PIPELINE. Relatório do Paten no Senado reacende debate sobre política de desconcentração e abre três possíveis frentes para diminuir participação de mercado da Petrobras.
Eneva conclui aquisição de térmicas do BTG. Estatal confirma viabilidade da UFN-III. Naturgy tenta reduzir custo do gás de seu portfólio. Combustível do Futuro tende a acelerar consolidação e verticalização no mercado de biometano e mais. Confira:
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O pacote de propostas apresentadas pelo senador Laércio Oliveira (PP/SE) para a indústria do gás, no relatório do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), reacendeu o debate sobre a necessidade de uma política de desconcentração do mercado.
A expectativa é que o tema volte à pauta na Comissão de Infraestrutura do Senado nos próximos dias.
A ANP já apresentou, em 2023, um diagnóstico: embora os fornecedores privados tenham avançado rapidamente sobre cerca de 1/4 do mercado, a tendência é que a atual posição dominante da Petrobras não seja alterada pelas forças de mercado nos próximos anos.
Os principais projetos de gás novo (Rota 3, Raia e Sergipe Águas Profundas/SEAP), aliás, têm a Petrobras como operadora ou sócia.
A proposta em discussão no Senado abre, então, três frentes para a desconcentração:
- limites à importação pelo agente dominante;
- fim da compra de gás de terceiros;
- e os leilões regulados (entenda o que é o gas release);
Mas, afinal, por onde começar um programa de desconcentração? O gas release vai baixar os preços do gás natural no Brasil?
A seguir, a gas week abre o debate.
As propostas na mesa
Em resumo, o relatório do Paten diz que a empresa que tiver mais de 50% do mercado não poderá contratar gás firme de outros produtores; ou importar.
A proposta incorpora em lei (e amplia) um dispositivo já previsto no TCC de 2019, pelo qual a Petrobras se comprometeu com o Cade a não contratar novos volumes de terceiros na boca do poço.
O PL determina que contratos vigentes de compra de gás de outros produtores e comercializadores, fechados pelo agente dominante, deverão ser revogados caso ainda não tenham entrado em vigor.
Para contratos já em vigor, o projeto prevê que a quantidade diária contratada seja reduzida em 50% em até 12 meses; e que o contrato seja encerrado em até 24 meses a partir da lei.
Além disso, o agente que ultrapassar o limite dos 50% será obrigado a vender, em leilão, pelo menos 20% do gás excedente, até o final do 1º semestre do ano seguinte. Entenda as propostas do Paten para o mercado de gás.
Liberação de gás de terceiros é caminho mais curto
Leilões compulsórios de venda de gás do agente dominante (leia-se Petrobras) estão previstos, como ferramenta regulatória, na Lei do Gás, desde 2021, mas não são um consenso dentro do governo.
Tendem a encontrar resistência política, relatam fontes consultadas pelo eixos pro, serviço de assinatura exclusivo para empresas (teste grátis por 7 dias).
Nos bastidores, um dos argumentos apresentados pela estatal é que um programa de gas release que obrigue a companhia a abrir mão de molécula própria é incompatível com os novos investimentos para aumento da oferta – como o SEAP, cuja decisão final ainda não foi tomada.
Uma das vozes mais eloquentes na defesa de um programa de redução da concentração, a Abrace (grandes consumidores de energia) sugere que a política comece pela liberação do gás comprado de terceiros, na boca do poço; ou com a liberação do volume importado pela petroleira da Bolívia:
“Pegar uma fonte de originação e dizer que a Petrobras não pode mais já teria um impacto na dinâmica do mercado, embora o gas release seja mais que isso”, comenta o diretor de gás da Abrace, Adrianno Lorenzon.
A antecipação do fim dos contratos de compra de gás de terceiros pela Petrobras pode liberar volumes de ao menos 12 produtores que hoje vendem gás para a estatal na boca do poço, de acordo com levantamento da agência eixos, com base em dados públicos da ANP.
Não existe uma transparência sobre os volumes envolvidos nesses contratos – e, portanto, o quanto eles poderiam contribuir para reduzir a concentração. Há, contudo, uma percepção consolidada no mercado de que esses volumes seriam insuficientes para fazer a participação de mercado da Petrobras se aproximar dos 50% pretendidos.
