Gás Natural

O gás novo do Brasil, além do offshore

Enquanto a indústria do gás natural aguarda novas rotas de gasodutos offshore, um “gás novo” de fontes subaproveitadas ganha novo dinamismo

O gás novo do Brasil, além do offshore. Na imagem, operações da Origem Energia no Polo Alagoas, de produção de petróleo e gás natural (Foto: Divulgação)
Operações da Origem Energia no Polo Alagoas, de produção de petróleo e gás natural (Foto: Divulgação)

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Editada por André Ramalho
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A gas week vai dar uma pausa neste mês de novembro, mas estará de volta em breve com a cobertura especial de mercado e políticas para o gás.

PIPELINE Enquanto a indústria de gás natural ainda aguarda uma definição clara sobre o futuro das novas rotas de gasodutos offshore, o mercado pode ser reforçado nos próximos anos com a entrada de um “gás novo” de fontes subaproveitadas, que agora ganham novo dinamismo.

O crescimento dos investimentos na recuperação dos campos maduros onshore, a partir da entrada de novos produtores independentes no setor, e a expectativa de desenvolvimento da indústria do biometano têm potencial para contribuir com uma oferta adicional de ao menos 5 milhões de m³/dia nos próximos anos. O volume equivale a cerca de 7% da demanda atual do mercado nacional.

O GÁS DO ONSHORE

Com a venda dos ativos terrestres da Petrobras, o aumento da oferta pelas produtoras independentes cresce na medida da ampliação dos investimentos na recuperação de campos maduros e no desenvolvimento de reservas “esquecidas” pela ao longo das últimas décadas.

Empresas com 3R Petroleum, Eneva, Origem Energia e PetroReconcavo despontam, nesse sentido, como principais players do gás onshore.

Origem Energia

Deve contribuir, sozinha, com um volume adicional da ordem de 2 milhão de m3/dia. A empresa prevê triplicar, em cinco anos, a sua produção no Polo Alagoas — comprado da Petrobras por US$ 300 milhões.

Prevê investir outros US$ 300 milhões na expansão não apenas da recuperação dos campos maduros, mas também na revitalização da unidade de processamento de gás natural (UPGN) em Alagoas e novos negócios — como armazenamento de gás e distribuição de gás natural liquefeito (GNL) em pequena escala.

Parte do gás está contratado: empresa tem acordos de fornecimento firme com Bahiagás e Algás — 1,64 milhão de m³/dia em 2023; 2,14 milhões de m³/dia em 2024; e 1,5 milhão de m³/dia entre 2025 e 2026.

PetroReconcavo

Deve contribuir com mais 1 milhão de m³/dia. Espera aumentar em cerca de 70% a sua produção de gás até 2026, de 1,45 milhão de m³/dia para 2,5 milhões de m3/dia. E prepara investimentos na expansão da infraestrutura de processamento, nos próximos anos.

O crescimento da produção virá, sobretudo, da Bahia. A empresa prevê ampliar de 800 mil para 2 milhões de m³/dia o volume produzido no estado, a partir dos ativos que já possui.

A PetroReconcavo já tem parte de sua produção comprometida com quatro distribuidoras: Bahiagás, Potigás, PBGás e Cegás. Os acordos somam volumes de cerca de 1,1 milhão de m³/dia entre 2023 e 2025 e 1 milhão de m³/dia em 2026.

Para monetizar o seu gás, a companhia busca novos consumidores nos mercados regulado e livre. Braskem, Unigel e Acelen, na Bahia, são potenciais compradores.

Eneva

Começará, em 2024, a fornecer o gás do Parnaíba ao mercado. Estima R$ 980 milhões num projeto de liquefação de 600 mil m³/dia. O volume já está, majoritariamente, contratado pela Suzano e Vale, no Maranhão.

Ao mesmo tempo, prevê quintuplicar a capacidade máxima de produção em Azulão, no Amazonas, para 5 milhões de m³/dia. Os volumes serão destinados aos projetos termelétricos Azulão I e Azulão II (AM), além da usina Jaguatirica II (RR), já operacional.

A Eneva também está negociando uma joint venture com a VirtuGNL para explorar o mercado de GNL em pequena escala na Amazônia; ainda não está claro o volume de gás disponível para novos consumidores.

3R Petroleum

As certificações de reservas indicam, numa visão conservadora, uma produção de gás de 1,4 milhão a 1,6 milhão de m³/dia entre 2023 e 2031 — ante o patamar atual de 1,3 milhão de m³/dia.

