O gasto com energia aumentou para 60% dos brasileiros e 90% notaram o aumento na conta de luz. Quase nove entre dez consumidores temem novos aumentos no preço da energia em 2022.
Os números são de uma pesquisa Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), encomendada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS).
Dentre os principais responsáveis pelos aumentos, foram apontados o governo federal (47%) e os governos estaduais (43%, com destaque no Sudeste), seguidos pelas empresas de energia (32%, com destaque no Norte) e as usinas hidrelétricas (20%).
Foram ouvidas 2002 pessoas em seus domicílios, com 16 anos ou mais, em todas as regiões do Brasil, entre 11 e 17 de novembro. 47% dos entrevistados eram homens e 53%, mulheres. A margem de erro é de 2% para cima ou para baixo. Pesquisa na íntegra
A grande maioria dos entrevistados (70%) considera que houve descaso do governo federal no enfrentamento da crise hídrica e 36% não acreditam na sua capacidade de combater a crise hídrica.
Cerca de oito em cada dez (79%) consideram as propostas do presidente Jair Bolsonaro insuficientes para reduzir o consumo de energia no país, sendo que quase a metade (48%) avalia negativamente tais propostas.
Do grupo de 2002 pessoas, 71% afirmam não ter tomado conhecimento sobre as propostas do Planalto para a redução voluntária no consumo.
Segundo especialistas, a próxima gestão do governo federal a partir do ano que vem terá de lidar com aumento da tarifa de energia elétrica, após contratações feitas para garantir o suprimento durante a crise hídrica de 2021.
E terá que enfrentar questões de revisão do setor elétrico, caso queira buscar soluções estruturais para as contas mais caras.
Crises hídrica e energética e o medo de apagões
Dentre os que responderam à pesquisa, 79% afirmou já ter ouvido falar falar da crise hídrica e 68% da crise energética. 90% se preocupa com a possibilidade de racionamento ou de apagões no futuro próximo e 70% se dizem muito preocupados.
A preocupação é maior nas capitais e nas cidades de seu entorno (periferias).
Para o futuro não há otimismo, 76% acreditam que a conta de luz vai aumentar ano que vem, sendo que 51% acham que vai “aumentar muito”. Apenas 12% acham que permanecerá como está e 7% acreditam em contas mais baratas.
Três em cada quatro brasileiros (75%) acham que o custo da energia vai elevar os preços dos produtos básicos. No Nordeste, o índice chega a 81%.
No acumulado do ano de 2021, a inflação de 10,06% ficou bem acima do teto da meta do BC para 2021 (5,25%). Algo que não acontecia desde 2015. g1
O principal vilão que levou ao valor de dois dígitos foi o transporte, sobretudo pelas altas nos combustíveis, que apresentou a maior variação (21,03%) e o maior impacto (4,19%) no IPCA do ano.
A energia (21,21%, impacto de 0,98%) e o gás de botijão (36,99%, impacto de 0,41%) ficaram em 2º e 4º lugares, respectivamente.
Aumentos comprometem renda dos mais pobres
Os recentes aumentos na conta de luz, inclusive pela imposição de bandeiras tarifárias mais altas do Governo, são consequências imediatas das crises hídrica e energética, bem como da gestão governamental dos recursos.
Os principais custos para o consumidor a partir do próximo ano, além do encarecimento da geração pela maior contratação de térmicas, está no pagamento dos empréstimos às distribuidoras feito em 2019, com a Conta-COVID, e mais recentemente com a criação da Conta-Escassez Hídrica.
O pagamento das duas operações se estenderá pelos próximos anos e deve pressionar a conta de luz dos consumidores.
Os aumentos pesam sobretudo no bolso dos mais pobres, cujo percentual proporcional gasto com itens de necessidade básica, como gás, energia, água, comida e moradia, é maior.
Gastos com gás e energia elétrica já comprometem 50% ou mais da renda de 46% das famílias brasileiras. Entre os mais pobres (até 1 SM ou classes D/E), 10% compromete quase toda a renda familiar com tais gastos, 12% mais da metade e 24% a metade da renda.
De acordo com a pesquisa, para conseguir pagar a conta de luz, 22% dos entrevistados diminuíram a compra de alimentos básicos; o índice chega a 28% entre os nordestinos.
