Energia

Nova presidente da Petrobras assumirá desafios do descomissionamento

As empresas brasileiras têm a real e atual possibilidade de abocanhar grande parte desse mercado, escreve Julia Borges da Mota

Nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, assumirá desafios do descomissionamento de plataformas FPSO de petróleo e gás natural. Na imagem: Julia Borges da Mota, sócia do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados (Foto: Divulgação)
Julia Borges da Mota é sócia do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados (Foto: Divulgação)

A troca de comando na Petrobras, que deve passar a ser presidida por Magda Chambriard, provavelmente vai repercutir em decisões estratégicas da empresa. Existem hoje grandes discussões sobre o papel da estatal: em que áreas ela deve investir, até que ponto o interesse dos acionistas minoritários deve ser atendido com a busca da maior rentabilidade possível, a necessidade ou não de adoção de políticas que favoreçam a compra de componentes nacionais e a geração de empregos no Brasil.

Essas discussões devem continuar e é provável que a relevância do papel social da estatal seja acentuada, já que Magda já declarou que a sociedade brasileira almeja retorno do desenvolvimento proporcionado pela indústria petrolífera.

Por outro lado, algumas decisões de investimento não devem sofrer nenhuma alteração, porque são decisões técnicas, e já contemplam o propósito de fomentar o desenvolvimento e qualificação do mercado nacional.

Uma das áreas críticas é o mercado de descomissionamento, em que o Brasil pode se tornar uma referência mundial em descomissionamento sustentável.

O desafio para a Petrobras é gigantesco, pois ela precisa cumprir a lei, ou seja, descomissionar os ativos à medida em que atingem sua fase final de produção, após serem operados por 25 a 30 anos, de forma segura e com proteção ao meio-ambiente.

A carteira projetada é de US$ 11 bi, de 2024 a 2028, com a perspectiva de continuação com volumes ainda maiores de investimento após esse período. Devem ser descomissionadas 23 plataformas no quinquênio, 1900 km de linhas flexíveis e 550 poços. Após 2028, já há previsão de mais 40 plataformas.

A Petrobras vem conversando com os players no mercado doméstico e internacional, buscando estimular que as empresas participem dos projetos, de uma forma mais integrada possível.

A partir do descomissionamento das plataformas P-32 e P-33, a Petrobras passa a aplicar uma nova metodologia, chamada “política de reciclagem verde”, que requer recursos especializados e instalações onshore para os materiais removidos que são reciclados.

Modalidades de descomissionamento

Existem duas modalidades de descomissionamento hoje, pela Petrobras. No primeiro, aplicado à P-32 e P-33, a estatal vende o ativo para uma empresa associada a um estaleiro licenciado. A Petrobras deve entregar a plataforma no estaleiro, e os custos da reciclagem são do comprador.

Ao final do processo, acompanhado pela estatal, o comprador emite um certificado final de destinação, comprovando que atendeu às exigências de destinação sustentável, pautadas pelas práticas ASG (ambientais, sociais e de governança).

Os estaleiros precisam apresentar certificação conforme Shipping Recycling Regulation, que visa reduzir os impactos negativos associados à reciclagem de navios, garantindo que sejam utilizados métodos adequados de desmantelamento de navios para conseguir a eliminação ou reciclagem segura de todos os componentes do navio, incluindo materiais perigosos.

Na segunda modalidade, para o caso das plataformas fixas e sistemas submarinos, a Petrobras propõe contratos de empreitada denominados Engenharia, Preparação, Remoção e Disposição (EPRD), bastante utilizados no descomissionamento no Mar do Norte. Através de licitação, a Petrobras contrata os serviços de uma empresa ou consórcio, responsável pelo projeto e execução do descomissionamento.

O objetivo da Petrobras é contratar integradores, que por sua vez agreguem através de subcontratadas todo os serviços necessários, tais como, engenharia de planejamento, preparação e condicionamento da planta com a limpeza, desinstalação e desmontagem dos equipamentos, corte, remoção e transporte de equipamentos e estruturas metálicas, tratamento de resíduos, armazenamento e disposição final de materiais, dentre vários outros serviços necessários.

Algumas contratações já foram realizadas, e outras oportunidades serão abertas nos próximos meses e anos. Para abandono de poços de completação seca em águas rasas (Dry completion well abandonment in shallow water), por exemplo, a Petrobras abriu recentemente um processo de RFI – Request For Information para entender o que as empresas convidadas podem oferecer dentre os diversos serviços necessários para o descomissionamento do poço Ceará, Garoupa e Merluza.

As licitações para descomissionamento são geralmente públicas, nos termos da Lei 13.303/16 e promovidas através do portal de compras da Petrobras, o Petronect. Em geral as contratações não estão sujeitas a processo de pré-qualificação, através do qual as empresas precisam comprovar experiência antes da abertura da licitação, que fica restrita aos fornecedores qualificados.

Conteúdo local

Quanto às obrigações de conteúdo local – proporção de investimentos nacionais feitos em produtos ou serviços voltados para as etapas de exploração e desenvolvimento da produção de petróleo e gás – para as plataformas fixas e outros escopos relativos à Rodada zero (campos de produção da Petrobras, antes da abertura do setor), não há restrições de compras e contratações de empresas estrangeiras. Apesar disso, a Petrobras tem estudado a possibilidade de exigir conteúdo local mínimo para os serviços de descomissionamento.

Um dos pivôs da crise que culminou com a demissão do ex-presidente da estatal Jean Paul Prates, defendido pelo governo, o incentivo da Petrobras à indústria naval brasileira não foi colocado em prática, de fato, apesar do plano apelidado por Prates de “PAC do Mar”, que não chegou a sair da fase de estudos.

Menos controverso, o mercado de descomissionamento é colossal, e com tendência a crescer ainda mais em um futuro próximo. As empresas brasileiras têm a real e atual possibilidade de abocanhar grande parte desse mercado, se conseguirem se posicionar de forma eficiente, através de parcerias e, por que não, do apoio do governo com medidas que possam facilitar o crédito e o investimento.

Nesse aspecto, no setor de petróleo e gás, é fundamental a priorização de segmentos estratégicos da cadeia de fornecimento que tenham potencial de desenvolvimento promovendo a geração de empregos e a assimilação de novas tecnologias.

Este artigo expressa exclusivamente a posição da autora e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculada

Julia Borges da Mota é sócia do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados. Advogada com experiência em direito empresarial. Graduada em Direito Internacional pela Universidade de Aix-Marseille III – França. Pós-graduada em Direito Aeronáutico e em Economia e Gestão do Transporte Aéreo pelo Instituto do Transporte Aéreo da Universidade de Aix-Marseille III – França.