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Por dentro das novas regras para operação de térmicas na ponta

Entenda como a Portaria 88/2024 do MME amplia as ferramentas do ONS no atendimento à demanda do sistema em momentos de pico

Entenda na agência eixos as novas regras do MME para operação de térmicas na ponta. Na imagem: Edifício sede do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no Rio de Janeiro (Foto Fernando Frazão/Agência Brasil)
Edifício sede do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no Rio de Janeiro | Foto Fernando Frazão/Agência Brasil

PIPELINE. MME publica diretrizes para aumentar flexibilidade de operação de termelétricas na ponta. Oportunidade de negócio para usinas sem contrato.

As negociações em torno do gas release no Senado. MGás quer trazer gás da Argentina, via Uruguaiana. PetroReconcavo anuncia nova UPGN. Energisa conclui compra de distribuidoras no Nordeste. O que esperar do GNL americano com Trump e mais. Confira:


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O Ministério de Minas e Energia (MME) publicou, no início do mês, as diretrizes para a operação de termelétricas em condição diferenciada – uma espécie de contratação de potência existente, a partir da oferta de preços ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Na prática, a Portaria Normativa 88/2024 amplia as ferramentas do ONS no atendimento à demanda do sistema elétrico em momentos de pico.

É uma das medidas de curto prazo adotadas pelo governo para fazer frente à crise hidrológica de 2024. Solução conjuntural, prevista para acabar em 31 de março de 2025 – horizonte que coincide com boa parte do período úmido.

O acionamento das térmicas na ponta, é bem verdade, já é uma realidade. A portaria, contudo, formaliza essa operação por meio de um processo competitivo (alternativo aos leilões de reserva de capacidade).

Surge aí uma oportunidade de negócio para o crescente número de usinas descontratadas (as merchants) – e uma sobrevida para que aquelas prestes a perderem contrato,

Um porém: A expectativa é que a recente melhora da hidrologia limite o alcance da medida – concebida meses atrás, quando a crise hídrica estava mais apertada. A demanda por geração de térmica na ponta, contudo, deve continuar, sobretudo no verão.

“Para atendimento do pico [de demanda], pode ser que haja uma necessidade menor hoje, mas ainda deve acontecer”, avalia a head de Regulação da Thymos Energia, Ariane Paixão



Saem em vantagem as usinas a gás de ciclo aberto – que se adaptam melhor à pronta resposta do que as de ciclo combinado (que recuperaram os gases de exaustão das turbinas a gás para gerar uma turbina a vapor).

O VP Institucional e Regulatório do Grupo Delta Energia, Luiz Fernando Leone Vianna, acredita que as merchants são os grandes beneficiados.

“E para essas térmicas que estão sendo descontratadas agora no fim do ano, para não desativarem, acho que a operação diferenciada é um incentivo”.

Ao todo, segundo dados do MME, existem 24 usinas com contratos vencidos, num total de cerca de 5 GW – a maioria delas térmicas a gás natural. E outras 27 térmicas (5,6 GW) têm contratos por vencer até o fim de 2025. No bolo também tem óleo e carvão – caso da Candiota 3 (350 MW), da Âmbar (J&F).

Dentre as candidatas naturais a aderir ao novo modelo estão a Eneva, Petrobras e Âmbar, donos dos três maiores parques termelétricos a gás.

A Petrobras, aliás, pode ser beneficiar de seu portfólio amplo de gás e de seu acesso a molécula própria.

Por outro lado… As hidrelétricas veem na modalidade um risco de serem deslocadas.

O Ministério reconheceu, em nota técnica, que o modelo pode impactar as UHEs – que podem ter acionamento preterido, sobretudo em períodos de PLD elevado, diante do despacho das termelétricas que recorram à modalidade de potência.

Os agentes do setor hidrelétrico se mobilizaram para tentar emplacar, na portaria, dispositivo estabelecendo que fossem ressarcidos pelo eventual deslocamento pela operação diferenciada das térmicas.

O pleito foi apresentado pela Abrage (geradores) e reforçado por players do setor, como a Engie, Norte EnergiaAliança Energia e CPFL – que, por sua vez, defendeu também o ressarcimento pelo constrained-off das eólicas e solares.

O MME, em resposta, alegou que a portaria tem como princípio a minimização do custo de atendimento de potência do SIN; e que, muitas vezes nas situações de atendimento à potência, os recursos são despachados adicionalmente à disponibilidade hidrelétrica, não representando afetação ao montante gerado por essa fonte.

As hidrelétricas questionam também o fato de terem ficado de fora da operação diferenciada, já que elas também oferecem flexibilidade ao sistema, no atendimento à ponta.

