PIPELINE.Alexandre Silveira defende rever remuneração da Petrobras no escoamento e processamento e renegociar contratos das transportadoras e das distribuidoras.
As lições da Europa para o gas release brasileiro. Mercado livre em SP se aproxima dos 5 milhões de m3/dia. MME altera diretrizes do leilão de reserva. Problemas no Rota 1 agitam mercado de curto prazo e mais. Confira:
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O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), voltou a colocar o custo das infraestruturas do gás natural no centro da agenda.
Sem se prender a um único vilão, ele defendeu que é preciso baratear o acesso aos sistemas de escoamento e processamento da Petrobras, mas também rever as condições dos contratos das transportadoras e das distribuidoras (de competência dos estados).
Parte do diagnóstico do Gás para Empregar que só baixar o preço da molécula não será o suficiente.
Silveira deu o recado: o “Brasil não pode ficar refém de uns poucos que se colocam acima dos interesses do país”, disse, ao participar do debate sobre competitividade e infraestrutura no mercado de gás, encabeçado pelo próprio MME em Brasília, na última terça (19/3).
Revisão da remuneração da Petrobras no escoamento e processamento; renegociação dos contratos legados no transporte; e a busca de uma harmonização na distribuição foram algumas das sinalizações dadas pelo ministério na ocasião.
Mas, afinal, o que de fato está no radar do MME nessa agenda?
A gas week tenta, a seguir, clarear alguns caminhos possíveis.
A tal remuneração justa e adequada
No escoamento e processamento, Silveira recorreu aos estudos recém-concluídos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre a proposta de remuneração máxima das infraestruturas essenciais da Petrobras para cobrar regulação sobre esses setores – um desafio posto, frente ao princípio legal do acesso negociado previsto na Lei do Gás.
“Daqui para frente, a remuneração será adequada ao capital investido”, afirmou Silveira, que também citou a intenção de “enfrentar cláusulas abusivas” de penalidades nos contratos da Petrobras.
A EPE apresentou uma metodologia para remuneração justa e adequada dos ativos e acredita ser possível uma redução substancial de valores cobrados nos gasodutos de escoamento (SIE) e unidades de processamento (SIP) do Rio de Janeiro e São Paulo, para cerca de US$ 2 por milhão de BTU num primeiro ano.
Para efeitos de comparação, os estudos técnicos do Gás para Empregar estimaram em 2023 que o custo de acesso ao SIE/SIP, controlados pela Petrobras, totaliza US$ 6,4 o milhão de BTU – estimativa construída a partir de oitivas com agentes do setor. O grupo de trabalho não teve acesso, na ocasião, aos valores efetivamente cobrados pela petroleira.
Contexto. A discussão regulatória sobre a remuneração das infraestruturas essenciais tem como pano de fundo os leilões do gás da União – o que passa pelo acesso da PPSA às infraestruturas da Petrobras e à tentativa de baixar esses custos para enquadrá-los dentro da proposta do governo de oferecer um gás mais barato ao setor industrial.
O caminho aqui é a negociação direta entre as duas estatais (uma delas uma sociedade de economia mista com suas particularidades).
A expectativa no governo é que a proposta da EPE funcione como um ponto de partida e bússola para as tratativas entre Petrobras-PPSA.
Por lei, os elos do escoamento e processamento seguem a lógica de acesso negociado. E a intenção do governo, com o novo decreto da Lei do Gás, foi, sem alterar esse princípio legal, abrir uma vereda regulatória para os casos em que as negociações falharem.
A ideia é que a metodologia elaborada pela EPE sirva de norte para as mediações – e a expectativa é que elas recaiam mais cedo ou mais tarde sobre o Comitê de Monitoramento do Setor de Gás Natural.
“Por isso que, para a gente, é tão importante a discussão do escoamento e do processamento. A gente vai ter um aumento da curva de gás da União, saindo de 300 mil m3/dia no ano que vem, atingindo um platô entre 2,5 milhões a 3 milhões de m3/dia [nos próximos anos]. A gente espera que, com essas medidas, esse gás chegue a preços mais competitivos”, resumiu o secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes.
Olho nos contratos legados
No transporte, Silveira pregou, sem entrar em detalhes, a necessidade de renegociação dos contratos legados – aqueles assinados pela Petrobras antes da privatização das transportadoras e que constituem, hoje, a base da remuneração delas.
“Precisamos de modicidade tarifária. Renegociar os contratos legados. Recuperar receita, respeitando toda a segurança jurídica necessária”.
A palavra de ordem, na agenda do governo para transporte, tem sido “freio de arrumação” nas tarifas. O desafio inicial do trabalho do Comitê de Monitoramento será destravar os investimentos na malha de gasodutos, mas ao mesmo tempo dialogar com modicidade tarifária.
E é nesse contexto que surge uma possível renegociação dos contratos legados. Em seu discurso, na terça, o secretário Pietro Mendes antecipou que uma saída para reduzir as tarifas pode ser a extensão dos contratos – ou seja, preservar as receitas das transportadoras, mas diluí-las ao longo do tempo, via aditivo.
Nada concreto ainda. O MME tem mantido uma interação inicial com as transportadoras, para troca de informações. O ministério quer mais transparência sobre os contratos legados e tenta dimensionar como os novos investimentos propostos podem, ao fim, impactar nas tarifas.
