PIPELINE. ANP abre debate sobre short haul e tarifas diferenciadas para térmicas e estocagem. Veja quem é quem nessa discussão.
Usuários pedem redução nas tarifas de curto prazo. Empresários desenham projeto da Bolsa Brasileira de Gás Natural e Biometano. Autorizações para importação da Argentina dispararam e mais. Confira:
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A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aproveitou o embalo da consulta prévia sobre a revisão dos critérios de cálculo das tarifas dos gasodutos de transporte (Resolução 15/2014) para introduzir um debate sobre a criação de tarifas diferenciadas.
E decidiu consultar o mercado sobre demandas de diferentes agentes, para concessão de descontos para instalações de estocagem subterrânea de gás; tarifação diferenciada para termelétricas; e a criação da tarifa de transporte de curta distância (o short haul).
A expectativa interna, na agência, é que a nova resolução com os critérios de cálculo das tarifas de transporte seja publicada até o fim do ano – uma discussão que caminha em paralelo à revisão tarifária das transportadoras.
É um dos temas prioritários dentro da agenda regulatória 2025/2026, que promete vir mais enxuta, buscando um cronograma mais factível e alinhado à realidade operacional da ANP, ante o ceticismo geral com a capacidade de entrega do regulador.
A seguir, a gas week faz um mapeamento de quem é quem no debate sobre as tarifas diferenciadas, na tentativa de captar o termômetro das discussões no mercado sobre short haul e tarifas para estocagem e térmicas.
Short haul opõe Sergipe e Eneva
A criação de uma tarifa diferenciada para o transporte de curta distância, proposta pelo governo de Sergipe em 2022, tem o apoio de Minas Gerais – estado que não produz gás nem abriga terminais de GNL, mas que conta com presença de grandes indústrias e tem vocação para o biometano.
O short haul encontra eco (com ressalvas) também entre grandes indústrias e produtores//comercializadores. A ideia do modelo é, justamente, reduzir os custos para indústrias interessadas em se instalar próximas ao suprimento.
Mas esbarra na oposição de transportadoras e distribuidoras, bem como da Eneva – dona do terminal de regás de Sergipe, a maior fonte de gás do estado.
A companhia argumenta que o short haulintroduz distorções concorrenciais e pode comprometer a interiorização da malha – já que as principais fontes de suprimento do mercado brasileiro, hoje, estão concentradas no litoral. Além de que o conceito fere a isonomia entre os usuários do sistema.
O pleito de Sergipe não prosperou dentro da ANP. Mais recentemente, em 2024, o senador Laércio Oliveira (PP/SE) tentou, sem sucesso, emplacar o short haul dentro do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), do qual era relator. (relembre os detalhes)
Não contou, na ocasião, com apoio do Ministério de Minas e Energia. A medida é criticada pelos efeitos da pressão tarifária no restante dos carregadores.
E há, ainda, uma leitura de que a proposta concentraria os investimentos no Rio de Janeiro, que recebe duas das três grandes rotas de escoamento do pré-sal.
Na consulta prévia aberta pela ANP, o governo de Fábio Mitidieri (PSD) voltou a defender a tarifa diferenciada (veja a proposta na íntegra).
Justifica que ela funcionaria como uma resposta regulatória ao risco de by-pass — conexão de pontos de suprimento a eventuais consumidores por meio de gasodutos dedicados, sem passar pela malha de transporte.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, do governo de Romeu Zema (Novo), endossou o pleito. Defende que o short haul pode incentivar a criação de hubs de gás, reduzindo custos.
Agentes sugerem contornos para short haul
A maioria dos agentes que se posicionou a favor do short haul sugeriu a definição de limites para a medida. Separamos algumas das principais ideias:
Desconto proporcional. A PetroReconcavo sugere uma modelagem de tarifa proporcional à distância e ao volume transportado; e mecanismos de compensação para mitigar impactos aos demais carregadores.
Gasodutos dedicados. Galp e MTX Comercializadora também assumem que o short haul pode ser implementado em casos específicos – citam a possibilidade de construção de um gasoduto dedicado no qual a tarifa seria correspondente ao custo da construção do trecho.
