diálogos da transição

O que diz (e o que não diz) o rascunho da Decisão Mutirão

Decisão mutirão emite menção a combustíveis fósseis em tentativa de costurar consensos — não deu certo

O que diz (e o que não diz) o rascunho da Decisão Mutirão (Foto de Raimundo Pacco/COP30)
21.11.2025 - Belém - Reunião plenária na 30ª Conferência das Partes (COP30). Foto de Raimundo Pacco/COP30

NESTA EDIÇÃO. Texto celebra 10 anos do Acordo de Paris e promete avançar com implementação.

Faltou explicar como.


Publicado nesta madrugada e pautado nas discussões desta sexta (21/11) na COP30, em Belém (PA), o rascunho mais recente da Decisão Mutirão começa muito bem ao reconhecer, no primeiro parágrafo que o enfrentamento das mudanças climáticas deve levar em conta os direitos dos povos indígenas, comunidades locais, migrantes, pessoas com deficiência, pessoas em situação de vulnerabilidade e a igualdade de gênero.
 
Em seguida, o documento elaborado pela presidência brasileira da cúpula descamba ladeira abaixo.
 
A proposta de sete páginas conclama os países a acelerarem a implementação de ações climáticas, propondo um “Acelerador Global de Implementação” voluntário, mas a ausência de qualquer menção à redução gradual do uso de combustíveis fósseis deixa essa implementação aberta a interpretações.
 
“O texto político divulgado é inaceitável. Não é uma base séria para as negociações”, disse a jornalistas o enviado especial do Panamá, Juan Carlos Gomez.
 
“Simplesmente não pode ser legitimado. Não tem menção à eliminação gradual do uso de combustíveis fósseis nem ao desmatamento”, criticou.
 
Nesta manhã, um grupo de 24 países, incluindo Panamá, Colômbia, Austrália (presidente da próxima COP) e Países Baixos, lançou declaração pedindo um caminho claro para transição fóssil, somando críticas ao rascunho da presidência brasileira.
 
“Esta COP não pode terminar sem um claro, justo e equitativo roadmap para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis globalmente”, defende a ministra do Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez Torres.
 
A ministra colombiana também anunciou que o país irá sediar, em abril de 2026, a primeira conferência internacional para a transição justa para longe dos combustíveis fósseis, em parceria com os Países Baixos.
 
A União Europeia é outra insatisfeita com o texto. “Estamos diante da realidade de um cenário sem acordo”, disse o comissário para o clima, Wopke Hoekstra. (FT
 
Vale dizer que hoje é o último dia oficial da cúpula de Belém. Mas, como atraso é típico nas COPs, observadores apostam na prorrogação, considerando o incêndio que interrompeu os trabalhos na quinta e as divergências sobre a minuta do texto.



A Decisão Mutirão foi a estratégia encontrada pelo presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, para discutir e avançar temas mais difíceis de construir consenso, sem travar a agenda principal da conferência — que tem mais de 100 itens.
 
O documento de sete páginas se dedicou a quatro itens: obrigações de financiamento dos países ricos para os pobres, medidas unilaterais de comérciocomo lidar com NDCs fracas e fechar a lacuna de 1,5°C, e transparência nos relatórios bianuais previstos no Acordo de Paris.
 
E inclui parágrafos a temas que considera que têm relação com esses itens.
 
No caso das NDCs, que são as contribuições que os países declaram estar dispostos a fornecer ao Acordo de Paris, o texto reconhece “que progressos globais significativos foram feitos ao longo da última década, incluindo avanços rápidos e redução de custos de tecnologias, além de níveis recordes de capacidade global de energia renovável e investimentos em energia limpa”.
 
E diz que o tratado firmado há dez anos, na COP21, entre mais de 190 países, está funcionando e “decide avançar mais e mais rapidamente”.
 
Só que, sem detalhar como, a decisão fica vaga.
 
Até agora, 122 Partes entregaram as atualizações das suas NDCs, com metas até 2035. A Índia, terceira maior emissora de gases de efeito estufa, ainda não entregou.
 
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, avalia que o texto do Mutirão cria uma série de “salas de espera” para os temas mais importantes — transição, financiamento e adaptação. 
 
