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Os desafios para colocar de pé o mandato do biometano em 2026

Início do programa passa por execução da agenda regulatória da ANP e por dimensionar a disponibilidade do gás renovável

Secretário do MME, Pietro Mendes, participa de evento sobre competitividade e infraestrutura de gás (Foto: Ricardo Botelho/MME)
Secretário do MME, Pietro Mendes, participa de evento sobre competitividade e infraestrutura de gás (Foto: Ricardo Botelho/MME)

PIPELINE. Janela para viabilizar mandato do biometano em 2026 será apertada e o governo quer dar celeridade aos trabalhos de regulamentação. Desafios envolvem a execução da agenda regulatória da ANP e dimensionar a disponibilidade do gás renovável para calibrar o mandato.

Argentina sinaliza flexibilização no preço mínimo de exportação de gás. YPF fecha primeiro acordo para exportação ao Brasil. Arsesp abre consulta pública sobre 5ª Revisão Tarifária da Comgás e Necta e mais. Confira:


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Em paralelo à regulamentação do mandato do biometano, cuja minuta de decreto (na íntegra) acaba de passar por consulta pública, o Ministério de Minas e Energia (MME) decidiu antecipar os trabalhos de Análise de Impacto Regulatório (AIR) do programa de incentivo ao biocombustível.

  • A janela para colocar de pé o mandato em 2026, conforme prevê a lei do Combustível do Futuro, será apertada e o governo quer dar celeridade.

O próprio decreto, aliás, está sendo desenhado para simplificar as complexidades inerentes ao programa e viabilizar a implementação da política pública a tempo, sinalizou na quarta (21/5) o secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes.

Para além da regulamentação – e da fixação do mandato pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) – caberá à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) uma agenda importante.

Os desafios não são pequenos. As metas de descarbonização, que, ao fim, incentivarão o mercado de biometano, deverão considerar os efeitos sobre a competitividade do gás natural e serem calibradas com base na disponibilidade do biocombustível.

O dimensionamento dessa oferta é um ponto controverso no mercado e deverá dialogar, por fim, com o novo Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano – que está no forno.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) encerra no próximo dia 31 de maio a chamada pública que visa identificar o potencial de oferta e demanda de gás e biometano e trabalha para publicar a primeira edição do planejamento no segundo semestre e subsidiar, assim, o CNPE na definição do mandato.

Nesse contexto, agentes como o IBP, que representa os produtores de gás (a parte obrigada a cumprir o mandato) e a Abrace (grandes consumidores de energia), pedem um regime transitório para implementação do programa – com metas mais baixas e flexibilização das penalidades.

A seguir, a gas week apresenta os próximos passos da regulamentação do programa de incentivo ao biometano e os desafios por trás deles.



O superintende adjunto de Biocombustíveis e de Qualidade de Produtos da ANP, Fábio Vinhado, afirmou que a agência pretende trabalhar em duas resoluções este ano, para complementar a regulamentação: 

  • uma com os desdobramentos das metas de descarbonização definidas pelo CNPE: a ANP terá o papel de disciplinar a alocação das obrigações entre os agentes, com base na proporção da participação de mercado das empresas no gás natural;
  • e uma sobre as certificações: a ANP regulamentará os procedimentos para credenciamento do agente responsável pela certificação do produtor de biometano, para emissão dos certificados de origem (os CGOBs);

Segundo Vinhado, em princípio, a agência pensou em reunir nessa mesma resolução as questões de verificação de lastro para emissão dos CGOBs. “Até para diminuir o custo regulatório, ganhar prazo”, disse, durante a audiência pública do decreto, na quarta.

Tudo isso deverá ser incorporado à nova agenda regulatória 2025/2026 da ANP, que promete vir mais enxuta, buscando um cronograma mais factível e alinhado à realidade operacional da agência, ante o ceticismo geral com a capacidade de entrega do regulador.

