Biocombustíveis

Nova especificação do biodiesel: grande passo, inclusive cultural

Obrigatoriedade de aplicação de boas práticas terá o maior e verdadeiro impacto sobre a qualidade do biocombustível, escreve Vicente Pimenta

Nova especificação do biodiesel: grande passo, inclusive cultural. Na imagem: Trabalhadores de uniforme laranja passam em frente a tanques de armazenamento de combustíveis em planta da PBIO – Petrobras Biocombustível (Foto: Divulgação PBIO)
Planta da PBIO – Petrobras Biocombustível (Foto: Divulgação PBIO)

No início de abril, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) publicou a RANP 920/2023, a nova especificação do biodiesel, para começar a vigorar em 03 de julho de 2023.

Os produtores já estão ajustando suas operações para que a nova resolução seja atendida, apesar de que poucas alterações de impacto foram adicionadas do ponto de vista químico.

Eu poderia seguir adiante dando opinião sobre cada aspecto que foi modificado na especificação, sua dificuldade em se atingir e o impacto esperado com o novo valor. Mas não, vou me ater a um ponto apenas, que na minha opinião, terá o maior e verdadeiro impacto sobre a realidade desse bicombustível no país. Trata-se da obrigatoriedade de aplicação de boas práticas!

Com isso quero dizer que as alterações químicas que foram propostas não têm importância?

Usando de uma imagem para expressar o meu modo de pensar, a redução do monoglicerídeo, o aumento da estabilidade ou a redução dos metais são o fortificante dado ao campeão de lutas. O mal que o acomete não é o adversário preparado, mas a doença! Essa sim é o veículo invisível que pode aniquilá-lo a despeito de ser preparado e de sua dieta saudável.

Em outras palavras, sim, com certeza teremos um biodiesel à disposição do consumidor com um grau maior de robustez. Mas, essa, de nada vai adiantar se os agentes continuarem operando à margem dos cuidados básicos de conservação e de manuseio do combustível.

Conscientização a partir do exemplo, mesmo que obrigatório

A ANP acertou, de modo inovador, ao exigir que o produtor, importador e os agentes autorizados a efetuar a mistura do biodiesel ao diesel, façam drenagem semanal de seus tanques, com registro do responsável à disposição da agência.

Note-se que uma especificação de combustível não precisaria exigir, a princípio, aplicação nenhuma de boas práticas. Pelo menos, foi assim no Brasil desde a primeira especificação de biodiesel, quando os requisitos exigidos sempre foram químicos.

Com certeza teremos um impacto muito positivo a partir dessa aplicação, já que a água, livre ou dissolvida, é o maior inimigo do combustível.

Muitos poderão dizer que esses agentes já aplicam boas práticas, e que a efetiva mudança de cenário só ocorrerá quando todos os outros agentes à jusante da distribuição, passarem a aplicar. É parcialmente verdadeira essa afirmação, mas teremos plantada uma primeira semente de conscientização a partir desses atores.

Todos precisam se acostumar com a ideia de que seus tanques precisam ser drenados, pelo menos semanalmente, limpos periodicamente e ter seus filtros substituídos nos momentos adequados.

Apenas como exemplo cito a apresentação feita na ANP em outubro de 2019 quando mostrei pesquisa realizada em postos de combustível em 3 estados brasileiros e a constatação foi que 51% não limpavam seus tanques havia pelo menos 3 anos!

Àqueles que não sabem como drenar um tanque e desejam conhecer o conjunto de boas práticas, que não se restringem apenas à drenagem, apesar de ser ela extremamente importante, sugiro consultar a Cartilha de Boas Práticas da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva), preparada por engenheiros oriundos de todos os segmentos afetos ao tema. O resultado é um guia bem completo sobre o assunto.

No mais, é trabalhar na conscientização a partir do exemplo, mesmo que obrigatório, das distribuidoras, dos importadores e produtores, para que essas práticas tenham o maior alcance possível.

Vicente Pimenta é consultor técnico da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.