Eletrobras pediu, inclusive, que as UHEs também fossem incluídas no novo modelo. A Aliança Energia reforçou o pleito. Alegou que não há, hoje, uma remuneração compatível pelos serviços prestados pelas hídricas.

“Em outras palavras, as UHEs arcam com os ônus por esse atendimento no horário de ponta, sem receber o bônus de sua atuação”, citou.


Antes, um pouco de contexto: historicamente, o operador acionava as UTEs por períodos mais longos (meses), dentro de uma lógica de backup de hidrelétricas (para recomposição dos reservatórios).

Com a expansão das renováveis e da geração distribuída, esse perfil de despacho mudou: hoje, há uma demanda crescente por rápida resposta – e operação por períodos curtos, de algumas horas por dia – para atender picos intradiários do sistema (horas).

A operação diferenciada surge, assim, como uma espécie de ‘recontratação’ (temporária) de usinas existentes dentro de novos requisitos operacionais (unit commitments). O objetivo é oferecer mais opções ao ONS na gestão do sistema. A palavra de ordem é flexibilidade.

As usinas contratadas nos leilões de reserva de capacidade já são construídas ou modernizadas, para operar dentro dos requisitos mínimos de flexibilidade exigidos – com tempos reduzidos de rampas de acionamento e desligamento.

Mas as térmicas existentes não – usinas de ciclo combinado, por exemplo, têm mais desafios técnicos (e custos) para operar dentro dessa lógica de rápida resposta à demanda. A operação diferenciada tenta endereçar essa remuneração.

Como vai funcionar: Trata-se de um processo competitivo e facultativo aos geradores. Os agentes apresentarão ao ONS ofertas de preços fixos (em R$/MWh) e quantidade de produtos de potência.

As ofertas serão avaliadas diariamente pelo operador, que deverá atender ao princípio da minimização do custo total da operação do SIN na hora de aceitar as condições propostas.: 

  • quando o preço da oferta superar o PLD (preço de referência do mercado de curto prazo), o diferencial será coberto pelo Encargo de Serviço de Sistema (ESS); 
  • se o preço da oferta for inferior ao PLD, o excedente financeiro será contabilizado em benefício da conta de ESS.

Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e ONS ainda vão definir as regras e procedimentos relacionados à operacionalização.

Para Ariane Paixão, da Thymos, o mérito da nova sistemática é a flexibilização de preço. 

Para usinas contratadas no mercado regulado, as novas regras permitem que agentes ofereçam propostas mais condizentes com os custos de atendimento à ponta da carga, sem ficarem presos aos seus respectivos CVUs (o Custo Variável Unitário, considerado pelo ONS no despacho centralizado).

Um exemplo: uma térmica de ciclo combinado pode, a depender de sua tecnologia, operar em ciclo aberto, mas isso tem um custo – associado a perdas de eficiência e de escala e a manutenções pelo desgaste de máquinas. Isso não estava previsto no momento em que essas usinas foram contratadas ou tiveram seus CVUs aprovados.

Esse agente pode, então, oferecer um preço mais alto que o seu CVU atual. E isso pode fazer sentido para o ONS – se, por exemplo, essa usina conseguir atender à demanda por potência rapidamente, com rampas mais curtas de acionamento e desligamento.

“Quando você olha no global, ter um CVU mais alto para ficar três horas vale mais a pena do que você ter um CVU mais baixo para ficar 24 horas ligado. E [a operação na ponta] é a necessidade do sistema hoje. Já estava acontecendo um pouco, mas como não tinha essa flexibilização de preço, ainda estava ficando caro para o sistema”, comenta Ariane Paixão.

Um outro caso: térmicas com acesso a fontes de gás de curto prazo competitivas podem, eventualmente, conseguir apresentar ofertas abaixo de seus respectivos CVUs – calculados em outro contexto de operação.

O novo modelo foi, em linhas gerais, bem recebido por entidades ligadas aos consumidores. Na visão da Abrace, a medida garante que o usuário arque apenas com os custos associados às reais necessidades do sistema.

Argumenta que a operação em condição diferenciada é uma solução menos custosa para o consumidor que a contratação de novas usinas por prazos mais longos – caso do Procedimento Competitivo Simplificado (PCS), lançado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) na crise hídrica de 2021.

Durante a consulta pública aberta pelo MME, a Abrace, bem como o IBP (produtores de gás) e Abiape (autoprodutores de energia), defenderam que o modelo seja transformado numa prática contínua.

Mas agentes ainda aguardam leilão de reserva. O contraponto à continuidade do modelo de operação diferenciada é feito pelo setor de energias renováveis.

Abeeólica, que representa os geradores de energia eólica, por exemplo, defende que a medida seja adotada apenas de forma conjuntural. E destacou a importância da retomada dos leilões de capacidade – e que eles incluam também as tecnologias de armazenamento – para garantir uma solução estrutural.

