Diálogos da Transição

Mineração no mar: Noruega mira renováveis, mas ameaça vida no Ártico

Planos de mineração no mar da Noruega colocam em risco espécies marinhas, com possíveis impactos climáticos, aponta Greenpeace

Mineração no mar: Noruega mira renováveis, mas ameaça vida no Ártico (Foto: ©Christian Åslund/Greenpeace)
Expedição de cientistas ao Ártico em agosto de 2024 (Foto: ©Christian Åslund/Greenpeace)

NESTA EDIÇÃO. Planos de mineração no mar da Noruega colocam em risco uma série de espécies marinhas, com possíveis impactos climáticos, aponta relatório do Greenpeace.
 
A intenção é extrair minerais para tecnologias de transição energética, mas pouco se conhece sobre os ecossistemas onde serão instaladas as pesadas máquinas.
 
Organizações ambientais, multinacionais e governos se posicionam a favor de uma moratória para evitar que essa indústria avance até que se conheçam os impactos.


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Publicado nesta sexta (20/9), relatório (.pdf) do Greenpeace International alerta que a corrida submarina por minerais para transição energética ameaça ecossistemas “vulneráveis, raros, remotos e menos compreendidos do mundo”.
 
A ONG organizou uma expedição de cientistas ao Ártico com o objetivo de identificar os riscos da extração de minerais no fundo do mar.
 
O trabalho foi motivado por uma decisão da Noruega, em janeiro deste ano, de abrir seu leito marinho para a atividade comercial. 
 
Apesar das críticas internacionais – inclusive do Parlamento Europeu –, em junho, o Ministério da Energia norueguês apresentou uma primeira rodada de licenciamento de minerais do leito marinho para consulta pública. A proposta define as áreas onde as empresas de mineração poderão solicitar licenças de exploração. 
 
Essas licenças incluem uma fase de exploração, após a qual a empresa pode enviar um plano de exploração para aprovação. A intenção é distribuir as primeiras licenças em 2025 para que a mineração comece em 2030 (Reuters).
 
O movimento usa como justificativa a emergência climática e a necessidade de substituir combustíveis fósseis por renováveis, o que demandará toneladas de insumos para fabricação de painéis solares, turbinas eólicas e baterias.

O fundo do mar estaria repleto de tesouros como manganês, cobalto e depósitos maciços de sulfeto. O problema é que o custo-benefício de perturbar o ecossistema pode não compensar.
 
Liberação de plumas de sedimentos suspensos e toxinas, poluição sonora e poluição luminosa, bem como o potencial de vazamento de produtos químicos de máquinas e equipamentos de mineração, são algumas das preocupações.



O relatório do Greenpeace identifica os ecossistemas do Oceano Ártico na linha de frente dos impactos climáticos e pede ação política para deter a mineração em alto mar antes que ela comece. 
 
Doze espécies de mamíferos marinhos são regularmente encontradas na área onde a Noruega planeja iniciar a mineração: baleia-minke, baleia-jubarte, baleia-fin, baleia-azul, baleia-da-groenlândia, baleia-nariz-de-garrafa do norte, cachalote, orca, narval, golfinho-de-bico-branco, foca-da-groenlândia e foca-de-capuz.
 
Além disso, as fortes correntes oceânicas e a topografia subaquática única nos mares nórdicos criam as condições necessárias para a floração do fitoplâncton na primavera, que impulsiona a alta produtividade biológica da região. 
 
Segundo os cientistas, essa floração produz alimentos para três pequenos peixes importantes no equilíbrio da vida marinha e sustento de populações pesqueiras: arenque, cavala e verdinho.
 
Outro ponto é a temperatura da água. O estudo alerta que os mares nórdicos são uma importante zona de transição onde as águas mais quentes e salgadas do Atlântico encontram as águas mais frias e doces do Ártico. 
 
“Eles estão passando por uma rápida mudança ambiental, ficando mais quentes e mais acidificados”.
 
Apesar dessas constatações, a organização destaca que faltam muitos dados básicos sobre a biodiversidade e condições das correntes do fundo oceânico, o que torna impossível avaliar de forma abrangente a escala dos danos ambientais de quaisquer operações de mineração em alto mar.
 
Na visão do Greenpeace, é motivo suficiente para parar as máquinas, antes que danos irreversíveis piorem a crise climática a ponto de transição energética nenhuma conseguir mitigar.
 
Em julho deste ano, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o Conselho Internacional de Ciência (ISC) listaram a mineração no fundo do mar entre os oito movimentos que estão encaminhando uma tripla crise global.
 
Há uma articulação empresarial contra a atividade. Na semana passada, a Apple aderiu ao apelo internacional por uma moratória e o número de grandes empresas que se distanciaram publicamente dessa indústria agora é de 58, incluindo fabricantes de veículos elétricos e big techs como Google, Samsung, Volvo e BMW. 
 
Entre os governos nacionais, 32 países apoiam uma moratória, pausa preventiva ou proibição da mineração no leito marinho internacional, que cobre quase 60% do oceano.
 
