gas week

A agenda fora dos muros da ANP para o transporte de gás natural

Usuários e transportadores se aproximam para tentar construir convergências sobre regulamentações da ANP, mas não só isso

Presidente do Conselho de Usuários, Sylvie D'Apote, diz que a busca é pela aproximação com transportadores (Foto: Steferson Faria)
Presidente do Conselho de Usuários, Sylvie D'Apote, diz que a busca é pela aproximação com transportadores (Foto: Steferson Faria)

PIPELINE. Usuários de gasodutos e transportadores se aproximam em torno de agenda bilateral que tenta construir convergências para agilizar regulamentações da ANP, mas que é mais ampla do que isso.

NTS propõe investimento para ampliar interconexão com Nordeste. Petrobras descarta SEAP em 2028. Shell espera decisão sobre Gato do Mato em 2025. Virtu GNL e Edge anunciam acordo para corredor a gás. Combustível do Futuro sancionado e mais. Confira:


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Enquanto a ANP define sua nova agenda regulatória 2025/2026, o Conselho de Usuários (CdU) dos gasodutos e as transportadores se aproximam em torno de uma agenda bilateral que tenta se antecipar ao regulador e construir convergências sobre regulamentações pendentes — mas não se limita a elas.

Discussões como transparência do setor de transporte, investimentos na expansão da infraestrutura e uma nova rodada de negociações para redução das penalidades nos contratos são alguns dos temas na ordem do dia.

E vem mais trabalho aí. A ANP recebe até 25/10 as contribuições do mercado sobre sua nova agenda regulatória 2025-2026.

A (extensa) lista de temas do setor de gás já é bem conhecida. São itens pendentes da agenda atual – que atrasou – e que tocam diretamente, a maioria deles, o negócio de transporte de gás natural.

Caso dos códigos comuns de acesso à rede; dos critérios para cálculo das tarifasautonomia e independência dos transportadores; interconexão; caracterização da ampliação da capacidade; e critérios para definição de gasodutos de transporte.

O mercado aguarda, agora, o reordenamento da agenda. E também uma resposta sobre como ela vai conversar com a nova governança do setor introduzida pelo novo decreto da Lei do Gás.

Afinal, uma das grandes novidades da nova regulamentação, o Comitê de Monitoramento tem como uma de suas competências, justamente, recomendar a priorização da ordem de execução dos temas a serem regulamentados pela ANP.

A seguir, a gas week apresenta um panorama das discussões entre o CdU e os transportadores e como elas podem afetar o funcionamento do mercado.


O CdU é uma entidade composta por representantes de diferentes elos da cadeia de gás. A criação do Conselho está prevista na Lei do Gás, para atuar na defesa dos interesses dos carregadores (aqueles que contratam a capacidade de transporte nos gasodutos) e no monitoramento das transportadoras.

Heterogêneo por natureza,  ainda não tem uma posição fechada sobre os efeitos do novo decreto da Lei do Gás. (saiba mais sobre o Conselho)

O regulamento deu um prazo de 180 dias (até o fim do 1º bimestre de 2025) para que os operadores das infraestruturas existentes (de escoamento, processamento e transporte) apresentem uma proposta de Base Regulatória de Ativos (BRA) para aprovação da ANP.

Ao menos sobre esse ponto a posição do Conselho já é clara: o decreto reaviva o debate sobre a necessidade de se dar maior transparência ao setor.

Ao reiterar o seu pedido junto à ANP, em setembro, o CdU citou que o novo decreto “reforça a necessidade de um processo revisional mais inclusivo e transparente”.

Desde sua fundação, o CdU tenta antecipar o debate sobre a base da NTS e da TAG – que passarão, em 2025, pela primeira vez, por uma revisão tarifária.

Representantes do Conselho cobram da ANP, antes mesmo da criação do CdU, o acesso às informações sobre a BRA dos contratos legados – aqueles assinados com a Petrobras antes da privatização das transportadoras e que constituem, hoje, a base da remuneração das transportadoras. 

