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Gás argentino surge como alternativa concreta para térmicas do Leilão de Reserva

Na corrida para estruturação de projetos para LRCAP de junho, J&F sai em busca de gás de Vaca Muerta para térmicas do grupo

Fachada da UTE Uruguaiana da Âmbar Energia, que pertence ao Grupo J&F (Foto Divulgação Âmbar)
Fachada da UTE Uruguaiana

PIPELINE.J&F sai em busca de gás argentino para térmicas no Leilão de Reserva. Na corrida para habilitar projetos para o LRCAP, agentes montam suas carteiras de gás e certame promete ser diverso.

CSN e Samarco assinam novos contratos no mercado livre. Origem fecha 1º acordo fora da malha da TAG. NTS e Geo avaliam parceria em infraestruturas para gases renováveis. Petrobras contrata GNL a longo prazo e mais. Confira:


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O Leilão de Reserva de Capacidade 2025 pode se tornar, em junho, um ponto de inflexão para a entrada do gás natural argentino no mercado brasileiro nos próximos anos.

Na corrida pela habilitação de projetos no certame, ao menos um (forte) candidato, o grupo J&F, recorreu a produtores de Vaca Muerta para montar o seu portfólio de suprimento (mais detalhes a seguir).

Mas não só. O LRCAP promete ser um leilão bastante diverso, com muitos projetos em jogo e com diferentes fontes de gás: Argentina, Bolívia, mas também gás nacional (do pré-sal ao biometano) e gás natural liquefeito (GNL) importado –  quem sabe até por meio de novos terminais de regaseificação.

A seguir, a gas week mapeia a movimentação dos agentes em busca de gás para o LRCAP. Afinal, de onde virá a molécula que abastecerá as térmicas novas e existentes que concorrerão por contratos de geração flexível?

O levantamento é um recorte inicial. Não contempla todos os projetos em desenvolvimento. Além disso, nem todos os projetos conseguirão se habilitar. Mas serve para situar.


Conforme antecipado pelo eixos pro, serviço de assinatura exclusivo para empresas (teste grátis por 7 dias), a J&F chega forte na concorrência, com um portfólio de térmicas (novas e existentes) que se aproxima dos 3 GW. 

Por meio da Âmbar (geradora) e MGás (comercializadora de gás), o grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista montou uma carteira de suprimento de gás nacional e importado.

Assinou termos de compromisso com a Tecpetrol Pan American Energy (PAE), na Argentina; e com a YPFB, na Bolívia.

No Brasil, recorreu à PetrobrasEneva e New Fortress Energy (NFE) – agentes, aliás, que entram como supridores e também desenvolvem usinas próprias.

No pipeline, a empresa tenta habilitar usinas existentes, como Cuiabá (529 MW, no MT), Uruguaiana (640 MW, RS) e Araucária (484 MW, PR), além de Santa Cruz (500 MW, RJ). Todas com contratos vencidos ou a vencer.

E na carteira greenfield estão a UTE Campo Grande (360 MW, MS) e UTE Rio Negro (188 MW, AM).

A diversidade das fontes de gás reflete a pulverização do parque termelétrico da Âmbar: a Eneva é a fonte de gás no Amazonas; Tecpetrol poderá fornecer para Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. E a NFE é um dos possíveis supridores de Araucária,  a partir do novo terminal de GNL de Santa Catarina.

A aproximação da J&F com os argentinos ocorre não só como offtaker. via Fluxus, entrou também como produtora de óleo e gás no país vizinho.

O trio Petrobras, Eneva e J&F é dono dos maiores parques termelétricos a gás do país. As três entram como candidatas fortes no leilão.

Petrobras e Eneva se destacam, ainda, por possuírem um portfólio de gás próprio – o que, para gestão de térmicas 100% flexíveis, tem seu valor.

A estatal, maior produtora do país e dona do portfólio de gás mais flexível, conta com o LRCAP não só para recontratar suas térmicas existentes, mas também para viabilizar seu principal projeto greenfield: a térmica do Complexo Boaventura, em Itaboraí (RJ), com gás do pré-sal.

A Eneva, por sua vez, mira a recontratação das térmicas do Complexo Parnaíba e a expansão da Celse, em Sergipe.

Quem tenta replicar o sucesso da Eneva no modelo gas-to-wire é a Origem Energia, que mira o LRCAP como oportunidade de entrar na geração. A companhia acredita que “por meio da combinação de sua infraestrutura com a produção de gás não associado está em uma posição estratégica”.

