gas week

Os caminhos para o debate sobre a harmonização regulatória no gás 

MME espera avançar, em 2025, na pauta da harmonização e inicia aproximação com os agentes do setor

Secretário de Petróleo e Gás do MME defende soluções para adiar devolução de campos e descomissionamento. Na imagem: Pietro Mendes fala durante evento 'O Papel do Gás Natural em uma Transição Energética Sustentável, Acessível e Justa', em 11/9/2024 (Foto Luiz Alves/MME)
Pietro Mendes fala durante evento "O Papel do Gás Natural em uma Transição Energética Sustentável, Acessível e Justa" | Foto Luiz Alves/MME

PIPELINE. O Ministério de Minas e Energia espera avançar, em 2025, na pauta da harmonização regulatória. Primeiras reuniões de aproximação com os agentes do setor já dão um termômetro de quais são os caminhos possíveis.

Senado marca votação do Paten sem gas release. YPFB assina 1º contrato operacional internacional para envio de gás argentino ao Brasil. Braskem negocia gás com Petrobras para expansão no Rio. Vale assina contrato com Edge. As repercussões da polêmica revisão tarifária da Sulgás e mais. Confira:


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Ministério de Minas e Energia (MME) espera avançar, em 2025, nos esforços de harmonização regulatória, por meio de um pacto nacional sobre o tema.

A pasta se reuniu em novembro com representantes das distribuidoras de gás canalizado e agências reguladoras estaduais, a fim de iniciar um canal de aproximação sobre a iniciativa.

E prepara, para entre o fim deste ano e início de 2025, uma tomada pública de contribuições sobre o pacto.

Mas, afinal, quais são os caminhos possíveis para essa harmonização?

O MME espera, com a tomada pública, mapear melhor as rotas. As primeiras interações, porém, já funcionaram como um termômetro do debate, sinalizando os pontos de maior abertura e aqueles mais controversos.

A seguir, a gas week apresenta alguns insights sobre essas primeiras reuniões de aproximação entre estados e União; e analisa alguns dos pontos que são candidatos a entrar em pauta nos próximos meses, dentro da agenda de harmonização. Para ficar de olho.



Um dos saldos dessas primeiras rodadas de aproximação do governo federal com os estados e distribuidoras é a constatação de que a agenda da harmonização é ampla.

Vai muito além da interação União-estados, na tentativa de apaziguar conflitos federativos.

Passa também por questões ligadas exclusivamente à regulação na esfera federal; e outras restritas às concessões estaduais.


A homogeneização das regras estaduais é um pleito recorrente entre consumidores e comercializadores de gás.

Um dos principais recados das agências e distribuidoras estaduais, nesse debate, porém, é que não se trata (necessariamente) de discutir padronizações nas regulações. 

Afinal, cada estado tem um mercado com características e vocações econômicas próprias, concessionárias em diferentes momentos de maturidade de seus negócios; relações mais amistosas (ou não) entre os estados e os acionistas privados das distribuidoras etc.

Outra conclusão é de que nem tudo, na tentativa de harmonização entre União e estados, passa pelas agências reguladoras. E que os estados não formam um bloco homogêneo de visões e interesses.

“Muitas regulamentações são feitas nos estados pelas assembleias legislativas. Muito tem o Poder Executivo de cada estado influência sobre as questões que estão na sua esfera de competência”

“E nós temos visões diversas no Brasil sobre isso”, comentou Vladimir Paschoal, conselheiro da Agenersa (RJ) e coordenador da Câmara Técnica de Petróleo e Gás da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), em workshop promovido pelo MME no dia 19/11 para tratar do assunto da harmonização regulatória.

Há um caso no Rio que ajuda a ilustrar como o assunto guarda suas complexidades. Uma disputa entre o regulador e a concessionária em torno dos volumes mínimos exigidos para migração de consumidores para o mercado livre. 