Os usuários pedem acesso à memória de cálculo das tarifas de todos os contratos. Em setembro, a área técnica da ANP se posicionou: apesar de reconhecer a relevância do tema, entendeu que são necessárias informações complementares.

Questionou então o CdU sobre, dentre outros aspectos: a competência do Conselho para tal pleito; o interesse público do pedido; e os motivos pelos quais a divulgação das memórias de cálculo não representaria vantagem competitiva a outros agentes econômicos.

Em resposta, o CdU reiterou que o compartilhamento da BRA “cria uma base sólida para que os debates sobre tarifas sejam feitos de maneira equilibrada”.

A BRA representa o conjunto de ativos diretamente relacionados à atividade de transporte. A valoração dessa base é um dos componentes no cálculo da receita máxima permitida ao qual as transportadoras têm direito a receber e é um dos primeiros passos de um processo de revisão tarifária.

“Honestamente, entendo que o decreto nem precisava fazer isso [exigir a abertura da BRA] para o transporte, porque já deveríamos ter essas informações”, comentou a atual presidente do CdU, Sylvie D’Apote, do IBP, em entrevista à agência eixos.

“Precisamos nos debruçar sobre a BRA. Não tem jeito, vamos continuar insistindo com a ANP porque estamos às vésperas da finalização dos [primeiros] contratos legados da TAG e NTS. Precisamos, já, preparar os carregadores a se posicionar nas discussões que acontecerão em breve”, completou.


O CdU espera avançar também na discussão com os transportadores sobre a transparência da Conta Regulatória – um mecanismo criado para evitar cenários de sobre ou sub arrecadação em relação à receita máxima permitida dos transportadores. 

Em resumo: valores recebidos com produtos de curto prazo, penalidades e excedentes autorizados e não autorizados são adicionados no saldo dessa conta e revertidos em redução tarifária.

O pleito original do Conselho é pela publicação mensal dos dados que compõem a conta. Hoje, o acesso à informação ocorre no momento em que a tarifa é definida para oferta de capacidade.

Os usuários entendem que, assim, os consumidores têm mais previsibilidade dos custos relativos à infraestrutura.

O outro lado: A gerente-executiva da ATGás, Claudia Sousa, afirmou que o assunto já está sendo endereçado pelas transportadoras.

A ideia é que seja feita uma divulgação mais detalhada das contas e suas respectivas fontes de receita, mas anualmente, com saldos fechados.

Sylvie D’Apote conta que o CdU também tem dúvidas ainda sobre como o novo decreto dialogará com o Plano Coordenado de Desenvolvimento – planejamento proposto pelos transportadores, previsto na Lei do Gás de 2021.

Uma 1ª versão do plano foi apresentada este ano à ANP, com 31 projetos e perspectivas de investimentos da ordem de R$ 36 bilhões até 2033.

Uma das novidades do novo decreto da Lei do Gás, porém, é a criação do Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano – a partir do qual a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicará as melhores alternativas de expansão das infraestruturas (não só de transporte), analisadas de forma sistêmica.

Assim, mudam-se os ritos para outorga de novos investimentos.

visão no governo é de que o espírito do decreto, ao instituir o Plano Integrado, bem como o novo Comitê de Monitoramento, é somar esforços para agilizar os processos na ANP, por meio de uma articulação institucional.

“A gente tem que entender como o novo Plano Integrado da EPE se sobrepõe. É para depois ou eles vão ter que acatar o que as transportadoras já estão fazendo nesse momento?”, questionou D’Apote.

Sobre isso, a gas week trouxe, há duas semanas, a visão do diretor da ANP, Bruno Caselli, sobre o novo decreto. Ele defende que a agência mantenha ritos regulatórios e os trabalhos em curso, em meio às incertezas que ainda pairam sobre o novo arranjo regulatório do gás.

