ENTREVISTA | A NDC do Brasil está abandonada, diz Izabella Teixeira

ENTREVISTA | A NDC do Brasil está abandonada, diz Izabella Teixeira

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Diálogos da Transição

apresentada por

Quem faz
Felipe Maciel, Gabriel Chiappini, Guilherme Serodio e Larissa Fafá
Editada por Gustavo Gaudarde
[email protected]

A NDC do Brasil está abandonada, diz Izabella Teixeira

“Estamos voltando no tempo com o desmatamento e não estamos colocando nada em relação ao futuro. Desmontaram a estrutura de governança, e hoje a NDC está sem pai, nem mãe”. O alerta é Izabella Teixeira, co-presidente do Painel de Recursos Naturais da ONU (IRP-UNEP)

Em entrevista à epbr, Izabella – que comandou o Meio Ambiente entre 2010 e 2016, durante os governos Lula e de Dilma Rousseff –, alerta para os efeitos do desmatamento na economia brasileira e no próprio agronegócio.

E para os riscos em torno dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, por meio das suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).

“O governo brasileiro descumpre a política nacional de mudança do clima por conta do desmatamento. E as emissões do desmatamento não têm natureza econômica. Têm natureza de crime”, afirma.

Vale lembrar: em novembro será realizada a  26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), adiada em decorrência da pandemia.

Será a reta final das negociações para implementação dos mecanismos de mercado previstos no Acordo de Paris, uma oportunidade econômica para países que implementarem sistemas sólidos de abatimentos de emissões.

O que está em jogo nas discussões sobre a Amazônia?
Não se trata de uma visão só com a perspectiva da floresta ou do crime ambiental. Há um outro lado da moeda, em que a ciência tem um papel extremamente importante, e diz respeito à regulação hídrica. Desmatar a Amazônia leva ao que chamamos tipping point.

Você vai empilhando as coisas para manter o equilíbrio, até que em um determinado momento você coloca uma peça e aquilo colapsa toda a estrutura. Essa peça é o tipping point.

A natureza tem o equilíbrio no planeta, as coisas estão interconectadas e tem um limite para mexer nesse equilíbrio. Vai chegar um momento em que o desmatamento é tão disruptivo nas funções ecológicas da floresta, que a floresta vai savanizar, vai virar um Cerrado.

Qual o reflexo econômico dessa ruptura nas funções da floresta?
Isso vai impactar desde o equilíbrio climático, até o comprometimento dos chamados rios voadores. A Amazônia produz esses rios que regulam e são importantes na oferta de água, não só para a floresta, mas para o Cerrado onde está o agronegócio brasileiro.

Isso também teria um impacto global. Um estudo da Universidade de Princeton simulou o que aconteceria com o mundo se cortasse 50% da Amazônia.

Esse impacto não seria só no Brasil, no agronegócio brasileiro. Iria impactar várias regiões do mundo com secas acentuadas, incêndios e queimadas e falta de água, afetando, obviamente, as áreas produtivas.

Como avalia a ação dos gestores que estão lidando com a questão do risco climático?
A questão do risco é uma questão de existência, não é mais uma suposição. A covid-19 tá aí para mostrar.

É fruto de uma relação desbalanceada entre natureza, saúde e mudança climática. Essas queimadas na Austrália, Califórnia, Brasil e África são sintomas de eventos extremos associados às mudanças climáticas. Por isso a ciência está mergulhada em trabalhar esses cenários e o mundo todo querendo entender como se preparar para lidar com essa nova situação.

O Bank for International Settlements fez um relatório em fevereiro chamado Green Swan (cisne verde) mostrando que a crise emergente no sistema financeiro internacional é a mudança do clima.

Então eles estão tomando uma série de providências, procurando ações preventivas para minimizar esse risco climático no sistema financeiro. E quem se juntou a isso imediatamente foram as seguradoras mundiais.

Que tipo de ações preventivas?
Investir em renováveis, na descarbonização, novas tecnologias, trabalhar melhor o uso do solo, investir na produção de alimentos com baixo carbono.

