PIPELINE. Petrobras vende gás de Urucu para projeto de distribuição de GNL em pequena escala, em nova etapa da monetização de suas reservas no Solimões. Amazônica Energy é a mais nova empresa a apostar no GNL small-scale, que começa a ganhar tração com GNLink, Eneva/Virtu GNL e Edge.
ANP propõetaxa de retorno aquém do pleito das transportadoras. Karpowership se prepara para LRCAP com 2 GW de térmicas. SP discute tarifa específica para conexão de biometano na rede e mais. Confira:
O contrato recém-anunciado pela Petrobras com a Amazônica Energy, para suprimento do novo projeto de distribuição de gás natural liquefeito (GNL) em pequena escala na Amazônia, coloca Urucu no mapa do GNL small-scale.
A estatal celebrou o acordo como uma nova etapa na monetização de suas reservas na Bacia do Solimões, no meio da Floresta Amazônica.
O projeto da Amazônica Energy pode posicionar Urucu como um supridor de gás para além dos limites do gasoduto Coari-Manaus, rumo ao interior do Amazonas e estados vizinhos – permitindo, inclusive, a conversão das térmicas a óleo da região no futuro.
A estatal garante, assim, um mercado de 100 mil m³/dia (com possível ampliação) para o gás de Urucu por dez anos.
É o segundo contrato de suprimento de longo prazo que a Petrobras assegura desde que desistiu de vender seu polo de produção onshore, em 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Naquele mesmo ano, a petroleira assumiu um compromisso de suprimento à UTE Manaus I (163 MW), da Global Participações, vencedora do primeiro e único leilão de térmicas locacionais até aqui.
Garantida a fonte do gás, a Amazônica Energy se prepara para estrear na distribuição de GNL small-scale a partir de 2028.
É a mais nova empresa a apostar nesse nicho de mercado, que começou a ganhar tração no país este ano, com GNLink, GNL Brasil (Eneva/Virtu GNL) e – em breve – com a Edge, do grupo Cosan.
A seguir, a gas week dá mais detalhes do projeto da Amazônica Energy e faz um giro pelos projetos de GNL small-scale no Brasil.
De barcaça ou caminhão
Em entrevista à agência eixos, o CEO da Amazônica Energy, Marcelo Araújo, conta que a intenção da companhia é começar o projeto, num primeiro momento, distribuindo GNL por caminhões no Amazonas.
Numa segunda etapa, porém, o plano é expandir a atuação para outros estados da região – incluindo o transporte fluvial.
A empresa fechou uma parceria estratégica com a Transportes Bertolini para operação logística da distribuição.
O gás de Urucu será retirado pela Amazônica Energy na malha de gasodutos da Transportadora Associada de Gás (TAG), para em seguida ser liquefeito e movimentado por caminhões – e no futuro barcaças – até os consumidores.
A parceria com o grupo Bertolini, aliás, prevê o uso do gás nos barcos e nos caminhões da empresa de transporte nos próximos anos.
O fornecimento do gás de Urucu pela Petrobras está previsto para começar em fevereiro de 2028, com um volume inicial contratado de 100 mil m³/dia – o contrato tem possibilidade de ampliação conforme a evolução do projeto.
De acordo com Araújo, o projeto foi desenhado para atingir os 500 mil m³/dia, em módulos.
O investimento na primeira fase é estimado em US$ 70 milhões – além da liquefação e os equipamentos de transporte, a empresa também pretende investir neste primeiro momento na conversão das instalações dos clientes.
Com a ampliação desenhada, o projeto sobe para US$ 150 milhões. Segundo Araújo, o financiamento e equity já estão assegurados.
Termelétricas e barcos a gás no radar
Sem entrar em detalhes, Araújo conta que os 100 mil m³/dia iniciais do projeto já estão “praticamente tomados” – com foco no Amazonas.
Para a segunda fase, segundo ele, existe um potencial de demanda a ser desenvolvido entre as termelétricas e barcos da região.