“Uma delas é o tal ‘acelerador de implementação’ voluntário para NDCs. A outra é a Missão Belém para 1,5°C, que aponta para o destino correto, mas hoje é apenas um relatório a ser apresentado na COP31”, comenta.
 
Na área de financiamento, ela destaca que ao dizer que as Partes avançarão “urgentemente” sem detalhar fontes e prazos é falta de direção. 
 
“Isso preocupa especialmente na adaptação. O texto menciona triplicar o financiamento, mas de forma tão vaga que vira um jogo de ‘deixa que eu deixo’, exatamente o que não podemos aceitar”.


Mapa da prontidão. O Brasil aparece “no meio” do ranking global de prontidão para a transição energética, diz Clarissa Lins, da Catavento. Na COP30, ela avalia que essa posição dá ao país uma vantagem diplomática: capacidade de dialogar com produtores e consumidores ao reconhecer desafios distintos na descarbonização.

Tarifas dos EUA. Donald Trump retirou a tarifa adicional de 40% imposta sobre produtos brasileiros em agosto. Em ordem executiva publicada na noite de quinta (20/11), Trump divulgou uma lista dos produtos que foram liberados (veja em .pdf) a partir de 13 de novembro e afirmou que as negociações com o Brasil ainda estão em curso. 

  • Na semana passada, os EUA já haviam retirado as tarifas iniciais de 10% sobre produtos do agronegócio.  

Metano flexível. A ANP autorizou a UTGCA, em Caraguatatuba, a comercializar por até oito meses gás com teor mínimo de metano de 80%, abaixo do limite regulatório. A Petrobras terá três meses para apresentar o plano de adequação da unidade. A UTGCA opera sob autorizações especiais desde 2020, após a mudança na composição do gás vindo do pré-sal.

Transparência. O MME prorrogou até 5 de dezembro a consulta pública sobre a criação de um Verificador Independente para concessões e permissões de distribuição de energia, cujo prazo original terminaria nesta sexta (21/11). A pasta quer definir regras, custos e escopo de atuação do novo ente, voltado a modernizar a governança do setor, aferir indicadores e ampliar a transparência na qualidade dos serviços.

Retomada acelerada: A Petrobras e a Transpetro retomaram, desde 2023, encomendas à indústria naval brasileira, priorizando barcos de apoio e de cabotagem com menor pegada de carbono. A estratégia reativa estaleiros antes ociosos e reforça o conteúdo local, ponto sensível para o governo Lula 3. Segundo Magda Chambriard, 44 dos 48 navios previstos até 2026 já estão contratados.

A disputa entre hidrogênio e biocombustíveis na descarbonização. Por trás da discussão climática, está uma disputa geopolítica e econômica sobre quem vai se beneficiar das rotas tecnológicas da transição energética, escreve Gabriel Chiappini na coluna Hidrogênio em foco

Como aumentar a eficiência do financiamento climático? Barreiras para financiamento climático se tornar política de desenvolvimento incluem instâncias dispersas e fluxos decisórios longos, escreve João Abbud na coluna A transição explicada.

Segurança de mercado é peça-chave para o setor de energia crescer. Setor elétrico precisa de regras e controles que promovam um ambiente estável e previsível, avalia Fred Menezes

World Energy Outlook 2025: a realidade do carvão e os desafios da transição energética global. Relatório da IEA (em inglês) mostra que o aumento da demanda mundial, com 730 milhões de pessoas ainda sem energia, não permite a exclusão de nenhuma fonte, defende Fernando Zancan.

Quando energia e água entram na mesma competição. A transição energética só será sustentável se considerar a interdependência de água, energia e território, escreve Marília Brilhante

A cultura da emergência no setor do Petróleo e Gás: por que ainda reagimos em vez de planejar. Segurança operacional não nasce da velocidade da resposta, mas da inteligência do preparo, analisa Maria Gabriela de Moraes

Do monopólio à escolha: a era da energia inteligente chegou com a abertura do mercado livre de energia. O que antes era monopólio agora se transforma em um ecossistema de múltiplas ofertas e liberdade de escolha, avalia Philipe Kilzer

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