A vontade política expressa pelo governo na Resolução nº 16/2019, do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de colocar o gás natural em um novo patamar estratégico, coloca no horizonte, ao mesmo tempo, oportunidades e riscos para o desenvolvimento do setor.
No diagnóstico, o chamado Novo Mercado de Gás acerta em cheio. Mais limpa das energias fósseis, o gás natural de fato é estratégico para o país. Além de assegurar extrema eficiência à produção industrial, é um valoroso substituto dos combustíveis líquidos, possibilitando reduzir a emissão de CO2 e de outros poluentes no transporte de cargas, passageiros e coleta de lixo, como já ocorre nos Estados Unidos, Europa e vizinhos como Peru e Colômbia. É capaz, ainda, de substituir fontes mais poluentes e caras na geração de energia elétrica e climatização, bem como ser a energia de base para respaldar a intermitência de fornecimento das fontes eólica e fotovoltaica.
Também é extremamente benéfica a intenção, já declarada na resolução do CNPE, de ampliar a competitividade na oferta da molécula, com medidas que garantam a participação de novos players no setor de Exploração & Produção e pleno acesso à infraestrutura de escoamento, processamento e transporte de gás — elo que, embora, não sofra monopólio, ainda tem entraves de acesso aos dutos de transporte.
Não por acaso, estima-se que, se o país adotar as medidas corretas, o setor pode atrair US$ 32 bilhões em investimentos (sem considerar Exploração & Produção), gerar até 20 mil novos empregos e duplicar sua oferta de gás.
Essa jornada de transformação, entretanto, tem riscos.
É preocupante observar que alguns setores do governo parecem querer promover alterações em todos elos de uma só vez, buscando fazer a população acreditar que seria o suposto monopólio das distribuidoras a razão pelo custo do gás.
É preciso deixar claro que o fator que encarece o gás para o consumidor é a falta de concorrência na oferta da molécula e no transporte. Hoje, de cada real desembolsado por uma indústria pelo metro cúbico de gás em São Paulo, 58% são destinados ao custo com molécula e transporte de gás, outros 24% equivalem à carga tributária e apenas 18% correspondem à margem bruta de distribuição com o qual as concessionárias arcam com a operação e os investimentos em tecnologia e expansão da rede. A média nacional é próxima desses percentuais.
Não é correto, portanto, responsabilizar as distribuidoras pelo custo do gás, cujas variações recentes refletem as oscilações do preço internacional do petróleo e até mesmo do dólar.
É essencial compreender que a distribuição de gás canalizado é um monopólio natural, ou seja, um serviço público de rede em que a exclusividade garante os investimentos em expansão da rede, tecnologia e crescimento da base de clientes, o que é essencial para a redução das tarifas ao longo do tempo em favor de todos consumidores — de grande, médio e pequeno porte. Não faz sentido econômico ter duas redes de gás, uma ao lado da outra.
A exclusividade nos serviços de distribuição não impede que grandes consumidores adquiram a molécula de gás de terceiros, desde que exista a opção de um outro fornecedor e acesso a estrutura de escoamento, tratamento e transporte.
Mesmo por vezes competindo em condições desiguais com outras fontes (o GLP, por exemplo, por muito tempo foi subsidiado), as concessionárias têm feito seu papel, gerando empregos, renda e arrecadação de impostos para os Estados. Em 2018, a expansão da rede de distribuição foi de 5,1% e o número de clientes subiu 6% — muitos pontos percentuais acima do PIB (1,1%).
O custo do gás precisa ser reduzido, sim, mas esse quadro poderá ser alterado com medidas dentro da competência do Poder Executivo, como o acesso negociado à infraestrutura de escoamento e tratamento de gás.
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A Abegás entende que cabe aos Estados, espontaneamente, encontrar qual o melhor modelo de gestão das concessionárias, sem prejuízo aos consumidores. Adotar medidas que quebrem os contratos de concessão já existentes, de modo não consensual, vai afetar a segurança jurídica. Os contratos de concessão já firmados são instrumentos jurídicos perfeitos. Sem respeito a contratos e previsibilidade, o Brasil não irá atrair os investimentos de que precisa, em seu devido tempo, para explorar o gás associado no pré-sal.
Além disso, é importante que as regras estabelecidas nas regulações estaduais não priorizem apenas consumidores situados na costa em detrimento daqueles situados em locais mais distantes, de forma a permitir a interiorização do gás natural e, consequentemente, a universalização do serviço de distribuição gás.
O que esperamos é que os estados adotem uma regulação consistente do setor de distribuição, buscando os melhores benchmarks, com regras que garantam eficiência ao processo, segurança ao consumidor na prestação do serviço e equilíbrio econômico-financeiro para os investimentos.
Estamos certos que, com esses parâmetros, e a entrada de mais agentes na oferta no setor de gás, a figura do consumidor livre — já regulamentada em São Paulo e em outros Estados que juntos detêm 65% do PIB industrial — naturalmente será viabilizada.
O Brasil já passou anteriormente pela tentação das medidas simplistas, como a desastrosa MP 579 — medida intervencionista que, sob a boa intenção de estimular a competitividade da indústria brasileira, desestruturou completamente o setor elétrico e tem sua conta paga ainda hoje por milhões de brasileiros.
Esse erro não pode ser cometido novamente. Estamos confiantes de que o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque conseguirá conduzir o processo com a serenidade necessária para priorizar as medidas que ataquem as verdadeiras causas do problema e gerem reflexos positivos para a economia brasileira.
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