“O mercado é muito grande se considerarmos os produtores independentes de energia, o mercado de navegação, GNV…”, disse Araújo, um dos fundadores da Amazônica e que tem histórico no setor elétrico (é ex-ONS, Enel, Neoenergia, Abengoa, MPX…)
Ele conta que as embarcações de transporte de cargas dos rios na Amazônia sofrem, hoje, com perdas de combustíveis por roubo e que o gás desponta, nesse sentido, como uma alternativa – o GNL, resfriado a uma temperatura de 160 ºC negativos, aumenta a complexidade do crime.
“Mas esse mercado vem com o tempo, precisa de regiões com abastecimento”, ressalva.
No setor elétrico, Araújo cita que existe uma demanda tanto para conversão de usinas existentes a óleo para o gás; quanto oportunidades envolvendo térmicas novas, nos leilões de sistemas isolados.
“O mercado termelétrico, existente e futuro, está completamente dentro da nossa ótica. Algumas conversas já começaram a acontecer, não acredito que será demorada [a captação de clientes no setor]”
Do shale gas dos EUA ao gás de Urucu
Araújo conta que o projeto de GNL da Amazônica Energy mudou para o modelo de distribuição small-scale para se adaptar às mudanças nas condições de mercado, tanto em nível global quanto local.
O plano original da Amazônica Energy, concebido na década passada, era aproveitar o cenário de abundância – e preços competitivos – do GNL dos Estados Unidos, para importar cargas da commodity do Golfo do México e distribuí-las na Amazônia.
No entanto, a crise global do mercado de GNL – sobretudo a partir de 2022, quando a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia desviou o fluxo de gás dos EUA para a Europa – mudou completamente as premissas do projeto original.
O executivo cita, além disso, o agravamento das secas nos rios da região da Amazônia – que acrescentou às dificuldades comerciais as complexidades técnicas de navegabilidade de grandes carregadores de GNL na região.
Por outro lado, a desistência da Petrobras de vender o Polo Urucu trouxe novas oportunidades de aproveitamento do gás nacional para o projeto da Amazônica.
“Até então, entre 2020/21, não tínhamos a visão de trabalharmos com a Petrobras, mas com a nova política de monetização de gás de Urucu, em 2022 começamos a conversar com Petrobras e vínhamos estudando tecnicamente desde então”, disse.
Um giro pelo GNL small-scale
Enquanto a Amazônica Energy se prepara para entrar no segmento, a distribuição de GNL small scale ganha tração com a entrada de novos agentes nesse mercado – que, nas últimas décadas, contava somente com um player.
No Brasil, o início do GNL em pequena escala remonta ao projeto da GásLocal, do consórcio Gemini — originalmente formado por Petrobras e White Martins, e que opera desde 2006 uma planta de liquefação em Paulínia (SP).
No fim de 2024, a GNL Brasil colocou o seu pé no mercado, com a inauguração da planta de liquefação da Eneva na Bacia do Parnaíba.
- A empresa fornece gás para a Vale e Suzano no Maranhão; e para o projeto da Virtu GNL para disseminação do transporte de cargas com caminhões a gás no Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
Este ano, a Eneva deu um segundo passo e iniciou as obras de ampliação da planta de liquefação, dos atuais 600 mil m³/dia para 900 mil m³/d, ancorada na demanda crescente da Virtu GNL – que agora, aliás, tem a Perfin Infra e o Grupo Ultra como acionistas.
Outra estreante no GNL small-scale é a GNLink, empresa controlada pela Lorinvest, e que inaugurou este ano duas plantas de liquefação:
- uma em Barra Bonita (PR), num campo de gás da Tradener;
- e uma em Itabuna (BA), que recebe gás da rede da Bahiagás;
- além disso, a companhia está comissionando uma 3ª planta, em Assu (RN), que vai liquefazer o gás produzido nos campos onshore da PetroReconcavo na Bacia Potiguar.
A entrada da Copa Energia no capital da GNLink ajudará a financiar um novo ciclo de expansão da empresa, que espera fechar o ano com uma capacidade equivalente a 290 mil m³/dia e planeja dobrar de tamanho até 2027.
Para isso, a GNLink mira entrar no Sudeste e reforçar a presença na região Sul, além de ampliar uma de suas plantas no Nordeste.
A empresa espera começar 2026 com 70% da capacidade das três primeiras plantas contratada.