O decreto atribui à agência mais um papel no desenho dessa política: a ANP poderá lançar chamadas públicas para contratação da molécula, com CGOBs associados, para atender às metas de aquisição dos agentes obrigados – e ofertar créditos retidos.


Para que o CNPE chegue à definição da meta, em si, ainda há um caminho a ser percorrido. Concluída a consulta pública da minuta do decreto, o MME vai analisar as mais de 800 contribuições recebidas (de 60 agentes) para fechar a regulamentação, que seguirá então para a Casa Civil.

Há também, nessa estrada, uma fase de avaliação do mercado – momento de alinhamento das perspectivas de oferta, com base na interação com o setor privado, os estudos da EPE e o resultado da chamada da Petrobras para aquisição de biometano. Etapa crucial para calibrar o mandato.

A intenção do MME, segundo Pietro Mendes, é definir uma meta global indicativa para até cinco anos, para dar mais previsibilidade ao mercado. 

A primeira meta, a princípio, precisa ser definida até 1º de novembro. A AIR com a meta ainda passará por consulta pública (30 dias) antes de ir ao CNPE.Relembre:

  • o mandato do biometano (saiba os principais pontos da lei), não é volumétrico – como ocorre, por exemplo, com a adição obrigatória do biodiesel no diesel. É uma meta de descarbonização 
  • ou seja, o CNPE ainda terá de definir uma meta volumétrica anual com base na equivalência entre o biometano e a emissão de carbono. A meta inicial, prevista em lei, é de 1% de descarbonização a partir de 2026. 
  • a lei diz que a meta pode ser atingida pela compra e uso de molécula de biometano ou aquisição dos CGOBs. O MME propõe que o CGOB seja único instrumento de comprovação das metas.

Um dos principais pontos de debate no mercado é sobre a real disponibilidade de biometano – afinal, a definição do mandato partirá desse diagnóstico.

  • Uma meta de descarbonização de 1% implica numa meta volumétrica de 686 mil a 961 mil m³/dia de biometano.

Depende das premissas adotadas (intensidade de carbono e Poder Calorífico Inferior do gás natural), estima um estudo recém-publicado pelo presidente da Associação Internacional de Economia da Energia (IAEE), Edmar Almeida, com os consultores da Prysma E&T, Felipe Freitas e Gustavo Soares (leia na íntegra)

De acordo com dados da ANP, existem 12 plantas construídas e autorizadas a comercializar biometano no país. Elas somam uma capacidade instalada de 747 mil m³/dia – embora a produção nacional, efetiva, tenha sido de cerca de 226 mil m³/dia em 2024.

A previsão, com base nos pedidos de autorização em análise na agência, é que essa capacidade atinja 1,5 milhão de m³/dia no primeiro semestre de 2026 e 1,96 milhão de m³/dia no primeiro semestre de 2027.

Os números da ANP, porém, não traduzem a real capacidade instalada. Desconsideram, por exemplo, o biometano produzido hoje para autoconsumo.

Centro Internacional de Energias Renováveis e Biogás (CIBiogás) pretende publicar nos próximos dias a atualização desses números. O último relatório (na íntegra, em .pdf) apontava em 2023, por exemplo, a existência de 23 plantas em operação, mas não comerciais.

Existe uma percepção no mercado, hoje, de que uma parte do mandato do biometano será atingido, nos primeiros anos, por essas unidades de autoconsumo – que, pelos termos do decreto, poderão emitir e vender CGOBs.

Produtores que direcionam o biogás para geração elétrica também poderão ser incentivados, com o mandato, a destinar o gás renovável para produção de biometano (e comercializar CGOBs). Segundo o Cibiogás, em 2023 cerca de 1,2 mil plantas de biogás usavam o biogás para geração de energia elétrica.

Entre os produtores de biometano, o discurso é de que o mandato ajudará a dar tração ao mercado e atrair investimentos e que 

A Abiogás, que representa a indústria de biogás e biometano e uma das articuladoras da inclusão do mandato no Combustível do Futuro, estima que, até 2032, o mercado brasileiro terá pelo menos 200 plantas – com uma capacidade de produção de quase 8 milhões de m³/dia.