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Sobre o Acordo de Paris, qual o potencial de o Brasil cumprir sua NDC?
A NDC do Brasil está abandonada. O atual governo desmontou a estrutura de governança climática que existia antes. Para montar uma NDC é preciso uma estratégia.

O governo brasileiro descumpre a política nacional de mudança do clima por conta do desmatamento. E as emissões do desmatamento não têm natureza econômica. Têm natureza de crime.

O que é preciso mudar?
Um desafio é conter os retrocessos das políticas atuais, ou seja, conter o desmatamento, voltar ao que tínhamos antes. Na política nacional do clima, que vai até 2020, os compromissos previam chegar a 3.945 km² de taxa de desmatamento esse ano.

No cenário que está sendo desenhado, a taxa chegará a 14 mil km², três vezes o objetivo. Vamos voltar ao patamar de 2008.

Este governo está provocando, pelas suas medidas insuficientes, a retomada do desmatamento e por outro lado não está colocando nada no lugar de ambições, de como vai fazer para implementar a NDC, sendo que não se trata mais só de implementar a NDC.

Todo mundo que é signatário do Acordo de Paris terá que rever as metas. O Brasil já deveria estar apresentando a revisão e a visão de longo prazo para 2050. Por isso a União Europeia está falando que em 2050 vai ser carbono neutra, ou a China, maior emissora do mundo, anunciando que em 2060 vai neutralizar todas as emissões da sua economia.

Quais as consequências dessa posição do Brasil no ambiente global?
O Brasil perde credibilidade e confiança não só nas questões ambientais, mas nas implicações para outras políticas e atração de investimentos.

Tudo vai ficar mais difícil. Tudo vai ficar mais caro. Ou tudo vai ficar na base primária. Enquanto o mundo evolui para agregar valor, o Brasil fica ali vendendo commodities.

Curtas

Levantamento do Inesc sobre a execução orçamentária em 2020 em relação ao meio ambiente mostra que, dos pouco mais de R$ 323 milhões autorizados para despesas correntes ligadas aos programas finalísticos, apenas 35% foi pago até a primeira semana de setembro. Impacto direto no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal .

…”Hoje, pode-se dizer que o programa não mais existe, que as estratégias de enfrentamento ao problema e as metas foram perdidas, não tendo sido colocado outra iniciativa explícita em termos de compromissos do governo federal, metas, assim como articulação institucional e estrutura de governança no seu lugar”, avalia Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

O Senado protocolou, na semana passada, pedido para criação de uma CPI da Crise Ambiental. Parlamentares reuniram assinaturas de um terço dos 81 senadores, mínimo necessário para a abertura de uma CPI. A instalação depende da autorização do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A proposta de reforma tributária sustentável foi apresentada por 12 entidades aos parlamentares da comissão mista que analisa a matéria (PEC 45/19), na última quinta. O objetivo é taxar mais quem polui mais e acabar com os subsídios dados a setores que não são ambientalmente responsáveis.

O pacote com nove propostas para a reforma inclui veto aos incentivos ou regimes fiscais especiais para atividades intensamente poluentes e reformulação da CIDE, que poderia ser usada como ferramenta de desestímulo ao consumo de derivados de petróleo. Foi lançado pela Frente Parlamentar Ambientalista e organizações da sociedade civil em agosto

O potencial financeiro da bioeconomia na Amazônia em contraste à percepção negativa da imagem do Brasil no exterior foi tema de debate no evento How is the Business Sector Supporting the Amazon? (Como o setor empresarial está apoiando a Amazônia?), realizado pelo CEBDS na última sexta (25). Programação fez parte da Semana do Clima de Nova York.

Na contramão dos esforços empresariais pelo globo para reduzir emissões, a Air France-KLM está se posicionando contra a criação de impostos verdes. A Comissão Europeia quer reduzir as emissões de gases estufa em 55% sobre níveis de 1990 na próxima década, ante patamar de 40% definido anteriormente…

…Mas, enquanto defensores da medida afirmam que ela já foi retardada por tempo demais, as companhias aéreas afirmam que o momento atual e intensidade da proposta vão custar mais milhares de empregos e prejudicar o desenvolvimento de tecnologias de emissão reduzida de carbono. (Reuters)

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