Critérios. A Yara Fertilizantes defende que o modelo seja estruturado para evitar distorções tarifárias ou subsídios cruzados entre os diferentes tipos de usuários. E sugere critérios bem definidos e análise prévia de impacto. Já a CSN recomenda que a tarifa diferenciada seja concedida por rota específica e não por ponto de entrada/saída, para limitar bem o escopo.
Fator distância. A Fiesp acrescenta que uma distância máxima fixada seja definida para concessão do benefício. GBS Storage (estocagem) e GNLink (GNL small-scale), ambos do grupo Lorinvest, chegam a sugerir à ANP que a tarifa diferenciada seja aplicada a carregadores localizados até 50 km da fonte de suprimento, com volumes limitados por dia.
Sistemas isolados. A Mitsui defende que o short haul deve ser avaliado em caso de interconexões estaduais em regiões isoladas do sistema integrado.
Mais estudos. A Abrace (grandes consumidores de energia) defende que, com o nível de informação atual, não é possível avaliar o custo-benefício das tarifas de curta distância, nem mensurar o risco de evasão do sistema.
E sugere que a ANP faça uma discussão mais detalhada, a partir de estudos e simulações da alocação de capacidade – pleito compartilhado pelo IBP (produtores), Conselho de Usuários e Fórum do Gás.
Na contramão da postalização. O short haul vai, em certa medida, na contramão das tarifas postais, conceito resgatado pelo decreto 12.153/2024 e que está na agenda inicial do Comitê de Monitoramento do Setor de Gás.
Quem é contra: representadas pela ATGás, as transportadoras argumentam que o short haul não traz benefícios sistêmicos ao mercado brasileiro, dentro de sua realidade. Os impactos de uma tarifa diferenciada de curta distância sobre os demais usuários seriam semelhantes àqueles gerados pelo by-pass.
Mas acrescenta que eventuais excepcionalidades que tragam benefícios comprovados a todos os usuários do sistema podem ser analisadas pela ANP individualmente.
A Commit vê riscos de subsídios cruzados. E cita que a metodologia adotada atualmente pela ANP, de tarifa ponderada pela capacidade e pela distância, já dispõe de um componente de distância para diferenciação.
Ainda entre os opositores, a Comgás sugere que, caso a ANP opte pelo short haul, a modelagem dessa tarifa garanta neutralidade econômica (evitando impactos desproporcionais aos demais carregadores); critérios objetivos de aplicação; e consulta pública e análise de impacto regulatório.
Estocagem deve pagar tarifa?
A discussão sobre descontos nas tarifas de transporte para instalações de estocagem subterrânea é oportuna, já que a ANP se debruça, hoje, justamente, sobre o pedido de autorização da Origem/TAG para o primeiro projeto do tipo no país – e outros agentes miram o negócio, como a GBS Storage.
A agência reconhece que a estocagem cumpre um papel importante de flexibilidade e que a concessão dos descontos é uma realidade em mercados maduros como o europeu. Qual seria, então, o nível de desconto razoável?
TAG/Origem, partes diretamente interessadas na discussão, defendem que, conceitualmente, as instalações de estocagem não configuram uma fonte primária de oferta ou de demanda da malha, uma vez que os usuários da rede já pagam tarifas de transporte de entrada e saída na importação/produção e na retirada de gás do sistema.
Não representam, nesse sentido, injeção/retirada líquida do sistema. A TAG acrescenta que conceder um desconto para as tarifas de interconexão com estocagem seguiria a lógica dos descontos atualmente praticados nos pontos de interconexão entre transportadores. A Shell vai na mesma linha, ao defender uma tarifa simbólica.
Com o chapéu duplo de quem desenvolve o projeto de estocagem e também de quem opera a rede de gasodutos do Nordeste, a TAG sugere um desconto de 95% – patamar dentro da faixa utilizada no mercado europeu.
A transportadora cita que em 2021, antes da guerra da Ucrânia, 20 de 29 transportadores europeus conectados a instalações de estocagem praticavam descontos entre 75% e 99% – depois do conflito, os descontos foram ampliados para 100%, para reforçar a segurança de abastecimento.
A GBS, que mira a conversão do campo de Manati (BA) num ativo de estocagem, defende um desconto da ordem de 95%; e a Brava Energia, sua sócia em Manati, propõe 100%.
