RIO — A mudança na precificação do diesel e da gasolina da Petrobras pode reforçar a vantagem competitiva das grandes distribuidoras de combustíveis – Vibra Energia, Raízen e Ipiranga, que juntas, dominam mais de 60% do mercado.
O setor de distribuição passou, nos últimos dez anos, por um movimento de desconcentração. Não o suficiente para mudar o status quo do mercado, ainda concentrado, mas houve avanços.
A chegada dos importadores privados, depois que a Petrobras passou a se alinhar aos preços de paridade de importação (PPI), no governo Michel Temer, favoreceu, num primeiro momento, as distribuidoras regionais e os postos bandeira branca (aqueles sem contrato de exclusividade para uso de uma marca).
Além disso, grandes multinacionais, por meio de aquisições, desembarcaram no Brasil, como a TotalEnergies (Zema), a PetroChina (TTWork) e Glencore (Alesat) — além da Vitol, que comprou uma fatia da Rodoil, mas já abandonou o negócio.
O cenário mudou: as incertezas relacionadas à transição energética, à revisão do marco regulatório do setor e ao retorno da Petrobras ao negócio de distribuição, além das altas taxas de juros, alimentam um ambiente mais avesso à entrada de novos investidores privados no setor, hoje.
E, agora, analistas de mercado acreditam que a nova estratégia comercial da Petrobras pode favorecer os grandes grupos.
A nova política de preços da Petrobras
Em maio, a Petrobras lançou uma nova estratégia comercial para formação dos preços da gasolina e do diesel. Abandonou o alinhamento ao PPI – herança dos governos Temer e Bolsonaro.
“Abrasileirar” os preços dos combustíveis era uma das promessas de campanha de Lula.
Embora a Petrobras prometa continuar antenada aos preços internacionais e câmbio na definição dos preços, a estatal, sob o comando de Jean Paul Prates, passará a se basear também em outras variáveis:
- o custo alternativo do cliente: valor que será “priorizado na precificação” e leva em conta principais as alternativas, “sejam fornecedores dos mesmos produtos ou de produtos substitutos”;
- e o valor marginal para a Petrobras: o custo de oportunidade, as alternativas de comercialização, “dentre elas, produção, importação e exportação”.
Um ponto importante para a dinâmica do mercado de distribuição, contudo, está no fato de que as condições comerciais poderão variar de acordo com o cliente.
“A Petrobras fará seu preço de acordo com cada cliente, com o ambiente em que aquele cliente se insere e com questões de instalações e logística. Mas a empresa vai buscar sempre ser a melhor alternativa para cada cliente”, disse Prates, na ocasião do lançamento da nova estratégia comercial.
Líderes de mercado largam em vantagem
A Petrobras pratica os mesmos preços de referência para todos os clientes de um determinado polo de suprimento.
A petroleira, contudo, pode praticar algumas condições diferenciadas de pagamento para “seus melhores clientes” (descontos nos encargos financeiros, mais prazos para pagamento, por exemplo), a depender da análise de risco do comprador.
Na prática, portanto, empresas com análise de crédito mais favorável (as gigantes do setor largam em vantagem) podem ter custos financeiros menores para aquisição dos produtos e melhores condições de gestão do capital de giro de seus negócios.
Além disso, algumas condições dos contratos — como volumes adicionais — também são negociadas individualmente com cada cliente.
Por enquanto, fontes relatam que as distribuidoras menores ainda não sentiram nenhum impacto da mudança na estratégia da Petrobras.
Analistas de mercado, contudo, veem as grandes distribuidoras em vantagem.
“Isso [condições diferenciadas de pagamento, prazo de entrega e volume disponibilizado], combinado com nossa visão de que o país terá menos importações de players independentes, pode ser marginalmente positivo para os principais distribuidores do país”, cita relatório da XP sobre o impacto das mudanças de precificação da Petrobras.
Além disso, o fim do alinhamento da estatal ao PPI e o apetite da companhia por market share trazem mais incertezas às tradings privadas – o que torna o cenário de importação por terceiros menos favorável. E isso pode ter impactos sobre poder de competição das distribuidoras menores.