A regulação estadual diz que são 10 mil m3/dia, mas o contrato de concessão, da década de 1990, fixou em 100 mil m3/dia – o que limita o universo de indústrias aptas a migrarem. A Naturgy entende que o contrato está acima da regulação (posterior), já que não houve assinatura de aditivo. Impasse posto.

A agenda da harmonização, aliás, passa pela própria interação entre os agentes do mercado. O diálogo entre as transportadoras e o Conselho de Usuários em torno do aprimoramento dos contratos e produtos é um exemplo de como há espaço para padronizações de procedimentos fora da esfera regulatória em si.

A percepção, entre fontes consultadas pela agência eixos, é de que o caminho mais aberto para harmonização, num primeiro momento, está nas questões mais operacionais e contratuais – tanto a nível das distribuidoras quanto das transportadoras (e entre os dois elos da cadeia).

Um exemplo? O alinhamento entre as carteiras de produtos das transportadoras com o das distribuidoras.

“Não adianta, por exemplo, termos um produto interruptível no transporte e não termos na distribuição. O agente vai chegar com o gás interruptível lá e não vai poder entrar, passar da cerca”, comentou a gerente de Assuntos Regulatórios da TAG, Cristina Sayão, no workshop do MME.

Aqui também entra a discussão sobre a sobreposição e duplicidade de penalidades, dentre outros temas.

O desenvolvimento do mercado livre também demandará uma aproximação entre distribuidoras e transportadoras na elaboração dos acordos operacionais (instrumento que define as responsabilidades de cada parte).

Entre as próprias transportadoras, no nível da regulação federal, há hoje um caminho de coordenação a ser percorrido. Na (atrasada) agenda regulatória da ANP, estão temas importantes nesse sentido, como a regulamentação dos códigos comuns de rede; a interconexão e interoperabilidade (que nada mais é do que a harmonização da operação entre transportadores).

Fora a agenda paralela à da ANP, tocada pelas próprias transportadoras, em conjunto, para harmonizar seus contratos. Um trabalho que passa também pela interação com o Conselho de Usuários.

O caso mais emblemático de conflito de competências na regulação do gás – o Subida da Serra, em São Paulo – envolve uma disputa sobre os critérios de classificação de gasodutos.

A ANP já formalizou o interesse de contestar no Supremo Tribunal Federal (STF) ao menos cinco leis estaduais que, no entender do regulador federal, invadem suas competências – sobretudo nesse quesito da classificação.

A harmonização desse ponto passa, em certa medida, pela regulamentação dos critérios técnicos para classificação de gasodutos de transporte. Assunto incluído na agenda regulatória da ANP

Mas esse não é o único objeto das divergências entre União e estados. Um potencial conflito entre os entes federativos surge na fiscalização e autorização do agente comercializador – regras redundantes que aumentam o custo regulatório dos agentes.

Há estados, inclusive, que criaram taxas de fiscalização sobre a comercialização.

São dois pontos litigiosos cujas tentativas de harmonização serão processos mais árduos. Falta consenso entre os próprios estados nesses dois pontos.

Mesmo assim, há espaço para soluções. Matias Soares, diretor da Agems (regulador do MS), defende que uma saída para a questão da fiscalização da atividade de comercialização pode ser a celebração de convênios entre a ANP e as agências estaduais – a exemplo da interação que ocorre na fiscalização das distribuidoras de energia elétrica (nesse caso com a Aneel).

Sobretudo num momento em que a ANP enfrenta dificuldades de recursos para fazer avançar sua agenda regulatória e a fiscalização do mercado.

“Porque há algumas coisas que estão numa área cinzenta [entre a regulação federal e a estadual]”, afirmou Matias Soares.

O diretor técnico comercial da Abegás , Marcelo Mendonça, reforça a posição. No entendimento das distribuidoras, a atuação exclusiva da ANP na regulação da comercialização é insuficiente.

