindo, assim, o suprimento de hidrogênio verde para o mercado local. O governo alemão considera o hidrogênio verde a principal opção sustentável para que o País se torne climaticamente neutro até 2050.
Outra referência importante é a Aliança Brasil-Alemanha para o Hidrogênio Verde, plataforma criada por entidades empresariais para intermediar a compra e a venda de hidrogênio verde para a Alemanha, reforçando, assim, a importância e relevância do Brasil como um fornecedor internacional desse insumo.
O Brasil tem potencial de gerar hidrogênio verde de forma altamente competitiva e eficaz, tanto para consumo doméstico quanto para exportação. Segundo o governo, o país está avançando no estudo do potencial da regulamentação e dos mercados de hidrogênio, com uma perspectiva realista e que contribua para o desenvolvimento tecnológico e industrial brasileiro. Resta saber se haverá de fato a necessária mobilização para aproveitar essa janela de oportunidade, dada a dinâmica internacional. O potencial de ganho vai além do investimento produtivo, emprego e renda, pode inclusive reposicionar a imagem do País no cenário internacional na questão ambiental. Já existem grandes empresas com experiência de décadas nessa tecnologia consolidada, comprometidas com a causa da sustentabilidade ambiental e com o desenvolvimento desse mercado, que pode reposicionar o Brasil como um dos celeiros energéticos no cenário internacional na próxima década.
Paulo Alvarenga é CEO da thyssenkrupp na América do Sul, e vice-presidente da Câmara Brasil-Alemanha de São Paulo.
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