As transportadoras convivem, hoje, com a demora da ANP na análise de pedidos de autorização para novos investimentos.  Os projetos precisam passar pelo aval do regulador – e agora também pela análise minuciosa do Conselho de Usuários.

O CdU, aliás, tem feito questionamentos sobre o projeto da TAG, para construção de uma nova estação de compressão em Itajuípe (BA) e que visa a aumentar a capacidade do fluxo de gás entre o Sudeste e o Nordeste.

O Conselho pede que, antes de qualquer autorização para o projeto, a transportadora apresente, dentre outros pontos, mais detalhes sobre as premissas utilizadas na elaboração do projeto e análise de sensibilidade com cenários alternativos.

“A análise de investimentos é uma coisa que é importante nas duas pontas: pelo nível de modicidade tarifária e pelo nível de segurança operacional. É algo que com certeza está e vai continuar na nossa agenda de trabalho”, afirma o vice-presidente do CdU, Adrianno Lorenzon, da Abrace.

Claudia Sousa, da ATGás, comentou, nesse sentido, que o debate sobre os investimentos precisa ser amplo e não contemplar apenas o viés tarifário – como também o aspecto da segurança do sistema e no valor da maior integração para a liquidez do mercado.

“As consequências de não fazer um determinado projeto podem ser muito custosas”. Em Itajuípe, por exemplo, ela destaca que o racional é que o Nordeste não fique preso ao GNL importado e consiga acessar o gás do pré-sal [antes do início da produção de Sergipe Águas Profundas].

Em entrevista ao estúdio eixos, na ROG.e, o presidente da ATGás, Rogério Manso, havia dito que existe, hoje, “uma demanda por comunicação” com o mercado sobre os projetos das transportadoras:

“É legítimo que se coloque, que se explique, porque significa que tem alguma complexidade ali que precisa ser esclarecida”, disse, na ocasião.

A criação do Conselho de Usuários introduziu, em 2023, uma nova dinâmica na relação entre as transportadoras e seus clientes – e que, no limite, contribui para a própria agenda regulatória da ANP.

“É uma forma de ajudar o regulador, que tem um esforço regulatório enorme, em vários sentidos, e a gente sabe das dificuldades [orçamentárias, déficit de pessoal] que o regulador está passando”, afirma Lorenzon.

A agenda de trabalho do CdU com as transportadoras segue um caminho próprio de uma relação entre cliente e fornecedor – que por vezes pode ser conflitante, mas que se propõe a buscar “denominadores comuns”.

“Ao mesmo tempo, é natural que em algum momento o regulador seja envolvido para arbitragem… Mas nesse movimento de interface com os transportadores, a gente já consegue chegar em vários entendimentos e na hora que a coisa chega para o regulador a bola já está mais arredondada”, comenta Lorenzon.

Dentro da agenda regulatória da ANP, um exemplo de discussão que vem sendo antecipada entre as partes é a da regulamentação dos códigos comuns – as primeiras minutas propostas pelos transportadores já foram compartilhadas com os carregadores e as negociações devem começar a ganhar tração.

D’Apote conta que o primeiro ano de atividades do CdU resultou em alguns avanços concretos na relação entre as transportadoras e usuários.

Ela cita que houve melhorias na POC (plataforma de oferta de capacidade de transporte) e nos contratos de transporte; e que as partes atuaram na defesa de interesses comuns na discussão da reforma tributária.

Lorenzon, por sua vez, lembrou do episódio do choque tarifário da malha da NTS, que surpreendeu o mercado em junho; e destacou como a interação entre usuários e a transportadora, na ocasião, foi importante para encontrar uma solução para amenizar o tarifaço.

“A lição aprendida [com o episódio] é a necessidade de estarmos próximos aos transportadores e ao regulador, para entender esses movimentos o quanto antes possível”.

O Conselho se prepara, agora, para uma segunda rodada de negociações com as transportadoras, sobre a redução de penalidades nos contratos.