“É necessário essa regulação dentro dos estados por essa aproximação junto aos estados. É preciso estar junto, porque são os estados que conhecem qual é a situação de cada indústria na região”, disse, no workshop do MME.

Mas há um caminho tortuoso para se chegar a uma harmonia nessa discussão, que envolve, em alguns estados, a uma taxa de fiscalização sobre o comercializador. As agências que hoje fazem essa cobrança tendem a relutar a abrir mão da receita.

Usuários e comercializadores, por sua vez, contestam, sob a alegação de que a taxa vai na contramão da busca por competitividade no mercado livre.

E aí entra o debate sobre a isonomia, já que, em geral, nos estados, as distribuidoras pagam uma taxa de fiscalização: afinal, esse custo deve recair somente sobre o mercado cativo ou também sobre o livre?

Existe uma expectativa, com o pacto, de que o debate de alguns pontos mais controversos dentro da harmonização na esfera estadual seja nacionalizado. Um deles é, justamente, a isonomia entre mercados cativo e livre.

As margens de distribuição devem ser menores para os usuários livres?

Esse é um ponto que divide o mercado e que deve entrar nas discussões do pacto. No Rio de Janeiro, há um desconto para os consumidores livres, a partir de um entendimento de que esses clientes não devem arcar com os custos de comercialização da concessionária.

Em Sergipe, há uma discussão em curso também sobre a aplicação do desconto.

A Abegás (distribuidoras) é contra. E até entre os comercializadores não há um consenso. A Galp, por exemplo, já se manifestou a favor da isonomia.

“Porque [a diferenciação] cria incentivos errados, cria distorções de mercado”, comentou o diretor de gás da Galp no Brasil, Thiago Arakaki, no workshop do MME.

O secretário-executivo da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e da Ciência e Tecnologia de Sergipe, Marcelo Menezes, contrapõe:

“[A distribuidora] não tem o risco de crédito, ela não tem risco de uma série de atividades. O percentual [do desconto] eu não sei. Cada distribuidora deve, com a agência, discutir e encontrar um número. Mas eu acho que deve ter um estímulo.. É uma sinalização de estímulo para que ele [usuário] vá para o livre, correspondendo a uma redução da despesa que ele tem com a gestão daquele contrato”.

Enfim, a lista de temas, nessa discussão sobre harmonização das regulações estaduais, é extensa. Para ficar em mais alguns exemplos de pautas que devem vir à tona:

  • Soma de CNPJ: regra que permite que o usuário comprove o volume mínimo para migração para o mercado livre a partir da soma de todos os seus CNPJs (ou seja, o consumo de todas suas unidades e não elas isoladamente). Na prática, amplia o universo de potenciais consumidores livres.
  • Livre alocação: ou seja, o consumidor parcialmente livre poderá escolher quanto de seu volume de consumo será destinado ao mercado cativo e ao ambiente livre.

A expectativa é que o mandato do biometano, introduzido no Combustível do Futuro, também demande esforços de harmonização regulatória.

O desafio, aqui, é ainda maior, se considerarmos que o mercado do gás renovável envolve interações com outros setores, como o de saneamento básico e resíduos sólidos urbanos.

Há também a questão da regulamentação ainda pendente do Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB) – e como isso vai dialogar com os demais créditos de descarbonização, como o CBIO (do Renovabio) e o recém-aprovado marco legal do mercado de carbono.

“Como a gente vai evitar que tenhamos, por exemplo, dupla contagem? Quais são os limites? É possível, por exemplo, que um produtor de biometano emita esses três certificados? Só vai ter que escolher um?”

“Então, são as discussões internas que nós estamos trabalhando aqui no esforço da regulamentação”, disse o secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes, em evento recente sobre os rumos da regulamentação do Combustível do Futuro.

O crescimento do biometano também passa pelo desafio de conexão dos pontos de oferta, pulverizados, à infraestrutura (seja de transporte, distribuição ou GNC/GNL).