“A estrutura de custos dos postos de gasolina consiste principalmente em custos fixos (energia, imóveis, mão de obra), portanto vendas menores significam forte desalavancagem operacional. Com potencialmente menos importações no mercado, isso significa que garantir o abastecimento de combustível internamente para diluir uma parcela maior dos custos fixos será essencial. Portanto, o fato de os três principais players provavelmente conseguirem obter combustível em melhores condições também aumentará o valor de suas marcas”, destaca o BTG Pactual.
“As empresas de menor porte vão ter menos condições de competir”, complementou o ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e hoje consultor independente, Felipe Kury.
A Petrobras discorda dessa visão
Procurada para comentar o assunto, a petroleira destacou que sua estratégia comercial “não favorece a concentração do mercado de distribuição”.
A estatal lembra que todos os contratos de fornecimento celebrados entre a Petrobras e as distribuidoras são objeto de análise prévia e homologação pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) — cujo processo ocorre antes do início da vigência do contrato e respeita a “ênfase a promoção da livre concorrência”.
A empresa alega também que se utiliza de referências de mercado — o que, ao mesmo tempo, permite que a empresa pratique preços competitivos, por polo de venda, “se valendo de suas melhores condições de produção e logística e disputando mercado com outros atores que comercializam combustíveis no Brasil, como os próprios distribuidores e outros importadores”.
O peso da importação para a desconcentração
A questão da importação é particularmente sensível para as distribuidoras regionais
Em geral, as distribuidoras compram parte dos volumes com a Petrobras e complementam as respectivas demandas com a aquisição junto a importadores. Como o preço da estatal é o mesmo para as diferentes empresas de um mesmo polo de suprimento, é na compra de cargas no mercado internacional que as companhias, muitas vezes, conseguem se diferenciar das demais.
Entre 2016 e 2017, a Petrobras praticou prêmios altos e houve uma “janela de oportunidade” para que tradings expandissem a atuação no país, oferecendo às distribuidoras regionais produtos mais baratos que os oferecidos pela petroleira brasileira.
Um exemplo do peso que as importações exerce sobre a competitividade das distribuidoras regionais está no aumento das compras de diesel russo, a preços competitivos, este ano — de fora desse mercado, as líderes do setor estão perdendo market share em 2023.
Já quando os preços da Petrobras ficam abaixo da paridade internacional, como as distribuidoras alegam ter ocorrido em 2021 e 2022, as importações deixam de ser atrativas — e as líderes de mercado avançam no bolo.
Essa dinâmica pode ser observada nos dados de evolução da concentração de mercado nos últimos dez anos:
As líderes do mercado (Vibra, Raízen e Ipiranga) têm capacidade maior de atenuar os impactos da importação mais cara, porque operam com volumes maiores – o que ajuda a diluir o aumento de custos com a aquisição de um produto mais caro. Elas contam, ainda, com braços de trading próprios e conseguem condições melhores nas negociações com fornecedores internacionais.
Além disso, as distribuidoras maiores têm redes de postos bandeirados grandes, o que lhes dá mais flexibilidade na precificação junto aos revendedores da rede – que possuem contratos de fornecimento exclusivo. As distribuidoras regionais, por sua vez, têm redes menores e dependem mais da venda para postos bandeira branca – setor onde a competição é maior.
As três grandes empresas do setor, claro, também são afetadas quando a Petrobras se descola do PPI. Mesmo assim, os grandes grupos têm conseguido seguir com as importações em momentos de defasagens para o mercado internacional.
Em 2022, inclusive, mesmo com a demora da estatal em repassar os aumentos nos preços internacionais, durante o período eleitoral, as grandes distribuidoras mantiveram as importações — e conseguiram tomar espaço das empresas regionais no mercado.
Distribuidoras regionais reclamam do RenovaBio
As empresas menores do setor também se queixam do aumento dos encargos regulatórios – que, segundo elas, reforçam assimetrias na competitividade com as líderes de mercado – com estruturas de capital mais fortes e mais diversificadas.
