Energia

O Cade tem um papel a cumprir no mercado de gás

Com comando renovado, órgão precisa exercer sua competência em plenitude, escreve Laércio Oliveira 

O Cade tem um papel a cumprir pela livre concorrência no mercado de gás natural. Na imagem: Pronunciamento do senador Laércio Oliveira durante audiência da CAE com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, em 29/11/2023, para discutir desafios, metas e diretrizes da pasta (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Pronunciamento do senador Laércio Oliveira durante audiência da CAE, no Senado (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) integra o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, cujas competências e atribuições estão definidas na lei 12.529/2011 e, conforme o artigo 170 da Constituição Federal, tem a missão de zelar pela livre concorrência no mercado.

Deve atuar, assim, na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão do abuso do poder econômico.

Entendo que a função do Cade é de fundamental importância para possibilitar o bom funcionamento dos mercados, coibindo atuações empresariais anticompetitivas.

Na próxima semana, o Senado Federal irá fazer a sabatina de quatro indicados para ocupar os cargos de conselheiros, razão pela qual apresento algumas reflexões acerca da importância dessa autarquia nas situações que trago a lume.

Vem sendo feito um enorme esforço para promover a criação de um mercado aberto, dinâmico e competitivo no setor de gás natural no Brasil, com base na lei 14.134/21, a nova Lei do Gás, da qual fui o relator na Câmara dos Deputados.

A Petrobras parece um camaleão

Entretanto, a enorme concentração de mercado e atuação anticompetitiva do agente dominante, a nossa Petrobras, representa uma barreira quase intransponível.

A Petrobras parece um camaleão, que em alguns momentos se apresenta como uma empresa de mercado, com ações em bolsas de valores e comprometida com o lucro para os seus acionistas, incapaz de fazer qualquer concessão para contribuir com o desenvolvimento do Brasil.

E, em outras tantas ocasiões, comporta-se como uma empresa do governo, buscando ter tratamento privilegiado, muitas vezes se valendo dessa posição para angariar benefícios, quase sempre em detrimento dos demais players de mercado.

Exatamente por esse comportamento, a Petrobras foi denunciada ao Cade, tendo o tribunal do órgão de defesa da concorrência, em dezembro de 2018, determinado a abertura do inquérito administrativo contra a Petrobras para apurar suposto abuso de posição dominante no mercado nacional.

Visando encerrar o inquérito, a Petrobras conduziu negociações com o Cade para arquivamento de uma série de investigações sobre supostas condutas anticompetitivas da empresa no mercado de gás natural e de refino, vindo a firmar, em 11 de junho de 2019, o Termo de Compromisso de Cessação (TCC) contemplando diversas medidas que tiveram por objetivo cercear a continuidade de tais condutas.

Posição de agente dominante

O TCC passou a constituir em obrigação da Petrobras com o Cade e com todo o mercado em que está inserida. Extraí da página do Cade, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, as declarações que abaixo transcrevo, feitas por ocasião da assinatura do TCC:

Segundo Alexandre Barreto, o TCC envolve um desinvestimento inédito no Brasil e endereça as principais questões apontadas como problemáticas em várias investigações conduzidas pela autarquia, principalmente com relação à baixa disputa e baixa atratividade desse mercado, que opera como um quase-monopólio da Petrobras.

“O acordo foi construído em consonância com as melhores práticas internacionais no que diz respeito à consecução de um ambiente concorrencial saudável, mediante uso adequado e suficiente de remédios estruturais pró-competitivos que resolvam não só o problema atual, mas que também mitiguem, de modo duradouro, o risco futuro de eventuais condutas anticompetitivas no mercado nacional de refino de petróleo”, afirmou.

O superintendente-geral do Cade, Alexandre Cordeiro, destacou o papel do Cade na repressão e prevenção de condutas, como o abuso de posição dominante. 

“Neste processo, o Cade atacou exatamente esses dois núcleos, de repressão quando abriu o inquérito, e de prevenção quando resolveu o inquérito, olhou para o futuro do mercado e sugeriu como deveria ser feito os desinvestimentos. É um momento histórico para a economia brasileira como um todo”. 

Entretanto, a nova diretoria da Petrobras, desde que empossada, ignorou o TCC, deixando de implementar as ações estabelecidas consensualmente.

E mais: anunciou movimentos na direção exatamente oposta aos compromissos assumidos, cancelando negociações em andamento e buscando a retomada de ativos desinvestidos em cumprimento do TCC, em absoluto descaso com o Cade e com o mercado de gás natural e derivados de petróleo.

