Energia

Novas regras do Banco Central não eliminam incertezas sobre créditos de carbono

Aparente conflito com legislação existente gera insegurança jurídica no mercado de carbono, escrevem Murillo Estevam, Patrícia Mendanha, Mariana Faleiro e Kevin Bennesby

Novas regras do Banco Central não eliminam incertezas sobre créditos de carbono. Na imagem: Vista aérea do Banco Central do Brasil - BCB (Foto: Agência Brasil)
Norma uniformiza os critérios de contabilização dos ativos ligados à sustentabilidade, mas falta regulamentação do tratamento tributário para tais ativos (Foto: Agência Brasil)

O Banco Central (BCB) publicou, em 22 de novembro, a Instrução Normativa BCB 325/2022 (IN BCB 325), com o objetivo de regrar o registro contábil dos créditos de carbono e demais ativos de sustentabilidade nas instituições financeiras. A norma entra em vigor 1º de janeiro de 2023.

Em resumo, a IN BCB 325 estabelece que a rubrica contábil do crédito de carbono dependerá do destino pretendido pela instituição financeira, a saber:

  • Se para venda futura e geração de lucros: registro pelo valor justo (valor no momento do balanço), com ganhos e perdas incluídos no cálculo dos lucros ou dos prejuízos trimestrais.
  • Se para uso próprio: registro pelo menor valor entre o custo de compra e o valor justo, prevalecendo o menor montante.

Para tanto, a IN BCB 325 cria a rubrica “ativos de sustentabilidade”, que se destina ao registro dos investimentos relacionados a mecanismos de sustentabilidade socioambiental e climática, inclusive certificados de Crédito de Carbono e de Crédito de Descarbonização (CBIO), destacando tratar-se de “ativos não financeiros”.

Tal definição entra em aparente conflito com o Decreto 11.075/2022, no qual o crédito de carbono foi definido como um “ativo financeiro”, bem como com a Lei Federal 12.651/2012 (Código Florestal), que o conceitua como “título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável”.

Assim, embora a intenção do BCB tenha sido padronizar a forma de registro dos créditos de carbono e dos demais ativos de sustentabilidade, para, assim, dirimir as dúvidas quanto ao formato de lançamento contábil, a IN BCB 325 aumentou a divergência quanto à natureza jurídica do crédito de carbono, o que implica em dificuldades práticas nas modelagens das transações e celebração dos contratos de desenvolvimento de projetos e respectivas negociações.

Até mesmo porque, a incerteza quanto à referida natureza jurídica também repercute em relação ao tratamento tributário aplicável a tais ativos.

Nesse aspecto, é certo que, se por um lado a IN BCB 325 determinou que os “ativos de sustentabilidade”, adquiridos para uso próprio, fossem contabilizados pelo menor valor entre o custo de aquisição e o valor justo, por outro, determinou que aqueles adquiridos para venda futura e geração de lucros fossem registrados pelo valor justo.

Ou seja, apesar de serem classificados como ativos não financeiros, a depender do objetivo com que forem adquiridos, eles poderão ser mensurados com base em diferentes critérios.

A avaliação de ativos é essencial para fins de mensuração da carga tributária incidente sobre a aquisição ou alienação daquele bem. Salvas raras exceções, a legislação prevê o diferimento da tributação do ganho decorrente da avaliação a valor justo (art. 13 e segs., da Lei 12.973/2014).

Portanto, apesar de a norma ter atendido o objetivo de uniformizar os critérios de contabilização dos ativos ligados à sustentabilidade, não restam dúvidas com relação a necessidade de regulamentação do tratamento tributário dos ativos de sustentabilidade.

Mais uma vez, portanto, a ausência de uma relação clara, expressa e segura sobre o mercado de carbono no Brasil, a natureza de seus ativos e tratamento tributário das negociações, gera insegurança jurídica e ausência de confiabilidade no ambiente transacional brasileiro.

A expectativa para o crescimento do mercado no Brasil é grande, sendo uma promessa de atração de investimentos vultosos nos próximos anos.

Espera-se, dessa forma, que a ausência de uma coerência normativa e de um contexto regulatório seguro, não represente, mais uma vez, o “risco Brasil” que impede o desenvolvimento econômico do país.

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Murillo Estevam Allevato Neto e Patrícia Mendanha Dias são sócios-conselheiros; Mariana Augusta Faleiro Borges e Kevin Ribeiro Bennesby são sócios do escritório Bichara Advogados.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.