Biocombustíveis

Novos combustíveis: de volta aos fundamentos e à boa fotossíntese

Brasil não deve e nem precisa adotar modelos de países com parcos recursos energéticos renováveis, escreve Luiz Augusto Horta

Novos combustíveis surfam onda do hidrogênio verde, e-fuels ou combustíveis sintéticos: de volta aos fundamentos e à boa fotossíntese. Na imagem: Vista aérea da usina de etanol Unidade Barra Grande (SP), do Grupo Zilor (Foto: Divulgação Copersucar)
Usina de etanol Unidade Barra Grande (SP), do Grupo Zilor (Foto: Divulgação Copersucar)

No minado campo das expectativas energéticas, surgem defensores e detratores precoces dos novos combustíveis, cuja consistência devemos avaliar, a bem da racionalidade. Vamos a eles.

Surfando na onda entusiasmada do hidrogênio renovável, temos os e-fuels ou combustíveis sintéticos.

Esses vetores energéticos, destinados a substituir os derivados de petróleo, deverão ser produzidos a partir de eletricidade, mediante a eletrólise da água gerando o hidrogênio gasoso, cuja baixíssima densidade volumétrica e características diferenciadas traz desafios tecnológicos relevantes para sua logística e uso final, sob custos elevados.

Assim, se sugere associar o hidrogênio ao CO2, formulando hidrocarbonetos e álcoois, combustíveis líquidos bem conhecidos, familiares.

Existem vários projetos nesse sentido, que apontam à viabilidade técnica, contudo, ainda sem perspectivas de viabilidade econômica e em aparente desprezo pela eficiência termodinâmica.

Um ponto crucial nesses projetos é a obtenção do CO2. Em diversos projetos tem sido proposta a captura direta da atmosfera (DAC, Direct Air Capture), onde o CO2 está bastante diluído, em uma concentração inferior a 0,05% ou sua captura em gases de chaminés industriais, presente em teores de até 20%.

Entretanto, esse mesmo CO2 está disponível puro e a baixo custo nas dornas de fermentação das destilarias de etanol, em volumes expressivos. 

De volta à boa fotossíntese

Na produção de mil litros de etanol são gerados 760 kg de CO2, e considerando as últimas safras, há uma disponibilidade anual ao redor de 28 milhões de toneladas de CO2 limpinho nas usinas brasileiras.

E nos EUA, que produz duas vezes mais etanol que o Brasil, tem-se o dobro disso. Sem falar no biogás, que contém pelo menos 40% de CO2 em volume.

Faz sentido buscar CO2 por processos artificiais, energeticamente vorazes? Ou a natureza pode fazer isso?

Outra novidade é a amônia, ou NH3, crescentemente considerada para a transição energética em sua forma menos poluidora, produzida com hidrogênio verde.

Na atualidade, empregando gás natural e derivados leves de petróleo e, portanto, incrementando as mudanças climáticas, cerca de 190 milhões de toneladas de amônia são produzidas anualmente.

Grande parte dessa amônia se destina aos fertilizantes nitrogenados, essenciais e que importamos 95% de nossa demanda.

A maior inovação aqui é, além do uso amônia verde na indústria de fertilizantes, sua aplicação como combustível, especialmente em aplicações marítimas.

Esse uso traz desafios relevantes: em condições-ambiente, a amônia é um gás, impondo uma logística complexa, agravada por sua corrosividade, potencial explosivo na presença de água e alta toxidez.

As emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) tendem a ser bastante altas, impondo tratar os produtos de combustão antes de serem lançados na atmosfera.

Tais características motivam avaliar o etanol como alternativa à amônia, ele é igualmente um portador de hidrogênio renovável, ambientalmente mais seguro, com logística muito mais simples e maior densidade energética (poder calorífico 11% mais elevado), e importante, de menor preço, quando considerada a produção de ambos com baixa emissão de carbono.

Biomassa como alternativa

O elemento comum nas análises dos combustíveis sintéticos e da amônia à base de hidrogênio renovável, é a possibilidade de utilizar com vantagens a biomassa como alternativa.

De fato, a inovadora e benvinda era do hidrogênio, com certeza, não significa necessariamente apenas seu uso como combustível puro e direto, tampouco requer empregar exclusivamente a água e eletricidade como insumos.

Especialmente no Brasil, que não deve nem precisa adotar modelos energéticos de países de clima temperado e com parcos recursos energéticos renováveis.

Nossas autoridades e legisladores estão atentos e iniciativas vêm surgindo, como o projeto na Universidade de São Paulo para abastecimento de ônibus a hidrogênio, gerado a partir de etanol em um reformador fabricado no Brasil pela N&E Hytron.

É necessário valorizar a fotossíntese, uma das obras-primas da Criação. Ela captura a radiação solar e a converte e armazena como energia química com eficiência e despachabilidade, removendo CO2 da atmosfera.

É um processo aperfeiçoado ao longo de milhões de anos, que tem na cana-de açúcar um de seus exemplos com melhor desempenho.

Se a molécula de água tem dois átomos de hidrogênio (H2O), o etanol (C2H6O) tem meia dúzia, é um “cacho de hidrogênio” como diz o professor Gonçalo Pereira.

Outra forma de usar o hidrogênio através da biomassa é com o biogás, que vem se expandindo significativamente no Brasil e tem motivado projetos para produção de amônia verde.

Em muitos países do trópico úmido, como o Brasil, na América Latina, África e Ásia, existem amplas áreas disponíveis para culturas energéticas, clima adequado e suficiente conhecimento para expandir a presença do hidrogênio renovável na matriz energética global, com sustentabilidade, sem lançar mão de novidades de alto risco tecnológico e baixa efetividade.

E acima de tudo, respeitando a termodinâmica, árbitra severa e incontornável da racionalidade dos sistemas energéticos.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Luiz Augusto Horta Nogueira é professor da Universidade Federal de Itajubá, doutor em Engenharia Mecânica (Unicamp). Ex-diretor da ANP, é pesquisador e consultor com passagem em entidades internacionais, entre elas FAO, Cepal e outras agências das Nações Unidas.