Mas não só os agentes interessados em investir no negócio veem com bons olhos os descontos, como também potenciais usuários do serviço – dentre eles a CSN, um dos clientes livres mais ativos no mercado spot, e a Galp, produtora de gás do pré-sal, cuja característica associada ao petróleo também faz dela uma potencial usuária.
Ambas defendem o desconto de 100% – a Galp pede um prazo definido, para evitar que se torne um subsídio permanente. Dentre outras defensoras da concessão de descontos, estão em geral os produtores/comercializadores (como a PetroReconcavo e MTX Comercializadora), a Yara Fertilizantes e a Abraget – que representa as termelétricas, potenciais clientes do serviço como solução para o despacho cada vez mais flexível.
Entre as transportadoras, a TBG alinhou seu discurso à TAG. E a NTS defendeu que os descontos nas tarifas sejam negociados livremente entre as partes, mantendo a independência do transportador na gestão do seu mercado.
Agentes apresentam ressalvas aos descontos
A Abrace se posicionou a favor dos descontos, mas com cuidados para que eles não distorçam ou gerem efeitos negativos sobre a comercialização da molécula; ou tragam custos adicionais aos carregadores – como aqueles associados ao gás para uso do sistema (GUS) e operação e manutenção. Sugere, por fim, que a ANP avalie o impacto tarifário.
O IBP, nesse ponto, destaca que o percentual de desconto a ser aplicado deve ser calculado a partir de estudos e avaliações específicas. E que é importante que os descontos sejam bem calibrados.
A Abegás (distribuidoras) sugere que a tarifa reflita os custos próprios daquele ponto, de forma a não inviabilizar a atividade de estocagem, mas também não comprometer quem não utiliza o serviço.
Há quem seja, aliás, contra a concessão dos descontos – em especial as distribuidoras (Comgás/SP, Cigás/AM e Sulgás/RS), além da Mitsui e Commit (Compass/Mitsui), acionistas de concessionárias. A Fiesp também se opõe.
O argumento central, aqui, é o da isonomia entre os carregadores do sistema – que funciona como um condomínio: se o número de usuários cai, aumenta o valor a ser pago pelos demais.
A Comgás acrescenta que as instalações de estocagem utilizam a infraestrutura de transporte de maneira comparável a outros usuários e, portanto, devem estar sujeitas às mesmas condições tarifárias.
E pede que, caso a ANP decida pelos descontos, que eles sejam adotados em contextos muito específicos – e que sejam temporários, com mecanismos para revisão periódica desses incentivos.
A Origem contra-argumenta que cobrar uma tarifa de transporte sobre a atividade de estocagem não contribuiria para a modicidade tarifária do sistema, porque o gás retirado da armazenagem não configura em si aumento de mercado – e sim uma transferência de volume de um momento para outro.
Tarifas flexíveis para térmicas flexíveis
O debate sobre as tarifas diferenciadas para as térmicas ganhou visibilidade no contexto do leilão de reserva de capacidade de junho, cancelado e que ainda aguarda seu relançamento pelo MME, com novas regras.
Tem como pano de fundo o debate sobre a competitividade das térmicas conectadas na malha de gasodutos nas licitações – e o risco de fuga de demanda do sistema, com impactos tarifários sobre todo o sistema.
A ANP questionou o mercado sobre qual deveria ser a metodologia de uma tarifação diferenciada para as usinas, dado o impacto na tarifa paga pelos demais carregadores. E aí surgem duas principais frentes:
- a proposta de criação de uma tarifa binômia, composta por uma parcela fixa e outra variável (cobrada apenas no despacho das usinas);
- e o pass-through: o repasse direto do custo de uso do transporte (com base na tarifa aprovada pela ANP) ao gerador, para que a despesa deixe de compor a Receita Fixa (e, por consequência, seja critério de seleção de lance vencedor no leilão).
O modelo do pass-through não passa, necessariamente, pela ANP – seria uma regra estabelecida no edital dos leilões. É a preferência da ATGás e está presente também nas contribuições da NTS e TAG (aqui vale o registro de que a participação na consulta da ANP é anterior ao cancelamento do leilão).
A TBG, por sua vez, vê na tarifa binômia uma saída. Pela proposta, a térmica assinaria com a transportadora um contrato firme com um percentual de capacidade de acordo com a sua necessidade histórica; e uma tarifa variável conforme demanda.