A presidente da Abiogás, Renata Isfer, conta que essa conexão passará pela necessidade de discussão de temas como o swap operacional – que permitirá que um produtor injete biometano na rede de distribuição e tenha créditos para retirar um volume equivalente em outro ponto da malha de transporte.

E também pela conexão de redes de distribuição de duas concessionárias diferentes – sobretudo no interior. Bahiagás (BA) e Copergás (PE), por exemplo, já avaliam um projeto conjunto.

“É uma questão que a gente vai ver surgir e que a gente tem que solucionar de forma que isso não encareça o produto e que não inviabilize”, disse Isfer, no workshop do MME.

Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural é um conceito introduzido no Decreto nº 10.712/2021, que regulamentou a Lei do Gás (14.134/2021) 

É um acordo voluntário que formaliza compromissos entre representantes da União e estados em torno da harmonização regulatória. Prevê mecanismos que passam:

  • pela formação de redes de conhecimento coordenadas pelo MME;
  • formulação de propostas de padrões, políticas, guias e manuais;
  • e proposição pela ANP de diretrizes (de adesão voluntária) para a regulação estadual dos serviços locais de gás canalizado.

O MME ainda está se debruçando sobre a proposta. Falta definir, por exemplo, se o pacto será feito entre as agências (ANP e as estaduais) ou entre poderes concedentes.

Serão dadas recompensas aos estados pela adesão? A princípio, segundo fontes, a ideia do ministério é trabalhar na sensibilização sobre o assunto com os agentes, e não com compromissos atrelados a incentivos concedidos pela União – a exemplo da proposta do Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF), do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Uma primeira estratégia tem sido a capacitação de reguladores. A pasta também cogita publicar uma espécie de guia de melhores práticas – ou seja, um pacto prescritivo, com algumas diretrizes para estados interessados.

ministério aposta na aproximação, pela via do diálogo, antes de qualquer judicialização.


Paten sem gas release. O Senado marcou para 4/12 a votação Programa da Aceleração da Transição Energética (Paten). Relator Laércio Oliveira (PP/SE) desistiu das propostas para reduzir concentração da Petrobras no mercado.

Mais gás a caminho. A Equinor recebeu, da Tenaris, 200 km de tubos de aço para o gasoduto do projeto Raia. Um marco para o desenvolvimento do ativo, previsto para começar a produzir em 2028.

Vaca Muerta. A estatal boliviana YPFB assinou seu primeiro contrato operacional internacional para viabilizar a exportação do gás argentino ao mercado brasileiro. O acordo foi fechado com a TotalEnergies e Matrix Energy.

Petroquímica. A Braskem está negociando com a Petrobras os preços do gás natural para uma potencial expansão do complexo petroquímico do Rio (antiga Riopol). (Valor Econômico).

Mercado livre. A Vale assinou um contrato de suprimento de gás natural com a Edge para 2025, no valor de R$ 101 milhões.

Margens de distribuição. A conclusão da revisão tarifária da Sulgás em 2024 marca o primeiro grande revés da Compass, desde que a empresa assumiu o controle da distribuidora gaúcha em 2022. Os impactos podem ir além dos limites da fronteira do estado. Entenda a repercussão do caso.

No Rio. A Naturgy prevê investir R$ 56,6 milhões em 2025 e conectar ao menos 53 mil novos clientes. A empresa chegou a um acordo extrajudicial com o governo do Rio, para encerrar um litígio que se arrastava há anos sobre o reconhecimento de investimentos na tarifa.

Biometano. A Arsesp aprovou o Termo de Utilização de Interconexão (TUI) entre a concessionária Necta e a Usina Santa Cruz, do Grupo São Martinho, o que permitirá a injeção de 75 mil m3/dia a partir do 2º semestre de 2025.

– Marquise Ambiental recebeu da Scania os veículos para o projeto piloto com caminhões coletores a biometano/gás natural que será realizado em Fortaleza (CE) e em Osasco (SP).