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ANP reabre debate sobre conexão obrigatória de terminais de GNL aos gasodutos

Transportadoras apoiam, mas proposta da ANP é vista com preocupação entre donos de terminas e usuários

Gasoduto que liga o terminal de GNL em Barcarena, Pará (Foto Tauan Alencar/MME)
Gasoduto que liga o terminal de GNL em Barcarena, Pará | Foto Tauan Alencar/MME

PIPELINE. Conexão dos terminais de GNL aos gasodutos volta ao debate na regulamentação do acesso de terceiros. Transportadoras apoiam, mas proposta da ANP é vista com preocupação entre donos de terminas e usuários.

Fórum do Gás questiona o rito regulatório da ANP na revisão tarifária. Symone Araújo diz que agência está ‘firme nos fundamentos’. Petrobras faz primeiros testes de importação da Argentina. Projeto piloto substitui diesel por GNV em logística na mineração e mais. Confira:


A conexão dos terminais de regaseificação ao sistema de gasodutos de transporte está de volta ao debate – dessa vez na discussão sobre a regulamentação do acesso não discriminatório e negociado aos terminais de gás natural liquefeito (GNL).

A minuta de resolução proposta pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) – e que vai a audiência pública na terça-feira (14/10) – torna obrigatória a interconexão entre os terminais de GNL e gasodutos de transporte.

O debate não é novo.
 Já permeou as discussões sobre a modelagem do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) – que acabou indo numa outra direção: a da tentativa de pacificação entre térmicas conectadas e desconectadas via separação de produtos.

O assunto é de interesse direto das transportadoras – que justificam a conexão pelo viés da segurança energética e da liquidez do mercado, mas que têm na medida um impulso à expansão da malha (e dos volumes movimentados).

E uma proteção, claro, contra casos de bypass, cujo caso mais emblemático – o conflito federativo pela classificação do gasoduto Subida da Serra – reacende (se alguma vez já se apagou) com a nova proposta da ANP.

Edge, dona do Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), o pivô da disputa, reagiu ao teor da minuta, ao classificá-la como “interferência desproporcional” do regulador e risco de “expropriação regulatória”.

A proposta da ANP está longe de ser uma unanimidade: ligou o sinal de alerta também entre os usuários da malha de gasodutos (consumidores industriais e produtores), que temem o impacto da medida nas tarifas de transporte.

A socialização dos novos investimentos na malha de gasodutos, aliás, é tema presente na atual revisão tarifária das transportadoras. 

  • E o que esperar dela e da revisão da Resolução 15/2014 (com os novos critérios de cálculo das tarifas)? Como a ANP enxerga o risco de judicialização? Fica o convite para você se conectar ao novo episódio do videocast gas week com a diretora Symone AraújoAssista na íntegra

A seguir, a gas week mergulha no debate sobre a conexão obrigatória dos terminais de GNL, com base no termômetro das discussões levantadas durante a consulta pública.



A minuta de resolução da ANP sobre o acesso não discriminatório e negociado aos terminais de GNL (na íntegra) é extensa e, já no fim, em seu artigo 37, diz que a interconexão entre os terminais e gasodutos de transporte é obrigatória.

  • Os operadores de terminais de GNL ficam obrigados a aceitar, de terceiros interessados ou de transportadores, investimentos para conexão de suas instalações ao sistema de transporte;
  • A regra só não se aplica se houver comprovado prejuízo à segurança ou à integridade das instalações;
  • e a ANP negará a solicitação de autorização para terminal de GNL que, injustificadamente, não se conecte ou não pretenda se conectar.

A ANP justificou,em nota técnica (na íntegra), que a conexão aumenta a eficiência operacional das infraestruturas: ou seja, em terminais desconectados (ou que se conectam a um conjunto limitado de clientes), a movimentação das cargas armazenadas – e, consequentemente, a disponibilidade para recebimento de navios – fica prejudicada.

Também cita ser “razoável” que a ANP permita que novos terminais sejam concebidos apenas se seus projetos previrem ao menos uma conexão ao sistema – evitando-se, assim, que se configurem como as “ilhas de gás”, sem possibilidade de acesso a terceiros (o objeto central da resolução).

A obrigatoriedade de conexão vale para plantas existentes também.

Dois oito terminais de regaseificação em operação no Brasil, três não estão conectados à malha de transporte de gás:

  • Açu (RJ), operado pela GNA com capacidade de 21 milhões de m³/dia;
  • TRSP (SP), da Edge, com capacidade de 14 milhões de m³/dia;
  • Barcarena (PA), da Celba (New Fortress), com 15 milhões de m³/dia.

Barcarena é um caso à parte: é o único terminal instalado num estado sem acesso à malha – e, por isso, com a viabilidade da conexão mais desafiadora.

Na nota técnica, a ANP reconhece que os terminais só devem deixar de se conectar quando for inviável – e aí cita como exemplo aqueles terminais que são concebidos em localidades onde não existe rede de transporte.

