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Os próximos passos do biometano no Combustível do Futuro

Oferta, cálculo da meta e do atributo ambiental, além da harmonização do CGOB com outros certificados são questões a serem respondidas pela regulamentação

Exposição de veículos a biocombustíveis durante a sanção do Combustível do Futuro, em outubro de 2024 | Foto: Tauan Alencar/MME
Exposição de veículos a biocombustíveis durante a sanção do Combustível do Futuro, em outubro de 2024 | Foto: Tauan Alencar/MME

NESTA EDIÇÃO. Governo trabalha em decreto e resoluções para regulamentar a entrada do biometano na matriz de combustíveis.

Oferta e harmonização de certificados são questões que precisam de respostas ainda este ano para viabilizar mandato em janeiro de 2026.


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Sancionada em outubro de 2024, a lei do Combustível do Futuro inaugura no Brasil um mercado cativo para o biometano, a partir de um mandato de redução de emissões que deve entrar em vigor já em 1º de janeiro de 2026.
 
O mandato pode ser cumprido tanto com a utilização da molécula quanto com a compra de certificados de rastreabilidade que também estão sendo criados a partir do marco legal, os CGOB (Certificado de Garantia de Origem de Biometano).
 
Há, no entanto, um longo caminho regulatório a ser percorrido para colocar esse mandato de pé. E o prazo é curto.
 
“Temos um mandato a cumprir e a regulamentação para que tudo esteja operando a partir de 2026. É um desafio gigantesco. A gente não quer ser mais um elemento complicador do mercado de gás natural. O mandato para o biometano não pode ser algo que vá atrapalhar esse mercado e onerar o consumidor”, comenta Marlon Arraes, diretor do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME).
 
Segundo Arraes, a visão da pasta é que o biometano deve ser uma solução para o mercado de gás, atraindo novos consumidores para a molécula que carrega o atributo da descarbonização.
 
Ele participou, na terça (8/4) de uma mesa redonda promovida pela gas week com representantes da ANP, Petrobras e Marquise Ambiental sobre a agenda regulatória pós-Combustível do Futuro.
 
Oferta para atender a demanda obrigatória, cálculo da meta e do atributo ambiental, além da harmonização do CGOB com outros certificados existentes são algumas questões que ainda precisam de uma resposta – antes de 1º de janeiro.
 
No final de 2024, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) instituiu o Comitê Técnico Permanente do Combustível do Futuro, que terá um subcomitê dedicado ao tema.
 
Arraes conta que a reunião inaugural deve ocorrer ainda em abril. 
 
Além de um decreto regulamentador, o colegiado deve orientar atos infralegais como resoluções da ANP, para regulamentar o CGOB e a fiscalização do mandato.



“O biometano não é uma novidade na vida da ANP. Já temos resoluções como a que regula o exercício da atividade e duas que já trazem a especificação sobre o biometano”, observa Fernando Moura, diretor da ANP.
 
Ele citou também a autorização especial concedida à GNR Fortaleza em 2024 para injeção de biometano na rede da Cegás como uma experiência que se alinha às discussões sobre os próximos passos para introdução do biocombustível na matriz.
 
A organização dos trabalhos na ANP é semelhante à do MME: um grupo de trabalho formado em 2024 pela Superintendência de Biocombustíveis e Qualidade de Produtos está analisando se será preciso rever as resoluções existentes, especialmente em termos de especificação. Além, claro, de como será feita a certificação do CGOB.
 
“Já temos achados importantes e temos feito também um esforço com o mercado para entender o que cada um tem a contribuir. É importantíssimo que a ANP ouça e consiga internalizar, na medida do possível, essas expectativas para que a gente consiga sair com um modelo mais equilibrado possível”, afirma.

Talvez uma das questões mais sensíveis neste novo mercado, a harmonização do mandato de biometano e a emissão dos CGOBs com o RenovaBio e os créditos de descarbonização (CBIOs) ainda deve render muito debate.
 
“A gente tem um limite legal que é o da não dupla contagem. Não pode ter nada que dê margem a uma dupla contagem do atributo ambiental”, destaca Arraes. 
 
Ele explica que o CGOB é um dos instrumentos para cumprir a lei, e a intenção é permitir transações do título no mercado, de forma transparente e com liquidez. Para isso, irá buscar referências no Renovabio.

Em janeiro deste ano, a Petrobras lançou seu primeiro edital de compra de biometano, o que pode ajudar a responder a uma outra pergunta: vai ter oferta?
 
A chamada recebeu propostas até 31 de março e a expectativa é chegar ao final do ano com contratos assinados para cumprir o mandato que será estabelecido pelo CNPE.
 