O modelo de geração com gás próprio vale também para o bioemetano.

Na ausência de um produto específico para o gás renovável no certame, o grupo Urca, por exemplo, tenta habilitar um série de projetos – em estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo – apostando num mix de biogás/biometano próprio, produzido pela Gás Verde, do mesmo grupo, mas balanceado com gás natural da Petrobras.

O leilão de junho também desponta como oportunidade para otimização dos terminais de GNL existentes, que operam com capacidades ociosas – a maioria deles, agora, conectados à malha de gasodutos, com exceção dos terminais de Barcarena (PA), da Celba (NFE), e Açu (RJ), da GNA.

As duas empresas, aliás, bem como a Eneva, a partir do terminal de GNL do Porto de Sergipe, tentam expandir seus respectivos parques termelétricos associados à importação de GNL.

E, em Pernambuco, o terminal de GNL que a OnCorp tenta levantar em Suape também é a fonte de suprimento de uma série de projetos que tentam se habilitar para o leilão de junho.

A expectativa é que a planta de regaseificação nasça conectada à malha de gasodutos de transporte, o que abre possibilidades de novas térmicas associadas ao GNL de Suape em vários cantos do país.

A Shell, por exemplo, tem se movimentado ativamente como fornecedora de gás, via Suape, para pequenos projetos em diferentes estados.

A New Fortress, a partir do terminal em Santa Catarina, inaugurado em 2024, também se vale da conexão ao sistema para tentar chegar a outros mercados e negocia o suprimento para usinas no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Paraná, por exemplo. 

A companhia vem sinalizando a investidores o interesse em entrar no leilão com térmicas próprias e atendendo terceiros.

O GNL da Celba é, aliás, a esperança mais recente da Termo Norte para viabilizar o despacho a gás natural nas térmicas de Porto Velho (RO).

O LRCAP surge, ainda, como uma segunda chance para o GNL do Ceará – que perdeu seu terminal com a decisão da Petrobras de desativar a unidade em 2021; e mais recentemente, viu o projeto da UTE Portocem, no Porto do Pecém, ser transferido para o Pará.

Geradores tentam se viabilizar novamente, o que demandará uma nova FSRU – tema de interesse do governo do Ceará e de Pecém.

A Ceiba Energy, dona original da Portocem tenta habilitar um novo projeto, a UTE Jandaia.  E a Energia Pecém, da Mercurio Partners, tem um projeto para converter sua atual usina a carvão importado para gás natural.

E tem quem queira desenvolver novos projetos de GNL do zero. A menos de 100 km do Porto do Açu, a UTE Porto Norte Fluminense, em São Francisco do Itabapoana (RJ), tenta se viabilizar com um novo terminal portuário concebido para receber embarcações de armazenamento e regaseificação de GNL.

Levantar uma térmica 100% flexível, associada a um terminal de GNL novo, contudo, tende a encontrar um cenário desafiador pela frente – sobretudo com base na remuneração exclusiva pela potência.

André Clark, vice-presidente da Siemens Energy Brasil, acredita que o LRCAP pode ajudar a “empurrar a regulação do mercado de gás” – sobre, por exemplo, as tarifas de transporte e os serviços de estocagem.

Uma das preocupações de quem tenta negociar usinas conectadas à malha de gasodutos é perder competitividade, no leilão, para projetos associados a terminais de GNL e que não pagam tarifas de transporte.

Agentes como a Petrobras têm defendido a criação de tarifas flexíveis para termelétricas.

O assunto está na agenda também das transportadoras, que temem a fuga das térmicas do sistema e seu impacto na tarifa. Representado pela ATGás, o setor pediu ao longo da discussão das regras do LRCAP que as tarifas de transporte de gás fossem excluídas da composição da Receita Fixa – um dos critérios de seleção do leilão.

As transportadoras argumentam que os agentes termelétricos conectados à malha têm dificuldades para calcular sua Receita Fixa, devido à incerteza sobre a tarifa futura de transporte. E propõem que o custo de uso do sistema de transporte seja repassado diretamente ao gerador.

A advogada sênior da área de Energia do BMA, Bruna de Barros Correia, cita que havia uma expectativa no mercado de que o governo trouxesse alguma diretriz sobre o assunto – o que não se confirmou.

A falta de um direcionamento sobre as tarifas de transporte pode impactar no valor das propostas no leilão – ainda que ela aposte no sucesso do certame.