  • New Fortress Energy defende, nesse sentido, que, embora a conexão seja desejável, é fundamental que se defina a responsabilidade pelos custos de construção e tarifas de conexão, quando o acesso for solicitado por terceiros. 

Além disso, o projeto de interconexão deve ser desenvolvido de comum acordo com o proprietário/operador do terminal para que as características da interconexão (capacidade, pressão, diâmetro, possibilidades de expansão) não interfiram no desenvolvimento de seus projetos futuros.A GNA, por outro lado, opera o terminal com a conexão mais avançada. Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e Transportadora Associada de Gás (TAG) têm, cada uma, um projeto próprio para interligar o Açu à malha de gasodutos.

  • A GNA defende, nesse ponto, que a interconexão se dê “mediante negociação e acordo com o proprietário do terminal”;
     
  • e que, nos casos em que a ligação for imposta por terceiros, não haja ônus ao operador/proprietário – e que os eventuais investimentos de terceiros respeitem critérios de razoabilidade, economicidade, adequação técnica, viabilidade operacional e respeito aos compromissos contratuais a jusante do terminal já existentes.

A companhia também defende que, nos casos em que houver propostas de investimentos de mais de um transportador de gás, a decisão final siga o mecanismo de contestação previsto na Lei do Gás de 2021.

Falando nisso… o novo Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano (PNIIGB), colocado em consulta pública pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), recomenda a construção do Gasoduto dos Goytacazes (Gasog), da TAG, como a alternativa de menor custo sistêmico, vis a vis o projeto da NTS. (conheça todos os projetos do PNIIGB

  • Gasog é estimado em R$ 1 bilhão, tem 45,5 km de extensão e foi projetado para movimentar até 12 milhões de m³/dia (podendo ser ampliado até 18 milhões de m³/dia;
  • e o Gasoduto de Integração Norte Fluminense (Gasinf), da NTS, é estimado em R$ 1,9 bilhão, com 100 km de extensão.

A questão do custo da conexão é um ponto de preocupação levantado tanto pelos operadores dos terminais quanto pelos usuários da malha de gasodutos.

Abraget, que representa as termelétricas (algumas delas proprietárias dos terminais), entende que a interligação deveria ser apenas uma prerrogativa do empreendedor e defende a exclusão do artigo.

A entidade alerta que os custos podem ter sobre as tarifas de transporte de todos os usuários do sistema.

Entre os usuários, o IBP (produtores) entende, por sua vez, ser temerária a inclusão de uma obrigatoriedade sem a devida análise de economicidade e das opções alternativas; e sugere que a regra não se aplique quando comprovado a não economicidade da operação.

E a Abrace (grandes consumidores industriais) vai na mesma linha ao defender que o texto deixe claro que a obrigatoriedade da conexão estará condicionada à viabilidade econômico-financeira, de modo a evitar, sobretudo, impor elevado custo para ligar terminais distantes da malha de transporte existente.

E acrescenta que o regulador só deverá autorizar a inclusão dos investimentos na Base Regulatória de Ativos (BRA) do transportador caso o custo médio do investimento seja inferior ao custo médio do sistema de transporte.

A Abrace entende que os gasodutos só devem ser reconhecidos como de transporte caso for comprovado o interesse geral e a eficiência global – conceito presente na discussão sobre a regulamentação dos critérios de classificação de gasodutos. Caso contrário, devem ser considerados parte integrante dos terminais de GNL.Aí entra novamente o debate sobre o tratamento dos novos investimentos.

  • Nas discussões que correm em paralelo, sobre a revisão tarifária das transportadoras e dos novos critérios de cálculo das tarifas, o Conselho de Usuários tem levantado a bandeira sobre a necessidade de um rito regulatório mais claro por parte da ANP:
  • e que qualquer novo investimento seja incorporado à Receita Máxima Permitida (RMP) somente após rito de avaliação da proposta de investimento — com consulta pública; sua vinculação ao PNIIGB; aprovação pelo regulador etc.

Os usuários pedem cautela com a aprovação dos novos investimentos propostos na revisão tarifária e no Plano Coordenado das transportadoras.

Entre eles o Gasinf, preterido pelo Plano Integrado da EPE, mas incluído pela NTS nos investimentos previstos para o ciclo 2026-2030.

O CdU defende que a tarifa incremental (aquela relacionada exclusivamente à capacidade de transporte ampliada) seja bancada exclusivamente pelo carregador que motivou os investimentos na infraestrutura. Os custos só devem ser socializados se comprovado o benefício sistêmico.

A Edge (TRSP) classificou a proposta da ANP como uma “interferência desproporcional e potencialmente inconstitucional no direito de propriedade e na autonomia empresarial”.