Vale dizer: esses posicionamentos dizem respeito à área internacional. No caso da Noruega, ela autorizou a atividade em águas sob a sua jurisdição.

Em agosto, cientistas a bordo do navio Witness, do Greenpeace, conduziram uma pesquisa visual-acústica de cetáceos no Mar da Noruega, incluindo espécies como cachalotes (a maior das baleias dentadas), que estão globalmente ameaçadas. 
 
“A área é abundante em montanhas submarinas e dorsais marinhas profundas, oferecendo habitats ricos que suportam uma diversidade de espécies, como camarões ‘peludos’, águas-vivas com caule, crustáceos blindados e ‘florestas’ de enigmáticos vermes tubulares que vivem ao redor de fontes hidrotermais, além de mais de dez espécies de mamíferos marinhos, incluindo baleias migratórias e forrageiras no topo da cadeia alimentar”, relata o Greenpeace.

Ao visitar o Brasil, no final de 2023, a vice-ministra de Petróleo e Energia da Noruega, Astrid Bergmal, afirmou que espera estreitar as relações com o Brasil na exploração de minerais no fundo do mar, além do desenvolvimento das eólicas offshore e tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS).
 
O Brasil, no entanto, é um dos 32 países que se posicionam por uma moratória quando o assunto é explorar o fundo do mar internacional.
 
Na visão do governo norueguês, a mineração em águas profundas poderia ajudar a Europa a reduzir a sua dependência da China em relação ao suprimento de minerais críticos para transição energética.
 
Por lá, um estudo diz ter encontrado uma quantidade “substancial” de cobre e metais de terras raras, incluindo cerca de 38 milhões de toneladas de cobre, quase o dobro do volume extraído globalmente a cada ano.

  • A cientista brasileira Leticia Carvalho foi eleita, em agosto, a primeira secretária-geral da ISA, organização filiada à ONU que regulamenta a mineração em águas internacionais.
  • Índia também planeja entrar nessa corrida e está de olho na Zona Clarion-Clipperton, entre o Havaí e o México, onde há concentração de nódulos polimetálicos contendo manganês, níquel, cobre e cobalto.
  • Em julho, a publicação de um estudo na Nature, revelando a produção de “dark oxygen” a quatro mil metros de profundidade no oceano, adicionou pressão às negociações para uma moratória na exploração de minérios em águas profundas.

Emissões de metano. Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aponta que o upstream concentra a maior parte das opções de mitigação das emissões de metano na cadeia de gás natural no Brasil. O potencial é estimado em até 87,9 mil toneladas de metano por ano, sendo que 96% desse volume pode ser mitigado com tecnologias de custo negativo. No downstream (transporte e distribuição), 49,4 mil toneladas anuais podem ser reduzidas.
 
Powershoring. A diretora do BNDES Luciana Costa afirmou na quinta (19) que o Brasil conta com US$ 40 bilhões em projetos de hidrogênio verde alinhados ao conceito de powershoring – estratégia corporativa de descentralizar a produção para países que produzem energia limpa e competitiva. Segundo ela, esses projetos estão em fase de maturação, sem decisão final de investimento ainda. (Valor)
 
Horário de verão. Diante do pior índice pluviométrico dos últimos 74 anos, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) recomendaram a volta do horário de verão, em anúncio feito nesta quinta (19/9) pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A proposta visa aliviar o sistema nos momentos de maior demanda, entre 18h e 21h, quando a geração de renováveis é menor dentro do sistema.
 
Clima extremo. O governo federal estuda reformular a Defesa Civil e dos Corpos de Bombeiros para criar uma estrutura regional. Segundo o ministro, a ideia é que as cinco regiões tenham acesso a uma estrutura própria de ação em desastres, de forma a agilizar o atendimento. (Correio Braziliense)
 
Financiamento climático 1. O Banco Mundial informou nesta quinta (19/9) que entregou um recorde de US$ 42,6 bilhões em financiamento climático durante o ano fiscal de 2024, um aumento de 10% em relação aos US$ 38,6 bilhões do ano anterior e próximo de sua meta de uma parcela de 45% do financiamento total destinada a projetos climáticos. (Reuters)
 
Financiamento climático 2. A carteira de crédito para o financiamento de energias renováveis do Banco do Brasil atingiu R$ 15,4 bilhões, crescimento de 16,6% em um ano. A meta do banco é dobrar o tamanho desse portfólio até 2030, chegando a R$ 30 bilhões em saldo. (UOL)
 
Para a agenda. Na concorrida Climate Week de Nova York, as conexões entre clima, ciência, política e os caminhos para a COP30 são foco de evento, na próxima terça (24/9), com a secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, o embaixador André Corrêa do Lago e Johan Rockström, um dos mais renomados cientistas de clima do mundo. A organização é do iCS, Arapyaú e Uma Concertação pela Amazônia. Evento exclusivamente presencial com inscrições no link