Em particular, as distribuidoras regionais, representadas pela Brasilcom, pedem mudanças na Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Reclamam que os créditos de descarbonização, os CBios, “pesam no bolso”, e que a comercialização é pouco transparente, o que beneficia os grandes grupos.
As distribuidoras regionais afirmam que houve uma escalada nos preços dos CBios, o que tem afetado o capital de giro do setor. A situação, relatam fontes, foi agravada com a alta taxa de juros.
Cenário para novos entrantes é desfavorável
A interrupção da abertura do refino, pela Petrobras, contribui para a manutenção da atual configuração do mercado.
“A venda do refino traria muito mais competição para esse segmento”, diz o sócio da Leggio Consultoria, Marcus D’Elia.
A companhia quer rever o termo de cessação de conduta (TCC) assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para venda de oito de suas refinarias.
Apenas quatro unidades foram vendidas – e, dentre elas, a alienação da Lubnor (CE) ainda não foi concluída.
Prates também tem sinalizado a possibilidade de a Petrobras voltar ao mercado de distribuição, após a privatização da BR Distribuidora. Segundo ele, a saída do setor foi um “erro crasso”, mas uma eventual reentrada no segmento vai ser analisada “com calma”.
A lista de riscos que pairam sobre o mercado de distribuição e dificultam a entrada de novos investidores privados no setor, hoje, é grande:
Revisão do marco regulatório. Nos últimos anos, diferentes pontos do marco do setor foram colocados em discussão. A maioria não saiu do papel, mas ficaram em aberto, como a regulamentação do delivery de combustíveis e a proposta da bomba branca – que permite a instalação, nos postos, de até duas bombas não-exclusivas pelas quais o revendedor que exibe uma marca específica possa vender também produtos de outros fornecedores.
Taxas de juros. O aumento dos juros reduz o espaço para que as distribuidoras se endividem e ampliem a alavancagem em busca de aquisições para ganhar fatia de mercado. Os analistas da Bloomberg Intelligence Fernando Valle e Brett Gibbs lembram que as margens nesse setor costumam ser baixas e se beneficiam sobretudo da escala dos negócios. Por isso, o momento para contrair dívidas e realizar novas aquisições ocorreu quando as taxas de juros estavam mais baixas.
Irregularidades. Há ainda os efeitos negativos com a figura dos “devedores contumazes”, que vendem combustíveis abaixo do preço de mercado por meio da sonegação de impostos.
Transição energética muda visão de longo prazo. Com as tendências de mudança no perfil de consumo de energia pela sociedade, o setor de combustíveis tem procurado novos tipos de negócios, sobretudo associados às fontes limpas e à eletrificação. Esse cenário reduz a atratividade do segmento para novos investidores.
“Isso pode limitar os fundos para um acordo maior na cadeia de combustíveis”, apontam Gibbs e Valle, da Bloomberg Intelligence.
Na visão dos analistas, o mercado perdeu a oportunidade de passar por uma consolidação quando as taxas de juros estavam mais baixas. Agora, o foco dessas empresas deve estar na entrada em novos setores, como estratégia de longo prazo para lidar com a transição para uma economia de baixo carbono.
Do lado das líderes de mercado, o cenário para fusões e aquisições também não é favorável. Ipiranga e Raízen até tentaram, nos últimos anos, aumentar sua presença no mercado via crescimento inorgânico, mas esbarraram no Cade.
Em 2017, o órgão vetou a compra da Ale pela Ipiranga. Na época, o Cade entendeu que a operação poderia prejudicar a venda de combustíveis a postos de bandeira branca, aqueles que não têm exclusividade para a compra com uma determinada distribuidora.
Este ano, a Raízen desistiu da compra da FAN Distribuidora, enquanto ainda estava sob a análise do Cade. A rescisão do contrato ocorreu depois de manifestações de concorrentes e associações do setor contra a possibilidade de incorporação, pela Raízen, de um benefício tributário da FAN.