Para garantir o fornecimento de energia, a pesquisa mostra que quatro em cada dez brasileiros (40%) diminuíram ou deixaram de comprar roupas, sapatos e eletrodomésticos. E 14% não pagaram contas básicas como as de água e gás encanado.
41% respondeu que gasta menos da metade da renda familiar com energia (elétrica e gás). No grupo, estão os mais ricos, homens e brancos, com ensino superior e pertencentes às classes A/B ou que ganham de 2 a 5 SM. E 10% disse não gastar nada ou quase nada.
O gás de cozinha pesou mais
Dentre as fontes de energia (elétrica, gás encanado e botijão), o aumento no preço do botijão de gás foi o mais sentido, 52% se disseram afetados. Para 42% foi a energia elétrica que mais pesou no bolso.
Um em cada dez brasileiros (10%) passou a usar lenha para cozinhar, 6% passaram a usar carvão, e 4% o fogão elétrico.
A falta de água também preocupa quase toda a população, segundo os números apresentados. 78% dizem se preocupar muito, 14% um pouco e apenas 6% não se preocupam.
De acordo com os números, em 2021, mais da metade dos entrevistados (52%) afirmou ter sofrido interrupção no fornecimento de água nos últimos 12 meses. No Nordeste, o número chegou a 61%.
A preocupação é maior entre os mais escolarizados (84%), os que vivem no Nordeste (84%), nas periferias das grandes cidades (82%) e em municípios de porte médio (82%).
As mulheres (62%), os mais pobres (59%) e os pretos/pardos (59%) são os que mais temem ficar sem água. Os homens e os mais ricos destacam-se entre os que têm pouco ou nenhum medo de ficar sem água no próximo ano.
Pelos dados do Inep, para 88% dos brasileiros as mudanças climáticas estão impactando o regime de chuvas no Brasil e para 56% tais mudanças vão piorar o volume no futuro.
Mudança de hábitos e aposta em renováveis
O levantamento também apontou algumas mudanças de hábito dos brasileiros: metade (49%) reduziu o tempo de banho e as lâmpadas acesas. 44% dizem ter deixado de usar ou reduziram o uso de eletrodomésticos de alto consumo.
Os que quiseram economizar mais substituíram as lâmpadas por outras mais econômicas (42%) e diminuíram o consumo nos horários de pico (23%).
Só 5% declaram usar fontes alternativas renováveis, como a solar, e 18% não mudaram seus hábitos.
Quanto à consciência do brasileiro sobre a importância da eficiência energética, quando indagados se consideram o quesito na hora de comprar eletrodomésticos, 52% dizem que sempre se atentam, 16% quase sempre, 13% raramente, e 17% ignoram os selos e etiquetas de eficiência energética.
Pelos números, 81% da população deseja ver um aumento do fornecimento limpo. Para 69%, as renováveis impactam menos o meio ambiente e para 64% os investimentos no setor contribuem para geração de empregos.
As ações que precisam ser feitas no futuro, segundo o coordenador de Energia do iCS, Roberto Kishinami, passam por limitar o uso de fósseis para geração de energia, por serem mais onerosas para a conta de luz, e estimular a eficiência energética.
Os especialistas apontam que o Brasil não tem aplicado uma política concreta de eficiência energética. Desde 1985, o país conta com o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), mas os dados de redução do consumo estacionaram desde 2017. Entre 2018 e 2020, o programa conseguiu ganhos entre 23 e 22 bilhões de kWh.
A confiabilidade das renováveis também é alta, garante o Ipec: para 59% dos entrevistados elas são tão confiáveis quanto as convencionais. 25% ainda desconfiam.
Sendo assim, os investimentos em uma matriz energética limpa e ações rumo a uma economia verde e sustentável são temas fortes para as propostas de campanha e os debates entre presidenciáveis em 2022.
Embora a saúde, a educação, a geração de empregos e o combate à fome sejam apontados como as principais prioridades para o próximo governo, os brasileiros reconhecem a importância do tema energia limpa.
Das 2002 pessoas, 77% afirma que propostas para ampliar o uso de energias renováveis no Brasil deveriam ser uma prioridade dos(as) candidatos(as) e para 81%, as candidaturas deveriam focar em propostas que busquem evitar crises hídricas futuras.