“O atendimento a potência deve priorizar as fontes com menor custo sistêmico: não gerando constrained-off [corte de geração] de fontes renováveis em detrimento de despacho térmico para atendimento à potência de acordo com o novo regramento”, citou a associação, em contribuição sobre as diretrizes propostas pelo MME.

A contratação ocorre em meio a atrasos na realização do 2º Leilão de Reserva de Capacidade, previsto inicialmente para agosto.

O novo modelo não substitui a necessidade do LRCAP, na visão da Anace (consumidores). A associação reconhece que a operação em condição diferenciada é a melhor alternativa a curto prazo, mas que é preciso medidas mais estruturais – como a implantação de sistemas de armazenamento de energia e novas usinas no regime de potência.

Na sexta (8/11), o diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, Maurício Tolmasquim, comentou sobre o impacto da indefinição do leilão sobre os negócios da companhia.

“Nós temos um parque de 4,9 GW e, desses, 2,9 GW estão ficando sem contrato. Sem esse leilão, não conseguimos garantir a remuneração das nossas planta. E, não garantindo a remuneração das plantas, temos dificuldade de manter os ativos”.

O escopo da operação diferenciada é limitado às usinas despachadas centralizadamente pelo ONS – incluindo as merchant. Ficaram de fora as termelétricas com contratos de reserva de capacidade vigentes.

O MME, inclusive, acatou o pleito de alguns agentes do setor e ajustou as regras propostas na minuta para não fixar, na portaria, os parâmetros de unit commitment (como o tempo mínimo de permanência na condição ligado).

Esse foi um pedido, por exemplo da Âmbar e da Energia Pecém, para que a portaria não restringisse, de cara, o universo de térmicas aptas a participar do processo.

O ONS ainda definirá os produtos de potência, bem como prazos e condições para a oferta.

A portaria também permite que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) estabeleça diretrizes adicionais, inclusive sobre o preço teto e o período do compromisso de entrega, a partir da recomendação de instituições setoriais.

IBP e ATGás (transportadoras de gás) destacaram, na consulta, a importância da harmonização entre os setores elétrico e de gás natural.

Existe, hoje, um descompasso: em geral, as termelétricas precisam confirmar, de véspera, a capacidade a ser utilizada no dia seguinte nos gasodutos – mas essa confirmação se dá num horário que antecede a decisão do ONS se a usina será despachada (e em que nível).

EDF, por exemplo, citou que a falta de coordenação pode comprometer a oferta de alguns agentes, em especial as merchants. O IBP pediu, nesse sentido, que ao ONS detalhe, o quanto antes, como será a ordem de despacho – se no dia anterior ou diário – e o momento estimado do despacho, respeitando o rito estabelecido para a nomeação do gás natural.

A ATGás destacou que, enquanto vigorar a operação em condição diferenciada, as transportadoras buscarão, quando operacionalmente for possível e adequado, disponibilizar medidas comerciais mais flexíveis para as térmicas. A TAG já tem feito testes.


Gas release. Laércio Oliveira (PP/SE), relator do Paten, abriu um diálogo esta semana com a Petrobras sobre os termos do programa de desconcentração.

– Diretor de Transição Energética e Sustentabilidade, Maurício Tolmaquim, afirmou que a companhia conseguiu avançar num acordo para deixar o gás produzido pela estatal de fora.

Gás argentinoMGás fecha acordo com a Total Austral para importar gás da Argentina, via Uruguaiana (RS).

Nova UPGN. A PetroReconcavo anunciou um investimento de R$ 340 milhões na construção de sua 2ª unidade de tratamento de gás na Bahia.

Distribuição. Energisa conclui compra da Infra Gás e assume participação indireta na Cegás, Copergás, Algás e Potigás. Em Sergipe, o Estado chegou a um acordo para exercer a preferência pelo ativo.

– A Brava Energia assinou um contrato de fornecimento com a Copergás.

Olho no GLP. ANP avalia liberação do enchimento fracionado de botijões, na retomada da discussão sobre a reforma da regulação do GLP. Entenda

Térmica. Energia Pecém (720 MW) assinou termo de compromisso com a Cegás para um futuro contrato de uso do sistema de distribuição. A geradora tem planos de converter a usina a carvão para gás natural e mira o próximo Leilão de Reserva de Capacidade.

Eleições nos EUA. Retorno de Donald Trump deve significar retomada das licenças para novos projetos de GNL. A vitória republicana nas urnas, porém, não será suficiente para dissipar por completo as incertezas que pairam sobre o maior exportador da commodity.


Opinião: O gás natural para a segurança energética e competitividade da indústria brasileira, por Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia

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O drama do gás natural no Brasil, por Fernando Teixeirense e Adrianno Lorenzon