Em outras palavras, a tarefa tem sido tentar entender para onde vão as tarifas de transporte daqui para frente, no contexto das revisões tarifárias, vencimento dos primeiros contratos legados e novos investimentos.
A agência eixos apurou que outra pauta que pode surgir nesse debate é a uniformização das tarifas de transporte: a Petrobras trabalha hoje, nos contratos legados, com tarifas e flexibilidades na alocação de entrada e saída diferentes do restante do mercado e a ideia é dar isonomia a essa relação.
A adequação dos contratos legados ao modelo de entrada e saída era algo previsto na Lei do Gás, de 2021, que deu um prazo de até cinco anos para que o ajuste fosse feito, respeitadas as receitas das transportadoras.
Lembra? A renegociação dos contratos legados, aliás, está presente no relatório produzido pelo Comitê 2 do Grupo de Trabalho do Gás para Empregar (.pdf).
O documento elenca uma série de propostas de ações para o Comitê de Monitoramento e recomenda que o órgão avalie os impactos dos contratos legados nas tarifas de transporte nos próximos anos, além dos possíveis efeitos da descontratação das térmicas.
E cita que a renegociação seria uma forma de viabilizar “espaço para novos investimentos no sistema de transporte dutoviário, sem provocar aumento da tarifa de transporte”.
Harmonização na distribuição
Silveira discursou, por fim, que o que será feito no transporte será um exemplo para o setor de distribuição.
O ministro manifestou, nesse sentido, apoio à iniciativa do estado de Sergipe de revisar os termos do contrato de concessão da Sergas — incluindo aí a redução da taxa de investimento da distribuidora estadual de gás canalizado:
“Não podemos mais tolerar capitanias hereditárias no setor de distribuição de gás natural. Precisamos retirar as amarras dos consumidores cativos”, disse.
O assunto é de competência dos estados. A ferramenta nas mãos do MME, nesse caso, é a proposta do Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural.
Trata-se de um conceito introduzido no Decreto nº 10.712/2021, que regulamentou a Lei do Gás de 2021: um acordo voluntário que formaliza compromissos entre representantes da União e estados em torno da harmonização regulatória e que passa, dentre outros mecanismos, pela pela proposição pela ANP de diretrizes para a regulação estadual dos serviços locais de gás canalizado.
O MME se escora na Resolução 3/2022 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que recomenda à pasta de Minas e Energia incentivar os estados a adotarem reformas e medidas estruturantes na prestação de serviço de gás canalizado, incluído eventual aditivo aos contratos de concessão para refletir boas práticas regulatórias, recomendadas pela ANP.
Isso inclui, dentre outros pontos:
- transparência na metodologia de cálculo tarifário e na definição dos componentes da tarifa;
- adoção de metodologia tarifária que de/os corretos incentivos econômicos aos investimentos e à operação eficiente das redes;
- que os estados avaliem a definição de novo contrato de concessão em casos de privatização das concessionárias locais.
Uma tomada pública de contribuições sobre o pacto é aguardada para 2025.
GÁS NA SEMANA
Gas release. A experiência europeia mostra que os resultados dos programas de desconcentração de mercado dependem do contexto de cada país, mas que no geral ajudaram a desafiar o agente dominante e a acelerar a concorrência interna onde as reformas pró-abertura não surtiram os efeitos esperados, conclui um estudo da EPE.
Mercado livre. O volume de gás contratado no ambiente livre, em São Paulo, deve atingir a marca dos 5 milhões de m³/dia em junho, estima a Arsesp. Isso representa quase a metade da demanda industrial por gás no estado.
Gato do Mato sem gás. A Shell Brasil tomou a decisão final de investimento no projeto do pré-sal. A previsão é que o campo comece a produzir em 2029 e que o gás seja reinjetado para suporte à pressão do reservatório, com possibilidade futura de exportação de gás.
LRCAP. O MME alterou as diretrizes do leilão de junho e reestabeleceu o CVU inicialmente previsto para as termelétricas a biodiesel. O assunto foi alvo de judicialização.
– O ministro Alexandre Silveira (PSD), aliás, levantou dúvidas sobre a real utilização de biodiesel pelas usinas a diesel que pretendem concorrer no certame com projetos de conversão para biocombustível
– E o governo tem olhado com mais atenção para as diferentes tecnologias que podem ser incluídas nos futuros leilões de potência, dentre elas as hidrelétricas reversíveis.
Susto. Problemas operacionais na plataforma de Mexilhão, cuja produção é enviada pela Rota 1 até a UTGCA (SP), forçaram a Petrobras a mudar o fluxo de escoamento de parte do gás do pré-sal para o Rio e movimentaram o mercado de curto prazo recentemente.
Legislativo. O Instituto de Petróleo, Gás e Energia (Ipegen), braço técnico da Frente Parlamentar em Apoio ao Petróleo, Gás Natural e Energia (Freppegen), será lançado dia 25/3, em Brasília. A missão é apoiar a elaboração de políticas públicas e fortalecer a agenda do setor.
Comercialização. ANP autoriza grupo Diamante a entrar na comercialização de gás. A companhia opera o complexo termelétrico Jorge Lacerda (740 MW), em Santa Catarina, e se prepara para o futuro sem geração a carvão.
Opinião: É desejável que a conciliação no STF sobre a competência de regulação do gasoduto de distribuição Subida da Serra, em São Paulo, procure como elemento central o empoderamento do consumidor e o interesse do país, escreve o sócio-fundador da ARM Consultoria, Bruno Armbrust.