Para a usina, o custo com a contratação de capacidade tende a ser inferior ao custo de contratação 100% firme o ano todo. E para o sistema de transporte, o volume adicional da térmica implicaria em redução de tarifa do sistema (no caso de térmicas já contratadas a sua saída iria implicar em aumento tarifário para todo o sistema).
Essa proposta já foi levantada pela Petrobras, no passado, e, na consulta, foi objeto de contribuições da Eneva, MTX, Galp, Shell, CSN, Brava, dentre outras.
A Abraget argumenta que ter as usinas conectadas e “pagando pouco” é uma situação menos ruim para os demais agentes do que a ausência das térmicas do sistema, por falta de economicidade.
A Brava Energia defende que o conceito da tarifa binômia pode ser replicada a outros consumidores que busquem contratação em condições semelhantes.
A Commit pondera que a diferenciação entre segmentos de usuários, na distribuição, é feita por meio da estrutura tarifária e considera inúmeros princípios regulatórios (como eficiência econômica, capacidade de pagamento dos usuários, perfil da demanda etc) e que a tarifação diferenciada para termelétricas deve considerar as melhores práticas regulatórias.
A CSN sugere a criação de uma conta gráfica apartada para o setor termelétrico, dividindo a receita fixa a ser recuperada entre o segmento térmico e os demais segmentos.
Integração dos setores de gás e energia
O Conselho de Usuários vê, nessa discussão, uma necessidade de avanço na harmonização com o setor elétrico. E pede que o assunto das tarifas diferenciadas para termelétricas envolva, nesse sentido, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Ressalvas. A Abrace alerta que o dimensionamento da tarifa binômia deve preservar o montante de receita a ser recuperado por este segmento, para assegurar que a flexibilidade que está sendo demandada pelo setor elétrico não seja subsidiada pelos carregadores de gás natural.
E quem é contra as tarifas diferenciadas para térmicas? A Fiesp se posicionou.
A Abegás sugere que a ANP aprofunde os estudos, para evitar a implementação de subsídios que possam comprometer a competitividade do setor.
E caso a ANP avance com essa proposta, a Comgás pede que a modelagem considere critérios objetivos e transparentes; busque a cooperação com os entes estaduais; preserve o equilíbrio econômico-financeiro da malha, evitando impactos desproporcionais para os demais carregadores; e passe por avaliação de impacto regulatório.
GÁS NA SEMANA
Mais consulta prévia.Saldo da Conta Regulatória das transportadoras deveria ser usado, prioritariamente, para ajudar a reduzir as tarifas, defendem usuários.
– Os carregadores também pedem à ANP uma redução no adicional pago pela contratação de capacidade de transporte a curto prazo, de forma a incentivar mais o mercado spot.
Bolsa do gás. Um grupo de empresários do setor abriu conversas com ANP para criar a Bolsa Brasileira de Gás e Biometano. Projeto está sendo faseado: ideia é começar como plataforma eletrônica de marketplace, na comercialização de molécula; e, no futuro, reunir soluções financeiras.
Gás argentino. Autorizações para importação do país vizinho dispararam desde 2024. Foram 15 novas licenças no período, segundo ANP. Caso mais recente é o da Eneva. Veja a lista
– Tradener fez seu primeiro teste de importação da Argentina. Molécula foi fornecida pela Pampa Energía, proveniente de Vaca Muerta.
Rota 3. Petrobras iniciou operação do segundo módulo da UPGN do Complexo de Energias Boaventura (antigo Comperj), em Itaboraí (RJ).
– EPE recomenda autorização para nova UPGN Miranga, da PetroReconcavo. É a 1ª análise concluída pela estatal dentro do novo desenho da governança do setor, desde que EPE passou a subsidiar a ANP na outorga de novos projetos.
Distribuição. Sergipe mantém estratégia de adquirir a participação da Mitsui na Sergas para assumir o controle completo da distribuidora. Confira a entrevista com o governador Fábio Mitidieri durante a OTC 2025, em Houston, Texas.
Estocagem. Brava estuda transformar Manati numa instalação de armazenamento de gás, disse o CEO, Décio Oddone, ao estúdio eixos na OTC.
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