Gás Natural

Entenda como a janela de contratação das distribuidoras de gás mexe com o mercado livre

Produtores ancoram cada vez mais seus volumes em contratos de longo prazo com as distribuidoras, mas a preços pouco competitivos para a indústria

Entenda como contratação de gás natural pelas distribuidoras estaduais mexe com o mercado livre. Na imagem: Produção de aço em forno siderúrgico; barra incandescente sobre esteira rolante com seis jatos de água justapostos jorrando sobre a peça (Foto: Divulgação ArcelorMittal)
Produtores buscam ancorar volumes crescentes de gás no mercado cativo em contratos que ultrapassam dez anos de vigência (Foto: Divulgação ArcelorMittal)

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Editada por André Ramalho
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EDIÇÃO APRESENTADA POR

PIPELINE Produtores ancoram cada vez mais seus volumes em contratos de longo prazo com as distribuidoras. Patamar de preços no mercado cativo, contudo, pode estimular o mercado livre – mas falta liquidez a curto prazo.

Subida da Serra vai encarecer em 6% as tarifas da NTS, de imediato, estima a FGV Ceri. Compagas quer ampliar participação do biometano para 20% de seu portfólio a partir de 2025 e mais. Confira:

UMA NOVA TENDÊNCIA

Os contratos de longo prazo se consolidaram como uma tendência nas negociações entre os produtores de gás natural e as distribuidoras estaduais no Brasil.

Ao menos dez concessionárias de gás canalizado já optaram por garantir, até o início da década de 2030, o seu suprimento de molécula – seja com a Petrobras, seja com agentes privados, como Galp e PetroReconcavo.

A estratégia desses fornecedores, de ancorar volumes crescentes no mercado cativo, em contratos que ultrapassam dez anos de vigência, levanta dúvidas se haverá espaço para o desenvolvimento do mercado livre nesta década.

Afinal, a contratação de gás a longo prazo, pelas distribuidoras, vai travar a migração de consumidores para o mercado livre? Ou pode ter um efeito contrário?

Quando a abertura da indústria do gás, de fato, se concretizará?

A gas week desta semana trata das perspectivas de evolução do mercado livre, diante do novo comportamento de contratação das distribuidoras.

O QUE OS CONTRATOS DE LONGO PRAZO REVELAM?

Do ponto de vista do produtor (vendedor) do gás, a preferência por contratos de longo prazo, com as distribuidoras, faz todo sentido no atual contexto de mercado.

Contratos longos (um risco que o cliente livre tem mais dificuldades de assumir) dão previsibilidade aos produtores. Um ponto importante, sobretudo, para a produção de gás associado ao petróleo, que precisa de uma demanda firme.

Fora isso, a distribuidora é um cliente inelástico a preço. As concessionárias precisam garantir a segurança do abastecimento. E como operam com mecanismos contratuais de repasse dos custos de aquisição da molécula, estão menos expostas ao risco de assumirem preços menos vantajosos a longo prazo – uma situação bem diferente daquela de um cliente industrial.

O presidente da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, destaca que esses fatores se somam ao contexto de um mercado ainda muito concentrado e com baixa concorrência e liquidez.

“É natural, portanto, que haja preferência [do vendedor] pelo mercado cativo, que é um mercado dado, garantido, que paga um preço confortável”, comenta.

E VAI TER GÁS PARA O MERCADO LIVRE?

A opção por contratos de longo prazo já é uma realidade em pelo menos dez concessões: Cegás (CE), Comgás (SP), Compagas (PR), Copergás (PE), ES Gás (ES), Gasmig (MG), Gás Natural SPS (SP), Potigás (RN), SCGás (SC) e Sulgás (RS).

Num mercado apertado, sem perspectivas de aumento da oferta pelo menos até o fim de 2024 – quando entra em operação o Rota 3 – a preferência dos produtores por compromissos longevos no mercado cativo representa, do ponto de vista do consumidor, menos gás disponível para o mercado livre.

