Biocombustíveis

Nova regra para debêntures exclui petróleo, agro e deixa incertezas no setor elétrico

Governo decidiu manter gás natural e destinar benefícios para geração de energia com foco em solar e eólica

Nova regra para debêntures incentivadas e de infraestrutura exclui petróleo, agronegócio e deixa incertezas no setor elétrico. Na imagem: Lula com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, durante assinatura de decretos para Mover e Debêntures de Infraestrutura, em 26/3/2024 (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebo/Agência Brasil)
Lula com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, durante assinatura de decretos para Mover e Debêntures de Infraestrutura (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebo/Agência Brasil)

RIO – O decreto que regulamenta as emissões de debêntures incentivadas e de infraestrutura excluiu a produção de petróleo, a geração a biomassa e a produção agrícola para biocombustíveis e biogás, na atualização do recorte de setores que serão priorizados pelo governo federal.

A mudança foi feita na terça (26/3) e ainda depende de atos ministeriais que vão detalhar – e podem restringir – o acesso a essas alternativas de financiamento, em que o governo renuncia a arrecadação para desonerar empresas e investidores.

Para o mercado, restam incertezas, portanto, no setor de gás natural e no financiamento de outorgas de energia elétrica. Por outro lado, as regras trouxeram mais clareza para o setor de geração distribuída.

As debêntures incentivadas, criadas em 2011, oferecem redução nas alíquotas de imposto de renda às pessoas físicas e jurídicas nos projetos habilitados como prioritários.

Esse ano foi sancionada a lei das debêntures de infraestrutura, com benefícios fiscais diretamente às empresas emissoras, o que possibilita o alcance de investidores institucionais que já possuem benefícios de imposto de renda, explicou a Fazenda.

Uma expectativa do governo é atrair investidores estrangeiros e fundos soberanos para o mercado brasileiro, em parceria com empresas operadoras dos setores priorizados.

Expectativa corroborada por agentes do mercado, que apontam que o mecanismo pode ajudar a atrair para o Brasil investidores institucionais e grandes fundos internacionais, além de fundos de pensão e previdência, para investimentos de longo prazo.

Sai petróleo, fica gás natural

O comunicado da Fazenda fala em “realinhamento”. E, com isso, “deixaram de ser prioritários no setor de energia todos os tipos de projetos relacionados à cadeia produtiva do petróleo e à geração de energia elétrica por fontes não renováveis”.

No anúncio das medidas, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), defendeu que não caberia renunciar a arrecadação, com subsídios para um segmento de alto retorno. “O objetivo, portanto, é fomentar aqueles segmentos que têm taxa de retorno menores, mas são essenciais para a qualidade de vida das pessoas”, justificou.

“Quem vai financiar essa transição energética também é o petróleo, o gás, que vai ajudar a financiar esses projetos e essa transição, mas não faria muito sentido [subsídios] a quem é altamente rentável: o petróleo, o fóssil”.

Uma inovação é que o decreto das debêntures originais listava setores de forma genérica, por exemplo “energia”, cabendo às portarias ministeriais o enquadramento específico. Agora, é uma lista exclusiva, que deixa de fora segmentos não selecionados.

Na área de energia, o texto publicado esta semana classifica como prioritários projetos ligadas aos seguintes segmentos:

  • Geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica;
  • Gás natural;
  • Produção de biocombustíveis e biogás, exceto a fase agrícola;
  • Produção de combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono;
  • Hidrogênio de baixo carbono;
  • Captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono;
  • Dutovias para transporte de combustíveis, incluindo biocombustíveis e combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono;

Em paralelo, há um direcionamento à eletrificação e outras escolhas que também afetam insumos e a demanda por energia e combustíveis:

  • Aquisição de ônibus elétricos, inclusive por célula de combustível, e híbridos a biocombustível ou biogás, desde que para transporte público coletivo e urbano;
  • Transformação de minerais estratégicos para a transição energética, caso em que a lavra e o desenvolvimento da mina poderão ser considerados como parte dos projetos;
  • Iluminação pública;

Exclusão do petróleo afeta empresas independentes

A decisão sobre o petróleo já era esperada pelo mercado e afeta especialmente as empresas independentes e de menor porte, que têm recorrido às debêntures para financiar investimentos em exploração e no aumento da produção de campos.

“Setores de infraestrutura não ligados à transição energética acabaram ficando à margem daqueles considerados prioritários pelas debêntures incentivadas e de infraestrutura”, diz o coordenador de bancos, serviços financeiros, mercado de capitais e ativos digitais do Barreto Veiga Advogados, Marcelo Ikeziri.