O CdU apresentou este mês uma nota técnica reforçando alguns pleitos: ajustes em cláusulas de garantias; redução dos multiplicadores de produtos de curto prazo; implementação dos Acordos de Operação com as distribuidoras etc.

D’Apote destaca como embora as receitas obtidas com as penalidades sejam convertidas na Conta Regulatória em modicidade tarifária, elas trazem uma percepção de risco que contamina o preço final do gás.

“Porque como é muito complicado você prever essas penalidades, entender todos os momentos em que você vai ter que pagar penalidade, isso cria uma complexidade, uma incerteza, um risco que nem todo mundo, nem todo potencial carregador se sente seguro de poder gerenciar”.

A ATGás entende que o primeiro ano de interações com o Conselho de Usuários já revelou avanços nos contratos, mas que, mesmo voltadas para se adequarem à visão do cliente, as transportadoras não conseguem atender todas as mudanças pleiteadas de imediato.

A gerente de Assuntos Jurídicos e Regulatórios da ATGás, Marina Cyrino, acrescenta que as transportadoras já trabalham em conjunto para harmonizar seus contratos e que as contribuições recebidas do CdU têm ajudado na tarefa.

Sobre os ajustes nos contratos, ela pontua que as transportadoras pretendem abrir em breve novos workshops para aprofundar os debates com os carregadores.


E por falar em transporte… NTS propõe ampliar a capacidade de transferência entre Sudeste e Nordeste, de 5 milhões para 20 milhões de m³/dia.

SEAP. A Petrobras não vai mais conseguir iniciar a produção do projeto Sergipe Águas Profundas em 2028, conforme previsto, disse a diretora Renata Baruzzi, na Offshore Week. Eststal espera relançar as licitações dos FPSOs em 2024.

Gato do Mato. Shell espera tomar decisão final de investimento no início de 2025, disse o CEO da companhia no Brasil, Cristiano Pinto da Costa, na Offshore Week 2024.

Exploração.Centenas de blocos podem ficar de fora da Oferta Permanente da ANP. Agência aguarda manifestações de oito órgãos ambientais estaduais para dar continuidade à inclusão das áreas na oferta. 

Tarifas em SP. Arsesp abriu consulta pública, até 28/10, sobre a revisão das estruturas tarifárias. Acatou sugestão da Comgás, para criação de novos segmentos: o de Aquecimento Massivo de Água Residencial e Comercial.

Corredor a gás. A Virtu GNL e a Edge fecharam um acordo para viabilizar a instalação de um corredor de transporte pesado a GNL entre o litoral de São Paulo e o Centro-Oeste a partir de 2025.

– O diretor da Scania, Gustavo Bonini, defende que o Brasil precisa de políticas públicas que incentivem a construção da infraestrutura para os corredores.

Combustível do Futuro sancionado. Presidente Lula sancionou na terça (8/10), a lei que cria programas nacionais para diesel verde, combustível sustentável de aviação (SAF) e biometano. 

– A regulamentação pendente deve ser um fator de estímulo, e não de barreira para o mercado de biometano, defende o diretor da A&M, Rivaldo Moreira Neto.

– Um dos principais desafios será calibrar bem a oferta e demanda na definição do mandato, afirma o diretor da Ultragaz, Aurélio Ferreira.

– Para o CEO da Geo Biogas & Carbon, Alessandro Gardemann, o mercado brasileiro tem potencial para crescer muito além do mandato introduzido no Combustível do Futuro.

Energisa. Grupo se prepara para começar a produzir biometano em 2025 e lança braço de comercialização de gás. Em paralelo, está montando mesa de carbono que fará a venda de certificados de origem do gás renovável.

TBG. Diretor comercial da transportadora, Jorge Hijjar, defende que o produtor tenha um incentivo tarifário para injetar o biometano na malha. 

RJ. Biometano será parte importante de novo plano de negócios da Naturgy.