Mas até a página dois… Os acordos mais recentes entre a Petrobras e as distribuidoras, por exemplo, permitem a redução dos volumes contratados pelas concessionárias em casos de migração de usuários da rede para o mercado livre – o que abre algum espaço para o desenvolvimento desse ambiente de contratação no futuro.

“Isso é um incentivo. Como é que um fornecedor mitiga o risco de ter seu volume contratado com a distribuidora reduzido por causa da migração de um usuário para o gás de um concorrente? Indo ele mesmo buscar o consumidor industrial para manter ele no seu portfólio, ainda que a um preço menor”, comenta Moreira Neto.

Existe, ainda, um outro lado da moeda nessa história: ao fecharem com a Petrobras contratos baseados num fator Brent de 11,9% até 2034, as distribuidoras asseguraram um preço que, na ótica da indústria, está longe de trazer uma mudança no patamar de competitividade do gás.

“11,9% é um patamar de precificação alto para um contrato de longo prazo e que não incentiva o consumo. Acredito que haverá um apetite maior da indústria por buscar condições mais competitivas no mercado livre”, disse o CEO da Gas Energy.

O diretor de gás da Abrace (grandes consumidores de energia), Adrianno Lorenzon, faz uma analogia com o setor elétrico, onde as distribuidoras estão hoje sobrecontratadas com uma energia com preços muito mais elevados que os do mercado de curto prazo – o que tem estimulado o mercado livre.

“Mas para que esse movimento aconteça no gás, para o desenvolvimento estrutural do mercado livre, tem que haver uma pressão de competição na oferta. Precisamos de uma força que aumente a oferta de gás – seja a importação de gás natural liquefeito (GNL), seja o gás da Argentina, de Vaca Muerta, ou gás nacional”, comenta

SE NÃO AGORA, QUANDO?

Lorenzon não crê que o mercado livre vá deslanchar nos próximos anos. Acredita, no entanto, na propagação de produtos de curto prazo, para comercialização de sobras dos volumes contratados com as distribuidoras.

“Hoje existe um movimento ainda muito pequeno de competição por conquista de mercado. O gás trocou de mãos, mas existem poucas forças para gerar competição entre produtores, de forma que eles sejam estimulados a irem para o mercado livre oferecendo condições realmente competitivas, atendendo aos requisitos do comprador”, comenta.

Ele cita, ainda, que as regulações estaduais ainda são falhas e travam, muitas vezes, o mercado livre – seja por inserirem penalidades elevadas à migração ou sequer possuírem modelos de contrato para usuário livre.

Moreira Neto complementa dizendo que vê uma janela estreita para o desenvolvimento do mercado livre em 2024 – já que ainda há uma janela de contratação das distribuidoras por acontecer e poucas perspectivas de sobra de gás.

Ele acredita, contudo, que a janela pode se abrir a partir de 2025, quando a Petrobras passa a ter um portfólio menos apertado, já com o gás do Rota 3, e para quando são previstas algumas descontratações por parte dos fornecedores privados.

“Além disso, a mera perspectiva de entrada do gás de Sergipe e BM-C-33 [em 2028] pode criar uma pressão sobre quem tem gás para vender naquele momento para que o faça logo, com preços competitivos, porque o preço tende a cair nos anos seguintes”, complementa.

O diretor de gestão e assessoria da Infinity Energias, Lucas Tocchetto, conta que a assinatura dos contratos entre as distribuidoras e a Petrobras deve intensificar, agora, a corrida dos usuários interessados em migrar para o mercado livre.

Em São Paulo, o usuário precisa comunicar a migração três meses antes do fim do contrato com a concessionária local. Existe uma janela, portanto, para que aqueles clientes cujos contratos vencem no fim do ano oficializem a migração ao fim deste trimestre.