Nem todo esse volume é negociado diretamente pela empresa. A maioria do gás produzido pela companhia é comercializado com a Petrobras, antiga dona dos campos operados pela 3R. É o caso dos volumes do Polo Peroá, em águas rasas na Bacia do Espírito Santo, e Macau, no onshore da Bacia Potiguar.

O acordo de venda do gás para a estatal prevê opções para redução de volumes, que permitem à 3R buscar novas formas de monetização no futuro. O preço negociado com a Petrobras, contudo, é visto internamente como satisfatório neste primeiro momento.

A ONDA DO BIOMETANO

Além do gás onshore, outro vetor virá do biometano — cuja produção ainda dá seus primeiros passos, mas vem despertando a atenção de indústrias interessadas na pegada ambiental.

Mais recentemente, as distribuidoras de gás canalizado também passaram a ver no biometano uma oportunidade de reduzir a dependência da Petrobras.

A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) e a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás) estimam que a produção nacional de biometano atingirá os 2,2 milhões de m³/dia até 2027 — 5,5 vezes a mais que os patamares atuais.

Se todo esse potencial se confirmar como o esperado, em cinco anos o setor de biometano contribuirá com um “gás novo” de 1,8 milhão de m³/dia.

Dentre os principais agentes, estão empresas como a Gás Verde (Urca Energia), Orizon, Raízen Geo Biogás e a Ecometano, do grupo MDC.

Orizon

A empresa, controlada pela Inovatec Participações, estreou este ano na produção de biometano e tem um plano de expansão de 700 mil a 900 mil m³/dia a oferta de gás renovável ao mercado até o fim de 2025.

Hoje, a companhia produz 70 mil m³/dia num aterro em Paulínia (SP). O volume é destinado, integralmente, para a termelétrica Paulínia Verde (15,7 MW), contratada no leilão emergencial de 2021 e que iniciou a operação em maio.

É uma joint venture entre Mercurio Partners, Grupo Gera e Orizon. O plano da empresa, contudo, é começar a vender o biometano para clientes industriais e distribuidoras a partir de 2024.

Raízen

A gigante do setor sucroalcooleiro prevê inaugurar em 2023 a sua primeira planta de biometano, anexa à usina Costa Pinto, em Piracicaba (SP) — etanol de 2ª geração. Ao todo, a empresa investirá cerca de R$ 300 milhões no projeto, para atingir cerca de 70 mil m³/dia.

A companhia espera construir unidades de produção de biogás em todas as suas 35 usinas sucroalcooleiras, nos próximos dez anos,  atingindo 3 milhões de m³/dia do combustível renovável. A ideia é viabilizar os projetos por meio da joint venture Raízen Geo Biogás S.A, parceria com a Geo Biogás & Tech.

A Raízen já tem contratos com a YaraVolkswagen Scania para comercialização de biometano. Mas nem toda a produção será destinada ao mercado. A empresa pretende usar parte do biometano como substituto do diesel em sua frota agrícola.

Gás Verde

Empresa do grupo Urca Energia prevê R$ 500 milhões em investimentos até o fim de 2023, que incluem a ampliação da unidade de Seropédica (RJ) e conversão das térmicas a biogás de Nova Iguaçu e São Gonçalo em plantas de biometano. Espera, com isso, mais que triplicar sua produção atual, de 120 mil m³/dia para 400 mil m³/dia até 2024.

Ecometano

Produz, atualmente, 120 mil m³/dia, em Fortaleza (CE) e São Pedro da Aldeia (RJ), mas toca um plano de expansão para atingir os 400 mil m³/dia em 2024. O próximo projeto será no aterro de Caieiras (SP), que deve produzir 70 mil m3/dia a partir de 2024. A empresa negocia com potenciais clientes industriais e com a Comgás.

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NO OFFSHORE, EXPECTATIVA POR NOVAS ROTAS

Em paralelo ao desenvolvimento do biometano e do gás onshore, a grande expectativa do mercado, em termos de volume de gás novo, está concentrada nos gasodutos offshore.

Rota 3 deve começar a entregar gás, com atraso, em 2024, adicionando novos volumes ao mercado. Mas a expectativa é que novos grandes projetos de escoamento — o do BM-C-33, operado pela Equinor no pré-sal da Bacia de Campos, e o projeto de águas profundas da Petrobras no Sergipe — entrem em operação na segunda metade da década.

Rota 3

O gasoduto que conectará o gás do pré-sal às unidades de processamento do Polo GasLub (antigo Comperj), em Itaboraí (RJ), terá uma capacidade de 21 milhões de m3/dia. O gás novo não será apenas da Petrobras.