Recentemente, anunciou novos contratos com distribuidoras locais, para abastecimento de projetos estruturantes (gasodutos virtuais) no interior da Bahia e do Ceará; e também participa de uma concorrência da Copergás (PE) para suprimento do polo gesseiro de Araripe.
“O que traz volume a curto prazo são indústrias e os projetos das distribuidoras, mas adicionalmente estamos apostando também no abastecimento de gás para em postos, para caminhões. Estamos vendo esse mercado evoluir”
“Já identificamos 16 corredores azuis no Nordeste e 18 no Sul/Sudeste que vamos priorizar junto com as distribuidoras e transportadoras”, comenta o CEO da GNLink, Marcelo Rodrigues.
A Edge também espera iniciar, nos próximos meses, seu novo negócio.
A partir do Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), em Santos (SP), a companhia espera conseguir captar clientes num raio superior a 1 mil km.
A Edge não pretende construir uma central de distribuição. O GNL será descarregado diretamente do FSRU (navio regaseificador) nas carretas de abastecimento do gás liquefeito.
- Em entrevista recente ao estúdio eixos, o diretor Comercial da Edge, Guilherme Mattos, destacou que a distribuição do GNL em pequena escala faz parte da estratégia da companhia de destravar novas demandas para o gás. Assista na íntegra
A empresa já tem alguns contratos assinados com clientes industriais, para deslocar combustíveis concorrentes, como o óleo combustível. Uma dessas indústrias é a LD Celulose, no Triângulo Mineiro.
Ruídos na COP30
A primeira semana da COP30, em Belém (PA), foi marcada por sinalizações desencontradas sobre os planos do governo para a descarbonização do transporte pesado.
O Ministério dos Transportes, chefiado por Renan Filho (MDB/AL), assinou um Memorando de Entendimento sobre Emissão Zero para Veículos Pesados e Médios, mas depois recuou da participação do Brasil na iniciativa — batizada de Drive to Zero e liderada pela Colômbia.
O documento previa que até 2040 todos os caminhões e ônibus vendidos nos países signatários fossem livres de emissões de gases de efeito estufa.
A contabilização das emissões, contudo, considerava apenas os gases liberados pelo escapamento dos veículos, o que, segundo especialistas, restringia o compromisso à adoção de veículos elétricos e movidos a hidrogênio verde, deixando de fora os biocombustíveis (inclusive biometano) e o gás natural – contrariando políticas do governo Lula como o Combustível do Futuro.
Em nota, a pasta informou que o recuo se deu “diante de interpretações divergentes quanto ao objetivo originalmente pretendido”, embora o documento não estabelecesse metas obrigatórias.
GÁS NA SEMANA
Taxa de retorno do transporte. A ANP está propondo um WACC real de 7,47% ao ano, após impostos, para as transportadoras de gás no ciclo 2026-2030. É menos que o patamar pleiteado pelas empresas do setor.
LRCAP. A Karpowership se prepara para disputar o leilão de potência, em março de 2026, com 2 GW termelétricos, e pretende participar também do leilão de sistemas de armazenamento em baterias, previsto para abril.
- A greve entre os trabalhadores da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) é um fator de risco para o cronograma do LRCAP.
Conexão do biometano. A Arsesp abriu consulta pública sobre novas regras para interligar plantas de biometano aos gasodutos de distribuição em São Paulo. A proposta cria a Tusd-Verde, tarifa específica para produtores. As contribuições podem ser enviadas até 1º de dezembro.
- Aliás… Edge assinou um contrato de fornecimento de gás renovável para uma unidade de produção de sabonetes da Unilever em Valinhos (SP). A fábrica será abastecida pela planta de biometano do aterro de Paulínia.
Mercado livre. A Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Mato Grosso do Sul (Agems) reduziu o volume mínimo necessário para enquadramento do usuário como consumidor livre de gás natural, de uma média de 10 mil m³/dia para 1 mil m³/dia.
Opinião: Vale refletir sobre o que a cadeia de gás espera da COP30, especialmente diante do papel que o Brasil pode exercer nesse debate global, escrevem a diretora do IBP, Sylvie D’Apote, e a consultora Daniela Santos.
