O hidrogênio verde é a chave para unir progresso econômico e sustentabilidade, por Paulo Alvarenga

Paulo Alvarenga

O Brasil é o quarto país que mais consome fertilizantes globalmente, porém, a produção nacional é insuficiente para atender à demanda. Nosso mercado importa cerca de 80% do total consumido, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

Se consideramos que cerca de 25% do PIB brasileiro está ligado ao setor agropecuário, e, dessa forma, diretamente dependente desse insumo, pode-se notar nossa fragilidade e a consequente relevância estratégica do tema para o Brasil.

Tomando por base nossa experiência recente com a pandemia da covid-19, essa dependência num setor tão relevante economicamente não é aceitável para o Brasil. Assim, é necessário reduzir a participação dos insumos importados e aumentar a capacidade nacional da produção para diminuir nossa dependência estratégica.

Para tanto, um dos desafios chave do nosso século é aliar a produção industrial, especialmente de fertilizantes, à sustentabilidade ambiental. O Brasil, como signatário do Acordo de Paris, comprometeu-se a diminuir as emissões de carbono em 37%, até 2025 e em 43%, até 2030.

A produção local é atualmente baseada na tradicional síntese de fertilizantes a partir de compostos fósseis, como o petróleo e o gás natural. Nesse sentido, a expansão da produção local acaba esbarrando na questão ambiental.

O nosso país pode se inspirar no exemplo da Alemanha, que adotou o hidrogênio como componente central em sua meta de descarbonização, tendo lançado recentemente uma estratégia nacional para o desenvolvimento da economia com base nesse elemento.

O país europeu já vem utilizando, de maneira bem-sucedida e competitiva, processos inovadores que convertem os gases da indústria siderúrgica – ricos em gás carbônico – em matérias-primas importantes para a produção de fertilizantes e outros produtos químicos. Com isso, ao mesmo tempo captura o carbono e gera riqueza, progresso econômico e sustentabilidade, caminhando juntos.

Tal plano estratégico se baseia na consolidação da rota tecnológica para a ampliação da produção de hidrogênio por meio da eletrólise da água. O princípio é simples e brilhante: em vez de usar derivados de compostos fósseis, como o petróleo e o gás natural, utiliza-se a água como matéria prima e, por meio de energia elétrica, reparte-se a molécula da água (H2O) em moléculas de hidrogênio (H2) e oxigênio (O2).

Para que esse processo seja totalmente sustentável, a energia deve ser gerada a partir de fontes limpas abundantes em nosso país, como a eólica, solar e hidrelétrica.

Assim, o hidrogênio verde, produzido com zero emissão de gás carbônico (CO2), surge como elemento fundamental para impulsionar a mudança da matriz de produção dos fertilizantes agrícolas nitrogenados.

O hidrogênio é necessário para, combinado com o nitrogênio (N2) disponível na atmosfera, sintetizar a amônia. A amônia é o composto base para fertilizantes como ureia e nitrato de amônio, por exemplo, amplamente usados na nossa produção agrícola.

No caso da Alemanha, a reciclagem dos gases residuais da indústria siderúrgica permite tanto a geração de energia elétrica, como a captura do CO2, transformando assim uma antiga fonte de geração de resíduos em fonte de energia e produtos químicos valiosos sem a emissão de carbono.

Recentemente, iniciou-se uma transformação ainda mais ampla e arrojada, utilizando o hidrogênio verde como insumo substituto ao coque de carvão para redução do ferro nos altos-fornos da indústria siderúrgica.

Assim, em vez de usar o carbono do coque para capturar o oxigênio existente no minério de ferro, utiliza-se o hidrogênio verde. Como resultado, não há emissão de gás carbônico, apenas a geração de água. É um caminho sustentável para o futuro da siderurgia em direção ao chamado aço verde.

Já no Brasil, além de poder adotar o mesmo caminho na siderurgia, também é possível vislumbrar modelos próprios de economia circular com balanço negativo de carbono em outras indústrias características da nossa economia. Um exemplo é a indústria do etanol, em que usinas produzem energia elétrica por cogeração na queima do bagaço de cana-de-açúcar.

Essa eletricidade pode ser utilizada para produzir o hidrogênio verde que, combinado com o gás carbônico resultante do processo de fermentação do etanol, viabiliza a produção de ureia, fertilizante de alto valor agregado que pode retornar ao canavial.

Vale ressaltar que, atualmente, toda a produção nacional de fertilizantes consumida pelo agronegócio se baseia no processamento do gás natural, um composto fóssil rico em hidrogênio e carbono.

Ao se retirar o hidrogênio para a produção dos fertilizantes nitrogenados, como a amônia e a ureia, gera-se grande quantidade de carbono que retorna ao meio ambiente. A substituição do gás natural pela água como insumo teria um impacto gigantesco na redução de emissões de carbono do país e poderia fomentar a indústria nacional, gerando mais empregos e riqueza de forma sustentável.

Essa abordagem não se restringe aos grandes complexos industriais, pois outra grande vantagem é que as plantas de eletrólise são viáveis a empresas de diversos portes, pois permitem a implantação de fábricas modulares e próximas do mercado consumidor, o que não é possível quando se usa derivados de compostos fósseis que, via de regra, são dependentes de infraestrutura específica, como de gasodutos.

Há um grande potencial de aplicação do hidrogênio verde no país para a produção de fertilizantes à base de amônia, com pegada zero de carbono. O hidrogênio pode ser produzido em larga escala por meio da eletrólise da água com um investimento equivalente ao do processo tradicional, hoje realizado a partir do gás natural.

O agronegócio brasileiro, um dos setores mais pujantes da nossa economia, e a indústria química e de fertilizantes têm em suas mãos a chave para o futuro, aliando progresso econômico e sustentabilidade, a partir dessa inovação na engenharia de produção de compostos verdes da mais alta qualidade e competitividade.

Paulo Alvarenga é CEO do Grupo thyssenkrupp na América do Sul