A 3R Petroleum, por exemplo, aprovou a emissão no começo do ano de R$ 1,3 bilhão em debêntures. Com isso, a expectativa é que as petroleiras passem a buscar mais captações no mercado internacional.

“As petroleiras privadas certamente vão sofrer com uma possibilidade de captação a menos”, diz o sócio de infraestrutura do Machado Meyer, Alberto Faro.

Agro e incertezas no setor elétrico

Também foi excluído da possibilidade de emissão das novas debêntures, a parte agrícola da biomassa já estava sofrendo com restrições recentes para usinas de etanol na emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).

Especialistas apontam, no entanto, que esse segmento ainda tem mais alternativas para financiamento, pois alguns projetos ainda conseguem acesso aos CRAs.

Além disso, a transição energética ajuda a fomentar o interesse de financiadores estrangeiros em combustíveis menos emissores.

Já para os setores que foram incluídos como prioritários, a expectativa agora é pela publicação de portarias específicas dos ministérios para esclarecimento de questões que não ficaram claras no decreto.

Segundo especialistas, o cenário gerou frustração no mercado, que está com muitas emissões represadas desde janeiro, na expectativa da regulamentação, e agora ainda vai precisar aguardar o posicionamento dos ministérios sobre vários temas.

Uma grande incerteza diz respeito ao segmento de gás natural, já que o texto do decreto é genérico e não esclarece se a exploração e produção poderiam emitir as debêntures de infraestrutura.

O decreto prevê que as portarias podem limitar ainda mais os benefícios e há um entendimento no próprio governo que será necessário esclarecer a habilitação da geração de energia termelétrica a gás. A intenção do decreto é privilegiar fontes renováveis, solar e eólica.

O sócio da prática de agronegócios do Mattos Filho, Bruno Tuca, explica que não há conforto jurídico com o texto atual para uso das debêntures de infraestrutura para geração a gás.

“Existe espaço para esclarecer melhor questões como a regra da térmica a gás, mas a expectativa é que as portarias sejam consistentes o que eu já vinha sendo praticado para as debêntures incentivadas”, diz.

Faro, do Machado Meyer, lembra que o decreto prevê que as portarias mais abrangentes já emitidas pelos ministérios para a emissão de debêntures incentivadas seguem valendo também para as debêntures de infraestrutura.

Outra incerteza é sobre o uso das debêntures para financiar outorgas em projetos que dependem de concessões públicas, possibilidade que estava expressa de forma clara na regulamentação das debêntures incentivadas, mas que não foi esclarecida para os novos papéis.

Para Faro, ainda não está claro se está proibido o uso desses recursos para o pagamento de outorgas em leilões, questão que vai precisar ser esclarecida pelas portarias ministeriais.

“Se essa restrição acontecer, pode ter uma interferência negativa na própria modelagem dos projetos e no sucesso de alguns leilões, na medida em que vai ser necessário procurar uma nova forma de captação para que realizar um pagamento de outorga que via de regra seria feito com debêntures. Isso pode impactar a modelagem dos projetos e a participação de algumas empresas em leilões”, diz.

Os especialistas explicam que as portarias devem detalhar melhor questões específicas da regulamentação, mas não devem desfazer os principais pontos do decreto.

“Pela lógica de hierarquia de leis, o ministério não pode ir além do que está no decreto, mas ele pode criar mecanismos específicos que limitem alguns setores”, acrescenta o sócio da área de Bancário & Financeiro do Vieira Rezende Advogados, Celso Contin.

A necessidade de aguardar as portarias frustrou as expectativas do mercado, que esperava que a regulamentação ajudasse na celeridade da emissão dos títulos, pela dispensa da necessidade de autorização específica para cada projeto.

Até então, a emissão de debêntures incentivadas previa a necessidade de que o projeto fosse enquadrado como prioritário pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

Para as debêntures de infraestrutura, a previsão era que o enquadramento das áreas prioritárias viesse já no texto do decreto, mas as incertezas do texto geram a necessidade de aguardar o posicionamento dos ministérios.

Geração distribuída

O decreto é positivo, sobretudo, para a geração de energia distribuída, segmento que nunca conseguiu a aprovação prévia do MME de reconhecimento como prioritário para a emissão de debêntures incentivadas.

Faro, do Machado Meyer, explica que o texto atual deixa claro que esses projetos podem emitir debêntures incentivadas, mas que estão excluídos das debêntures de infraestrutura.

A decisão deve ser positiva para o setor, sobretudo depois que o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu em fevereiro não permitir mais a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) para financiar a geração distribuída.