Outro caminho para a desconcentração é o gás da União, comercializado hoje pela PPSA diretamente com a Petrobras e que deve, nos próximos anos, ser leiloado – abrindo espaço para que outros agentes comprem esse gás.
A vida da importação
Outra peça-chave nesse jogo da desconcentração pode ser o gás importado. E aí há uma janela de oportunidade aberta.
Agentes privados se movimentam para trazer os primeiros metros cúbicos da Argentina – uma nova fronteira, que ainda não reproduz a posição dominante da Petrobras.
Como há restrições na infraestrutura de transporte do gás de Vaca Muerta ao Brasil, nesse primeiro momento, qualquer molécula que a estatal deixe de movimentar significa mais espaço para os comercializadores privados.
A YPFB destacou que terá capacidade para movimentar inicialmente até 4 milhões de m3/dia da Argentina para o Brasil, mas que essa capacidade pode ser ampliada para 10 milhões de m3/dia em 2025.
E o gás boliviano? A Petrobras tem um contrato de importação com a YPFB em fase final. A estimativa, a depender do volume retirado, é que o compromisso se encerre em 2027 – o que abre uma janela para que outros agentes aumentem suas importações do país vizinho.
A YPFB já tem negociado novos contratos com comercializadores privados no Brasil – embora, historicamente, sempre tenha privilegiado as relações com a Petrobras, um parceiro mais amplo.
A petroleira brasileira acena para a intenção de investir para recuperar as reservas bolivianas – uma equação que tende a colocá-la numa posição mais confortável em qualquer negociação por gás.
A possibilidade de importar gás boliviano desperta a cobiça de comercializadores e dos próprios consumidores industriais. Falta, contudo, clareza sobre a capacidade da Bolívia de repor suas reservas e, ao fim, das contas, saber que volume estaria disponível para a iniciativa privada caso a Petrobras seja impedida de trazer mais gás boliviano.
Mas, afinal, gas release baixa preço?
Não necessariamente. Um dos fundamentos para uma queda mais estrutural dos preços é o aumento da oferta.
Trocar o gás de CNPJ não é garantia de que haverá redução dos preços para o consumidor final – sobretudo num momento em que a Petrobras está reduzindo seus preços, em resposta aos concorrentes.
O grande mérito de uma política do tipo é dar liquidez ao mercado e reforçar, estruturalmente, a diversidade de agentes.
“O objetivo é aumentar a competição e ver isso se refletir em preço de mercado. Olhando o Brasil, o que vemos é que a Petrobras vinha jogando o preço no limite do teto, perto do custo de oportunidade de importação do GNL”.
“Hoje ela está com um preço historicamente baixo, mas amanhã é outro dia. O gas release é um remédio para ficarmos menos dependentes do humor da Petrobras”, avalia Lorenzon.
Existe no mercado, contudo, uma percepção de que abrir a importação de gás da Bolívia por terceiros, sem intermédio da estatal, pode ser benéfico para os consumidores.
Hoje, o gás boliviano, embora barato, entra no mix das diferentes fontes de suprimento da Petrobras (produção nacional, GNL etc) e essa competitividade se dilui dentro desse portfólio.
Para ilustrar: a Petrobras, principal importadora, paga pelo gás boliviano, na fronteira, cerca de US$ 6 por milhão de BTU, mas vende o gás para as distribuidoras a cerca de US$ 12 por milhão de BTU (incluindo o transporte).
Quem é quem no debate
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), formalizou apoio ao capítulo do gás do Paten:
“As medidas propostas pelo senador Laércio Oliveira estão em sintonia com as diretrizes que já adotamos no Gás Para Empregar, programa que está democratizando o acesso ao gás natural, impulsionando o desenvolvimento industrial no Brasil e gerando empregos para a população”.
O gas release é uma bandeira levantada pelos grandes consumidores industriais. Esta semana, Abrace e a CNI manifestaram apoio (com ressalvas) ao relatório do Paten.
“Muita coisa não precisaria ser feita se os dispositivos da Lei do Gás estivessem valendo de verdade. Contudo, a realidade é diferente da teoria, então [o relatório do Paten] é positivo para acelerar esse programa de desconcentração”, defende Lorenzon, da Abrace.