  • Sugere que a regra respeite os critérios de financiamento, bem como o desenho de viabilidade econômica e técnica do terminal de GNL;
  • e que deixe de valer se implicar em “impactos econômicos adversos aos proprietários e usuários já existentes”.

A companhia argumenta, ainda, que os terminais são investimentos privados realizados com base em modelos de negócio específicos, muitos dos quais não contemplam nem requerem conexão com gasodutos de transporte – a distribuição de GNL small-scale é um deles.

E que forçar alterações estruturais em instalações privadas “sem demonstração de necessidade pública ou justa indenização configura expropriação regulatória incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro”.

A Edge questiona, além disso, os benefícios da conexão para a eficiência do sistema: 

  • “A imposição também ignora que interconexão nem sempre é benéfica do ponto de vista sistêmico. Conexões desnecessárias podem criar pontos adicionais de falha, aumentar a complexidade operacional e gerar custos de manutenção sem benefícios proporcionais. Em alguns casos, a operação isolada é mais eficiente e segura que a interconexão forçada”

A Edge defende ainda a exclusão do artigo que proíbe a autorização para terminais que, injustificadamente, não se conectem ou não pretendam se conectar ao transporte.

Segundo a empresa, trata-se de “excesso de poder regulatório sem amparo legal” – pelo contrário, viola o princípio constitucional da livre iniciativa e a Lei de Liberdade Econômica, na visão da companhia.

  • “Isso privilegia arbitrariamente um modelo de negócio sobre outros igualmente válidos, criando reserva de mercado para transportadoras e prejudicando modelos inovadores de suprimento de gás”.

As transportadoras, representadas pela ATGás, por sua vez, são as principais apoiadoras da proposta da ANP.

A participação da entidade na consulta pública focou em estabelecer prazos para viabilizar as conexões.

  • A associação sugeriu, por exemplo, que os proprietários/operadores de terminais existentes e desconectados deverão apresentar à ANP suas justificativas em até seis meses da publicação da resolução – ou, no mesmo prazo, solicitação para conexão.

Também sugeriu um ajuste de redação no artigo 38: a ANP indeferirá solicitação de autorização para o terminal que, injustificadamente, não se conecte ou não pretenda se conectar exclusivamente ao transporte.

O objetivo, aqui, é reforçar que a única forma de assegurar o acesso de terceiros aos terminais de GNL é por meio de sua integração ao sistema de transporte. Alega que, sem a utilização desse termo, seria possível interpretar que o terminal poderia se conectar diretamente a consumidores, bypassando o transporte.

A ATGás enumera os benefícios da conexão: é essencial para consolidar um mercado de gás natural competitivo, seguro e eficiente.

“A obrigatoriedade de interconexão, com indeferimento de autorizações em casos de desconexão injustificada, é peça-chave para viabilizar o Novo Mercado de Gás de forma integrada, transparente e resiliente”

“Ao estabelecer essa obrigatoriedade, a ANP não apenas dá concretude ao arcabouço jurídico-regulatório, como também fortalece o ambiente institucional, tornando-o mais atrativo a investimentos, reduzindo assimetrias e promovendo maior equidade no acesso ao insumo energético”, justifica.


Revisão tarifária. O Fórum do Gás questiona o rito regulatório conduzido pela ANP e pede a abertura de uma nova consulta pública para tratar do assunto.

  • A ANP está “bastante firme” na decisão de tocar a revisão tarifária em paralelo com a revisão da Resolução 15/2014, segundo a diretora Symone Araújo. Confira a entrevista ao videocast gas week

Troca no comando. A agência mudou o comando da Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM), responsável pela regulação do gás. A área  passará a ficar com Thiago Neves de Campos, no lugar de Patricia Baran.

Gás argentino. A Petrobras confirmou o início dos primeiros testes para a importação do gás natural não convencional de Vaca Muerta. Ao todo, foram importados 100 mil de m³, em parceria com a Pluspetrol na Bacia de Neuquén.

Térmicas à frente. Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) aponta que o atendimento ao SIN, se verificado um cenário desafiador, vai exigir geração térmica adicional, além do aumento da geração das hidrelétricas do São Francisco e o uso mais acentuado do reservatório de Itaipu.

Gás substitui diesel. A Cedro Mineração fechou um acordo com a Gás Verde para uso de GNV num projeto piloto de descarbonização de sua frota de caminhões. Os testes ocorrem este mês no transporte de minério de ferro entre Mariana e o Terminal Fazendão da Vale, em Minas Gerais.

Do estúdio eixos na EVEx Lisboa 2025:

Opinião: Partes envolvidas na negociação de contratos de compra e venda de gás devem avaliar quais soluções são mais adequadas para seu negócio e redigir cláusulas de take or pay ou take and pay que evitem conflitos futuros, escrevem a sócia e o advogado de Infraestrutura e Energia, Petróleo e Gás do Machado Meyer Advogados, Maria Fernanda Soares e Gabriel de Andrade Cavalcanti.

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