O diretor de Engenharia e Implantação da Orizon VR, Jorge Elias, citou que existe uma rampa de crescimento esperada já a curto prazo. Só a empresa, segundo ele, espera colocar este ano mais duas plantas em operação (em Paulínia/SP, com a Edge, e em Jaboatão dos Guararapes/PE) e que adicionarão uma capacidade de produção total de 300 mil m³/dia.

“Aqueles que têm a necessidade, ou que têm intenção de compra, tenham a certeza que é um mercado que está crescente. É um mercado que tem muito a ser desenvolvido, mas haverá entrega, haverá o produto, haverá capacidade produtiva”, disse.

Não é um consenso. Há uma visão geral, entre investidores, de que não faltam projetos para que o mandato de até 10% previsto na lei seja alcançado na próxima década. Mas que o cenário macroeconômico, de taxas de juros elevadas, por exemplo, impõe seus desafios.

Entidades como o IBP e Abrace, que se opuseram ao mandato, porém, têm manifestado a preocupação quanto à real disponibilidade do gás renovável e de certificados no mercado, sobretudo, no primeiro ano.

“Temos no biometano uma escala pequena, uma dispersão geográfica, uma logística mais complicada. Estamos preocupados com o timing da oferta”

“Porque tem muito potencial, nós sabemos disso, mas potencial não é capacidade produtiva. E capacidade produtiva não é produção”, disse a diretora de gás natural do IBP, Sylvie D’Apote, na audiência pública.

Um ponto a ser pacificado na definição das primeiras metas será como tratar o mercado voluntário existente de biometano – isto é, aquele fruto de negociações bilaterais entre agentes, por fora do mandato. 

  • o decreto diz que a estimativa de CGOBs aposentados pelos agentes do mercado voluntário será descontada da meta de descarbonização.

A proposta do MME gerou críticas por parte dos consumidores industriais, potenciais compradores de CGOBs. A Abrace entende que há riscos de que o mercado voluntário existente não seja devidamente reconhecido. E, ao cabo, isso pode distorcer a fixação do mandato.

O diretor de gás natural da Abrace, Adrianno Lorenzon, pondera que existe um desafio posto de como mensurar esse mercado voluntário existente.

Ele cita que já há um volume de biometano comercializado, sobretudo fora da rede de gasodutos, por caminhões e sem a emissão de certificados, necessariamente. E que, da forma como está sendo proposta a regulamentação, esse volume não vai ser contabilizado.

“Por isso a gente tem que ser muito cauteloso, principalmente nesse início de obrigação. Talvez estabelecer um período transitório de teste para que a gente não dê um passo maior do que a perna”, comentou Lorenzon na audiência.

A Abrace defende que a ANP, como órgão que autoriza a operação das plantas de biometano e tem acesso aos contratos de comercialização, deveria assumir o papel de mapear os volumes movimentados hoje no mercado voluntário, para fins de abatimento da meta – desvinculando essa contabilização dos CGOBs emitidos e declarados, como propõe o MME.

O assunto também reverberou no setor sucroalcooleiro, representado pela Unica. Os usineiros são a favor do mandato e do modelo mais simplificado desenhado pelo MME.

Mas o diretor de Inteligência Setorial da entidade, Luciano Rodrigues, ponderou que existe, na proposta, um risco de desestímulo à participação de agentes não obrigados na compra dos certificados.

“O entendimento de quem está no mercado voluntário é de que, se estou comprando o CGOB, estou tirando esse custo de alguém que já teria que descarbonizar. Então não estou tendo uma descarbonização adicional”.

O debate envolve o princípio da adicionalidade. No mercado de carbono, os projetos, para gerar créditos, devem garantir uma redução adicional de emissões – algo que não teria ocorrido de forma natural ou por outros meios.