A entidade fez algumas ressalvas à proposta do programa de desconcentração – a principal delas: que os contratos resultantes dos leilões sejam de curto prazo. É uma das recomendações que a consultoria internacional Brattle Group fez, em estudo encomendado por um grupo liderado pela Abrace. As lições da Europa para o gas release brasileiro.
Abegás (distribuidoras) e IBP (produtores) defendem estudos mais aprofundados.
A diretora de gás do IBP, Sylvie D’Apote, diz que os produtores ainda estão digerindo o conteúdo do relatório, mas defende que o fórum para definição de detalhes do gas release não deveria ser o Congresso – e sim a Análise de Impacto Regulatório (AIR).
“É mais uma tentativa de legislar detalhes técnicos que competem à ANP, na esfera regulatória”
D’Apote alega, ainda, que o Paten chega num momento em que os agentes sequer assimilaram completamente o conteúdo do novo decreto da Lei do Gás.
A Abegás, defensora do programa de desconcentração de oferta, também prega mais cautela na discussão. “A dose do remédio precisa ser acertada”, argumenta o diretor técnico e comercial, Marcelo Mendonça.
O gas release não é o único ponto de atenção dos agentes na tramitação do Paten.
Um dos pontos mais controversos é o da criação de tarifas diferenciadas de transporte para movimentação de gás a curta distância (short haul). A Abrace alega que, ao priorizar a aplicação do fator locacional, o modelo pode elevar as tarifas para regiões distantes dos centros de carga – o que demanda, portanto, uma análise dos impactos relacionados à proposta.
As transportadoras e distribuidoras também pedem um debate mais aprofundado sobre o assunto. Também acompanham com atenção a proposta que permite que plantas de compressão/liquefação, para distribuição por carretas, possam ser ligadas por gasoduto próprio e dedicado (de no máximo 5 km) a qualquer fonte de suprimento.
“Isso merece uma análise mais profunda, para ver se não mexe com o modelo do mercado”, defende o presidente da ATGás, Rogério Manso.
Como chegamos até aqui: A Lei do Gás, de 2021, atribuiu à ANP a competência de acompanhar o mercado e, a seu exclusivo critério, adotar medidas para promover a efetiva concorrência nos diversos elos da indústria – desde que o Cade seja consultado.
Na sequência, em 2022, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) reforçou o gas release como uma das diretrizes da transição para um mercado concorrencial.
E a ANP incluiu então, no ano seguinte, o gas release na agenda regulatória. Contudo, a Análise de Impacto Regulatório (AIR) ainda não avançou.
GÁS NA SEMANA
Térmicas. A Eneva concluiu a aquisição de três ativos termelétricos do BTG Pactual: Tevisa, Povoação e Linhares Geração, no Espírito Santo.
— O relator do PL das eólicas offshore, senador Weverton Rocha (PDT/MA), espera que o projeto seja votado em novembro. Ele negocia com líderes do Congresso e com o governo uma versão final do texto – que, na Câmara, foi aprovado com jabutis que favorecem térmicas locacionais.
Fertilizantes. Conselho da Petrobras aprovou continuidade da implantação da UFN-III, em Três Lagoas (MS), após confirmar a atratividade econômica do projeto — incluído, agora, na carteira em implantação do PN 2024-2028+.
Distribuição. Naturgy abre chamadas públicas para aquisição de gás e define preço-teto, numa tentativa de dar mais competitividade ao portfólio de suprimento da CEG e CEG Rio.
– Já a SCGás (SC) abriu uma chamada permanente para o cadastro de supridores de gás. Objetivo é firmar contratos padrões de termos gerais que possibilitem maior flexibilidade e agilidade na aquisição de gás a curto prazo.
Especificações do gás. ANP prorrogou, até 8/11, o prazo para envio de contribuições à Consulta Pública 4/2024, que trata das especificações e controles de qualidade do gás natural.
Biometano. O Combustível do Futuro tende a acelerar a consolidação e a verticalização no mercado de biometano, na avaliação da Redirection International, assessoria especializada em fusões e aquisições.
– A Orizon, aliás, vai instalar uma planta no aterro de Piratininga (SP), da Estre Ambiental. O projeto prevê uma produção de 25 mil m³/dia a partir de 2027.
Gás no transporte marítimo. A urgência de se buscar alternativas ao bunker tem motivado a encomenda de embarcações a combustíveis com menor intensidade de carbono (como o gás natural).