O gasoduto foi projetado para escoar todas as jazidas descobertas e em desenvolvimento, como Búzios, Sépia e Atapu — campos que contam com sócios como Petrogal, Shell, TotalEnergies, Petronas, Qatar Petroleum, CNOOC e CNODC. O preenchimento do gasoduto será gradual.

BM-C-33

A Equinor ainda não chegou a uma decisão final de investimento com os seus sócios (Petrobras e Repsol Sinopec), mas a expectativa é que isso aconteça em breve.

Em 2021, as partes aprovaram o conceito de desenvolvimento do campo. O gás e condensado serão processados na própria plataforma, sem a necessidade de construção de uma UPGN em terra. O projeto está previsto para a segunda metade da década. O gasoduto terá capacidade para 16 milhões de m3/dia.

Sergipe Águas Profundas

A Petrobras ainda precisa relançar a licitação para contratação das duas plataformas do projeto, previstas para entrar em produção a partir de 2026. O plano é construir um gasoduto com capacidade para escoar 18 milhões de m³/dia, mas que ainda não tem uma data para entrar em operação.

Conforme antecipado pela agência epbra Eneva tem interesse na aquisição de uma fatia na indiana IBV ou de uma participação minoritária direta na concessão BM-SEAL-11.

VAI TER DEMANDA?

Afinal, há demanda suficiente para justificar investimentos bilionários para escoamento do gás até a costa? Essa demanda se desenvolve sozinha, a partir da disponibilidade de gás a preços competitivos?

O atual Plano Decenal de Expansão de Energia 2031, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), aponta um cenário de sobreoferta nos próximos dez anos, no mercado.

Estima uma alta de 26% na demanda não-termelétrica entre 2021 e 2031, para 71 milhões de m³/dia. Isso significa um consumo 15 milhões de m³/dia maior. A EPE projeta que, no caso de uma abertura mais intensa do setor, o aumento da demanda pode ser 66 milhões de m³/dia maior que o previsto no cenário base.

A EPE acredita que, com o Rota 3, haverá infraestrutura suficiente para escoar a produção offshore até 2027 — o que impõe a necessidade de expansão da infraestrutura de escoamento, com a adição de novas rotas, a partir de 2028.

A diretora de gás natural do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Sylvie D’Apote, destaca, no entanto, que o cenário macroeconômico atual, de preços globais elevados e incertezas sobre a guerra da Ucrânia, coloca um desafio adicional sobre a decisão de novos investimentos em infraestrutura.

Na avaliação de D’Apote, o interesse dos operadores em desenvolver projetos como o BM-C-33 e Sergipe Águas Profundas demonstra que há gás novo para ser entregue ao mercado equivalente à capacidade plena do gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol).

“Mas não vejo ainda, concretamente, de onde virá tanta demanda para absorver esse gás. Uma parte vai substituir outras fontes, campos em declínio e outra parte pode substituir o declínio das importações da Bolívia e um pouco de GNL que atende ao mercado firme. Mas precisamos de muita demanda”, disse, ao participar do antessala, live da agência epbr que discute política energética.

Assista, na íntegra, ao antessala sobre reinjeção de gás

A gerente de Petróleo, Gás e Naval da Firjan e diretora-geral da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Karine Fragoso, prega a necessidade de políticas públicas para desenvolvimento do mercado nacional. Segundo ela, é preciso coordenação para que haja um encontro entre a oferta e demanda de gás — e, assim, surjam novos gasodutos.

“Hoje, para a indústria, ainda existe uma cesta de riscos que não fazem [as empresas] irem a frente com investimentos… Não dá para resolver um item específico [da agenda de abertura]. Tem que ter um conjunto de ferramentas… O mercado, por si só, não vai conseguir fazer tudo o que precisamos fazer”, afirmou ao antessala.

Já D’Apote acredita que o principal desafio para o desenvolvimento do mercado, hoje, é a falta de crescimento industrial no país. “Política pública é bom, mas o problema do Brasil hoje é crescimento, PIB na veia”.

Fernando Borges, Diretor de Exploração e Produção da Petrobras, por sua vez, acrescenta que a oferta de gás nacional só não é maior por falta de jazidas de gás não associado.

Na maioria dos campos do pré-sal, a estatal tem preferido reinjetar parte do gás associado para aumento da recuperação do petróleo — commodity mais valorizada no mercado. “Não produzimos mais gás porque não temos jazidas eminentemente de gás”, comentou.