Será que uma empresa normal de mercado, com ações em Bolsa de Valores, teria tamanha ousadia de agir dessa forma ou aqui é aquela Petrobras que assume o segundo papel, de empresa de governo, que tudo pode fazer, sem dar satisfações a ninguém?

Evidente o propósito da nova diretoria de promover maior concentração de poder e fortalecer ainda mais a sua posição de agente dominante nos mercados que atua.

Outra pergunta que precisa ser feita é quanto ao dever do Cade de acompanhar as medidas de cumprimento do TCC, já que o desrespeito esteve sempre evidente durante este ano, sem que se tenha notícias de alguma medida efetiva para obrigar o cumprimento daquilo que foi pactuado.

Importante registrar que o inquérito está suspenso em razão da celebração do acordo e somente será arquivado quando o Cade atestar o cumprimento de todas as obrigações previstas.

No final do mês de novembro de 2023, enfim, foi noticiado que a Petrobras solicitou ao Cade a renegociação do termo de compromisso de cessação (TCC) assinado para as áreas de refino e gás natural, sob o frágil argumento que o novo plano de negócios 2024/2028 aprovado pela empresa mudou a perspectiva de investimentos e a atuação da empresa.

 A lei já prevê estímulo à competitividade

Além da questão de cobrança do cumprimento do TCC, o Cade pode e deve agir, apurando o abuso do poder econômico da Petrobras, na condição de agente dominante do mercado, por infrações anticompetitivas decorrentes do elevado poder de mercado detido pela estatal no setor de gás natural, esvaziando o esforço para promover redução do preço do gás no país e, com isso, possibilitar a implementação do programa Gás para Empregar.

A Lei 14.134/2021, no seu artigo 33, dá poderes para a ANP adotar mecanismos de estímulo à eficiência e à competitividade e de redução da concentração na oferta de gás natural com vistas a prevenir condições de mercado favoráveis à prática de infrações contra a ordem econômica, ouvindo o Cade.

O Ministério de Minas e Energia, por meio do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em conformidade com a resolução 03/2022, e em articulação com a ANP e o Cade precisam, em caráter de urgência, promover medidas de desconcentração do mercado de gás natural.

Trago aqui, a título de exemplo, o caso do projeto Sergipe Águas Profundas, no meu estado de Sergipe, que mesmo depois de 10 anos de atraso, a Petrobras resolveu agora, no seu Plano Estratégico de 2024 a 2028, mais uma vez, postergar a entrada do gasoduto de escoamento de 2028 para 2029. Já fora previsto para 2027.

Teve o propósito deliberado de evitar o expressivo aumento de oferta de gás nacional que poderia promover a redução do preço do gás no Brasil, tão desejado pelo Governo e por todo o setor industrial nacional.

O atraso no início de produção do projeto Seap, com o objetivo de manobrar preços no mercado interno, precisa ser enfrentado pelo governo e pela sociedade. O Cade certamente tem um papel relevante nesse processo.

O Senado está debruçado, neste momento, sobre a análise da indicação de quatro novos conselheiros e não podemos perder a oportunidade de, na sabatina que acontecerá na terça-feira, 12 de dezembro, trazer as questões aqui expostas para que os indicados possam se manifestar quanto aos seus entendimentos com relação à concentração de mercado existente no setor de gás natural, das medidas que podem e devem ser tomadas pelo conselho e da vinculação das empresas aos termos de compromissos firmados.

Os quatro indicados pela Presidência da República ao Cade assumirão um mandato de quatro anos na autarquia vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Entre as funções, está a de analisar e posteriormente decidir sobre atos de concentração econômica de grandes empresas que possam colocar em risco a livre concorrência, dentre outras atribuições.

Os indicados, sr. José Levi Mello do Amaral Júnior, srª. Camila Cabral Pires Alves, sr. Diogo Thomson de Andrade e sr. Carlos Jacques Vieira Gomes terão como relatores dos respectivos processos os senadores Eduardo Gomes, Tereza Cristina, Rodrigo Cunha e Nelsinho Trad.

Todos os quatro indicados possuem excelentes currículos. É preciso, entretanto, buscar conhecer como pensam em relação a assuntos tão importantes como este, em debate, e que posicionamentos poderemos esperar deles no exercício das suas funções quando do enfrentamento com interesses tão poderosos.

Laércio Oliveira é senador pelo PP de Sergipe e foi relator da nova Lei do Gás na Câmara dos Deputados.