“A gente já vinha olhando o biometano há bastante tempo com duas frentes. Uma frente seria a descarbonização das nossas operações, com uma entrega eventualmente em alguma das nossas unidades, isso está na nossa chamada de propostas, como uma possibilidade”, conta Gabriela Damasceno, gerente Gestão de Contratos e Orçamentação da Petrobras.
 
“A outra frente seria o biometano para compor o nosso portfólio de ofertas. A gente opera com as ofertas nacionais, importação por gasoduto, importação de GNL. O biometano entraria para reduzir a pegada de carbono do nosso portfólio e também atender as necessidades dos clientes, mas sempre com a visão da competitividade”.
 
Gabriela afirma que a petroleira já vinha estudando o mercado e mapeando possibilidades de prazos, volume e condições comerciais. Mas a chegada da lei trouxe um novo sentido de urgência.
 
“Com a lei, efetivamente, com o estabelecimento desse prazo, que concordamos é um prazo curto, desafiador, entendemos que era preciso dar um passo adicional. O passo adicional foi a chamada de propostas”.

Para Hugo Nery, presidente da Marquise Ambiental, que opera a usina de biometano GNR Fortaleza, é preciso também entender a demanda para desenhar os investimentos.
 
“Há toda uma dificuldade no Brasil para que se possa entregar o gás de petróleo a um preço competitivo onde precisa. Seja de caminhão, seja de tubulação, é um desafio porque toda a nossa estrutura de distribuição, diferente da Europa, não é baseada em gás, é baseada em granéis líquidos”.
 
Com a expansão do mercado de biometano, mais pulverizado que o de gás natural, essa infraestrutura precisará de nova escala, o que significa altos investimentos.
 
Na visão do executivo, se a decisão do país é pela descarbonização, será preciso encontrar soluções criativas para escalar a distribuição de gás de forma competitiva.
 
“É importante conhecer a demanda para saber o quanto vale o investimento em tubulação ou em caminhão para que a gente possa fazer uma distribuição adequada”. 
 
Ele aponta que há um grande potencial em aterros sanitários pelo Brasil ainda pouco explorado e que precisa de decisões políticas para viabilizar projetos.
 
“Eu enxergo a necessidade da gente ter, por exemplo, uma parceria forte com o Ministério da Indústria e Comércio. O mercado livre tem que ser pensado sob a ótica de uma política de Estado no sentido de onde é que estão os pólos de desenvolvimento? Nesses polos de desenvolvimento, tem possibilidade de oferta de biogás? Essa oferta pode ser montada dentro do processo regulatório e de classificação adequada para aquele cliente?”, questiona.


PDE 2034. O MME aprovou o Plano Nacional de Expansão de Energia (PDE 2034), elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com as perspectivas da expansão do setor para os próximos 10 anos. O documento final ainda será publicado, mas os estudos podem ser consultados no site da EPE. Os documentos estão estruturados em cadernos, por eixos temáticos
 
Foz do Amazonas. O Ibama informou na terça-feira (8/4), via nota, que recebeu a comunicação formal da Petrobras sobre a conclusão das obras do Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna de Oiapoque (AP) e que solicitação seguirá para avaliação dentro dos trâmites previstos no processo de licenciamento ambiental. A data para a vistoria técnica na base ainda será definida.
 
Consulta a comunidades. Representantes de povos indígenas pediram ao governo que ouça as comunidades antes de decidir sobre projetos de exploração energética que afetem os seus territórios. Eles fizeram a reivindicação em audiência da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados.
 
Hidrogênio verde no Mar Vermelho. O Egito e a França anunciaram, na terça (8/4), um acordo no valor de 7 bilhões de euros para a construção de uma usina de produção de hidrogênio e amônia verde na região de Ras Shoukair, no Mar Vermelho, no Egito. O contrato foi assinado por representantes da Autoridade dos Portos do Mar Vermelho, da Autoridade de Energia Nova e Renovável do Egito (NREA), da empresa egípcia Zero Waste e da francesa EDF Renewables.
 
IA com carvão nos EUA. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma série de medidas, que segundo ele, visam expandir a mineração e o uso de carvão nos EUA para acelerar o boom de data centers. Grandes consumidores de energia, esses centros de dados podem reavivar a decadente indústria de combustíveis fósseis dos EUA. (Bloomberg)
 
Clima extremo. As temperaturas globais atingiram máximas históricas em março, informou o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus na terça-feira (8/4), prolongando uma onda de calor sem precedentes que ultrapassou os limites da explicação científica. Na Europa, foi o março mais quente já registrado, causando extremos de precipitação em um continente que está se aquecendo mais rápido do que qualquer outro. (Agência Brasil)

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