Pietro Mendes justificou o desenho do modelo de funcionamento do mandato: a adoção do CGOB como único instrumento para comprovar a meta de descarbonização do novo programa de incentivo ao biometano e a obrigação de o produtor de gás aposentar o certificado para cumprir suas metas.

Segundo o secretário, a ideia do modelo proposto é mitigar a complexidade do novo mandato e a preocupação com a dupla contagem – isto é, o risco da descarbonização ser computada mais de uma vez pela mesma molécula.

Ainda segundo Pietro, o modelo adotado evita concentrar a comercialização dos certificados no produtor de gás (elo concentrado, por sua vez, na Petrobras).

“Porque em alguma medida acabaríamos forçando a passar tudo pelo produtor de gás natural e limitaremos as comercializações diretas [o mercado voluntário]”, comentou.

O modelo de comprovação da meta somente via CGOB, portanto, foi o caminho encontrado para assegurar o início do mandato já em 2026, segundo ele, sem maiores complexidades na gestão desses fluxos do certificado.

Gás argentino. O subsecretário de Combustíveis Líquidos e Gasosos da Argentina, Federico Veller, anunciou flexibilização no preço mínimo de exportação, para dar mais competitividade ao gás de Vaca Muerta no Brasil.

– Em mensagem a autoridades dos países vizinhos, o ministro Alexandre Silveira (PSD) pediu uma “solução antecipada” para a liberalização dos preços na Argentina — além de um esforço conjunto para redução dos custos de transporte da molécula pela rota Argentina-Bolívia-Brasil.

– Silveira também afirmou que o Rio Grande do Sul é a “principal porta de entrada” do gás argentino. Acenou ao governador Eduardo Leite, que se filiou ao PSD de olho nas eleições presidenciais de 2026.

– Maior produtora de shale gas da Argentina, a YPF fechou, com a Tradener, seu primeiro acordo para exportação de gás de Vaca Muerta ao Brasil.

Revisão Tarifária em SP. Arsesp abre consulta pública, até 21 de junho, sobre o processo de 5ª Revisão Tarifária da Comgás e da Necta, com a publicação das propostas de plano de negócios de ambas as distribuidoras.

FertilizantesPetrobras assina acordo com Proquigel (Unigel), para encerrar os contratos de arrendamento das fábricas da Bahia e Sergipe. A retomada dos ativos ainda será definida. A última etapa será o envio dos termos ao tribunal arbitral para homologação da sentença.

Licenciamento. A Abegás manifestou apoio à Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovada no Senado e que traz ritos mais simplificados para projetos considerados prioritários pelo governo. Na tramitação, foi incorporado um dispositivo que assegura “procedimentos simplificados e prioridade” aos empreendimentos relacionados à “segurança energética nacional”.

Leilão de Reserva de Capacidade. Aneel extingue os preparativos para o LRCAP 2025, que seria realizado em junho. MME cancelou o certame em abril, após judicialização, por diferentes agentes, das regras originais do leilão.

Opinião sobre o LRCAP I. Pass-through no transporte de gás natural é retrocesso regulatório às custas do consumidor. Proposta socializa prejuízos privados e blinda empresas que, mesmo operando com margens de lucro de até 90%, resistem a revisar suas tarifas ou investir na ampliação da malha. O pass-through é um prêmio à inércia, escreve Aurélio Amaral

Opinião sobre o LRCAP II:O possível subsídio intersetorial pelo setor elétrico protegeria as transportadoras de gás, mas desincentivaria investimentos delas em infraestrutura e desestimularia soluções inovadoras e mais eficientes ao transporte de gás, escreve o professor titular de Direito Administrativo da UERJ, Alexandre Santos de Aragão.

Opinião sobre a revisão tarifária das transportadoras. Nada mais atual que Shakespeare para nos ajudar a refletir sobre o momento do mercado de gás no Brasil. E nada melhor do que o clássico Romeu e Julieta para pensar especificamente sobre as próximas revisões de tarifas no contexto do fim de contratos legados, escreve o sócio de Óleo e Gás do Lefosse, Felipe Boechem.

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