“O pulo do gato é o momento em que estamos agora, com o fechamento dos contratos das distribuidoras. Com esses acordos públicos, os consumidores conseguem comparar com mais clareza as condições entre comprar no mercado livre ou seguir com a distribuidora”, comentou.

Tocchetto cita, ainda, que o preço da molécula não é o único peso, na tomada de decisão.

“Às vezes o que viabiliza a migração não é só preço da molécula, mas as flexibilidades contratuais que impactam as penalidades e viram custo para o consumidor”, complementou.

Questionada sobre quantos pedidos de migração existem hoje em São Paulo, a Arsesp, o órgão regulador paulista, informou que estão em análise potenciais casos de migração de usuário para o mercado livre, inclusive no mercado de biometano.

“A Agência tem perspectivas de migração de usuários para o mercado livre, que deve ser aumentada à medida que haja novos volume e ofertantes, por meio da implementação do gas release e da entrada de operação de projetos que trarão volume de gás consideráveis do pré-sal – como o BM-C-33, por exemplo”, esclareceu, em nota.

Durante a chamada pública aberta pela Comgás, para aquisição de molécula, a empresa abriu espaço para que fossem apresentadas ofertas também para o mercado livre. Ao menos uma proposta foi apresentada: a da H2A Soluções Ambientais, para venda de biometano. A concessionária preferiu não comentar sobre potenciais migrações de usuários, sob a alegação de que a chamada ainda está aberta.

GÁS NA SEMANA

Subida da Serra vai encarecer tarifas da NTS. A reclassificação do gasoduto da Comgás pela ANP como um ativo de distribuição – e não mais como de transporte – implicará num aumento imediato de 6% nas tarifas dos usuários da Nova Transportadora do Sudeste, a partir de 2024. Essa alta pode chegar a 14%, a depender da dinâmica do mercado paulista, estima FGV Ceri. (epbr)

Petrobras de volta aos fertilizantes. O presidente da estatal, Jean Paul Prates, disse nesta sexta (4/8) que a parceria com a Unigel, para retomar a operação das Fafens da Bahia e Sergipe, deve incluir a produção de hidrogênio verde – numa volta da petroleira aos fertilizantes” dentro de uma lógica atualizada e modernizada, no contexto da transição energética”. (epbr)

– As duas fábricas da Petrobras foram arrendadas à Unigel durante o governo Bolsonaro, depois que a gestão anterior da petroleira decidiu deixar o setor.

Complexidades à vista no Gás para Empregar. Ieda Gomes, da Oxford Institute for Energy Studies, cita dificuldades de se operacionalizar a permuta do óleo da União pelo gás, pela equivalência energética. (epbr)

Gas release. Abrace sugere que a iniciativa seja adotada, num primeiro momento, por meio da liberação do gás que a Petrobras compra hoje de seus sócios, na boca do poço. Ou com a liberação da molécula que a estatal importa da Bolívia – e não com o gás da estatal brasileira propriamente dito. (epbr)

Abegás: reinjeção de gás não pode ser um dogma. O diretor de Estratégia e Mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Marcelo Mendonça, pede transparência no debate sobre o assunto: “Os números têm que ser expostos, serem abertos”, disse. (epbr)

Compagas quer mais biometano na rede. Distribuidora paranaense pretende ampliar participação do combustível renovável em seu portfólio para algo entre 15% a 20% a partir de 2025. Companhia aposta em corredores azuis no Paraná, com pontos de abastecimento a gás natural e biometano. (epbr)

– A Abiogás espera que o Brasil chegue a 2030 produzindo cerca de 30 milhões de m3/dia de biometano. O volume poderia deslocar parte da demanda brasileira por diesel. (epbr)

Shell avalia entrar no mercado de biometano no Brasil. Falta de infraestrutura para o transporte, contudo, é a primeira barreira a ser quebrada pela companhia, disse a gerente de Vendas e Originação da Shell Energy Brasil, Carolina Bunting. (MegaWhat)