Em paralelo aos preparativos para o leilão, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) abriu um debate sobre tarifas diferenciadas, inclusive para as térmicas. Mas é pouco provável que uma nova regulamentação sobre o assunto saia a tempo do LRCAP.

O diretor do Departamento de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia, Marcello Weydt, disse na última segunda (17/2) que a visão, dentro do governo, é de que “claramente o que está na portaria [do LRCAP] já consegue dar um conforto” para as térmicas existentes”.

O LRCAP desponta como uma oportunidade para a recontratação de térmicas a gás existentes a curto prazo, com previsão de contratação de potência já para a partir de setembro deste ano.

De acordo com o MME, 5 GW de usinas a gás estão sem contrato. Algumas dessas térmicas conseguiram novos contratos – ainda não ativos. E mais 1,8 GW de potência a gás deve perder contrato até o fim de 2025.

O leilão também surge como uma oportunidade para que térmicas existentes possam negociar no leilão projetos de ampliação de capacidade.

A sistemática da licitação, abre, nesse sentido, duas frentes:

  • o agente poderá negociar a capacidade adicional em conjunto com a existente, como um único empreendimento, com contratos de dez anos;
  • ou negociar apenas a capacidade adicional, como uma usina nova (greenfield) – cujos contratos serão, por sua vez, de 15 anos

Ao todo, o LRCAP ofertará dez produtos, sendo:

  • seis deles voltados para usinas existentes a gás e biocombustíveis, com início de contratos em 2025, 2026, 2027, 2028, 2029 e 2030;
  • três deles para capacidade nova a gás e biocombustíveis, com início de contratos em 2028, 2029 e 2030;
  • e um para projetos de ampliação de capacidade instalada de hidrelétricas existentes.

Pelas regras do leilão, projetos greenfield e térmicas existentes com contratos iniciados no mesmo ano serão negociados simultaneamente numa mesma rodada – embora não haja uma competição direta entre os dois produtos.

Sócio-fundador da Mercurio Partners, Alexandre Americano, acredita que o leilão de junho será marcado por uma forte concorrência, sobretudo entre térmicas novas – segundo ele, as térmicas existentes e as ampliações de hidrelétricas tendem a abocanhar a maior fatia do bolo.

“No meio do caminho aí tem uma quantidade [de térmicas novas] que os mais competitivos vão acabar mordendo”, avalia.

Americano conta que a alta da taxa de juros e o aquecimento da demanda por maquinário, no mercado global de energia, tornam o cenário para projetos greenfield mais desafiador.

André Clark aposta que o LRCAP será um leilão com grande quantidade de projetos, do lado da oferta. As térmicas a gás, segundo ele, devem ser predominantes.

Mas o executivo aposta que há espaço para “ideias inovadoras”, ainda que de menor porte, envolvendo projetos de biocombustíveis.

Pela escala, o gás larga em vantagem nessa competição. As complexidades e custos elevados para armazenamento de biodiesel; e o próprio fato de o mercado curto do biocombustível, no setor automotivo, são apontados por agentes do mercado como dificuldades extras para que a fonte assuma posição de destaque no certame.

Mercado livre. A Origem Energia fechou um contrato com a CSN, para fornecimento de gás à siderúrgica de Volta Redonda (RJ). É o primeiro acordo fechado pela produtora fora da malha da TAG.

– E a Samarco ampliou a presença no mercado livre de gás natural em 2025, ao fechar com a Eneva o seu primeiro contrato de longo prazo, para abastecimento do Complexo de Ubu, no Espírito Santo. 

Transporte. A NTS e a Geo, fornecedora de tecnologia para produção de biogás, assinaram um acordo para avaliar em conjunto oportunidades de negócio em infraestruturas para gases renováveis e combustíveis derivados.

Fertilizantes. A Prefeitura de Macaé (RJ) tenta atrair investidores privados para instalar uma fábrica de fertilizantes nitrogenados no município por meio de parceria público-privada (PPP), mas tem esbarrado nos altos preços do gás.

GNL. A Petrobras assinou um contrato de 15 anos com a britânica Centrica para a compra de 800 mil toneladas por ano a partir de 2027. Segundo a estatal, o acordo reduz a dependência em relação aos preços de curto prazo.

Internacional. A dependência do México em relação ao gás dos EUA continuará a crescer, impulsionada pelo aumento da demanda, pela restrição da produção doméstica e pela expansão de gasodutos, afirma a Fitch Ratings.

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