Opinião

O exemplo chinês e o futuro da recuperação energética de resíduos no Brasil

País asiático mostra como reduzir aterros, com mais de mil usinas de recuperação energética com metas claras, investimento e regulação, escreve Yuri Schmitke

Yuri Schmitke é presidente executivo da Abren (Foto Divulgação)
Yuri Schmitke é presidente executivo da Abren (Foto Divulgação)

Enquanto o Brasil ainda caminha lentamente para a o desenvolvimento do setor de energia de resíduos no país — a primeira e única usina de recuperação energética (URE) contratada até então está em construção e deve entrar em operação a partir de 2027, em Barueri (SP) — a China se consolidou como líder mundial na geração de energia a partir de resíduos urbanos não recicláveis.

Hoje, o país asiático conta com mais de mil UREs, cerca de um terço de todas as usinas existentes no mundo, capazes de processar milhões de toneladas de lixo por ano, além de reduzir a dependência de aterros sanitários e contribuir para sua matriz energética limpa por meio de uma fonte renovável.

A capacidade total de tratamento do setor de conversão de resíduos em energia da China ultrapassou a dos EUA, Europa e Japão juntos.

Esse avanço, porém, não aconteceu por acaso, e muito menos de forma rápida. O modelo chinês é fruto de uma estratégia nacional que combina metas ambientais claras, investimentos robustos em infraestrutura e um marco regulatório que viabiliza a participação do setor privado. 

Nas décadas de 1970 e 1980 as empresas chinesas começaram a importar tecnologias de incineração de empresas alemãs e japonesas e, desde então, esse setor evoluiu muito.

Consequentemente, a China deixou de ter aterros como destino quase exclusivo do lixo urbano para adotar um sistema integrado que prioriza reciclagem, compostagem e recuperação energética.

As URE’s chinesas utilizam tecnologias modernas, como a incineração com controle avançado de emissões, atendendo a padrões ambientais rigorosos.

Além de gerar eletricidade e calor, essas unidades diminuem significativamente o volume de resíduos depositados a céu aberto, mitigando assim impactos ambientais e reduzindo as emissões de metano — gás de efeito estufa muito mais potente que o CO2.

No Brasil, a realidade é outra. Mais de 40% dos resíduos sólidos urbanos ainda têm destinação inadequada, e mesmo os aterros sanitários legalizados já enfrentam desafios de capacidade e gestão.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010, prevê a recuperação energética como uma das formas de tratamento, mas, até hoje, o país não implementou efetivamente nenhum projeto em escala comercial.

A ausência de usinas dessa natureza por aqui não se deve à falta de potencial, mas sim à combinação de barreiras regulatórias, insegurança jurídica, dificuldades de financiamento e falta de conhecimento técnico disseminado entre gestores públicos e privados.

O exemplo chinês mostra que esses obstáculos podem ser superados quando há visão estratégica e coordenação entre governo, iniciativa privada e sociedade.

Para o Brasil, investir no WTE não significa substituir a reciclagem — pelo contrário, trata-se de complementar o ciclo de gestão de resíduos. Materiais recicláveis devem ser separados e reaproveitados, enquanto o que sobra, e que hoje vai para aterros e lixões, pode gerar energia de forma segura e limpa.

Esse modelo traz ganhos ambientais, econômicos e sociais, criando empregos, atraindo investimentos e ampliando a segurança energética, além de contribuir com a saúde pública.

O caminho para isso exige atualização regulatória, definição de incentivos claros e a criação de um ambiente de negócios que permita atrair investidores, inclusive internacionais.

Com planejamento e ação coordenada, o Brasil pode replicar o sucesso chinês adaptado à sua realidade, transformando um problema crônico — a gestão de resíduos — em uma oportunidade para avançar na transição energética e na economia verde.

Se a China conseguiu, partindo de um cenário de forte dependência de aterros, chegar a mais de mil usinas de recuperação energética em operação, o Brasil também pode trilhar esse caminho.

A diferença é que, para nós, cada ano perdido representa mais resíduos acumulados, mais áreas degradadas e mais energia desperdiçada. Está na hora de transformar o lixo em solução, e não mais em problema.


Yuri Schmitke é presidente executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), vice-presidente LatAm do Waste to Energy Research and Technology Council (WtERT) e Sócio da FCR Law.

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