Diálogos da Transição

Mineração no fundo do mar? Entenda o que está em discussão

Na corrida por matérias-primas da transição energética, empresas e governos pressionam pela liberação da mineração no fundo do mar

Um grupo de 37 instituições financeiras, representando mais de 3,3 trilhões de euros em ativos combinados, divulgou uma declaração conjunta esta semana pedindo aos governos que protejam o oceano e não prossigam com a mineração do fundo do mar. Na imagem: Peixes nadam no fundo do oceano (Foto: Pixabay)
Minerar em águas profundas significa extrair recursos abaixo de 200 metros, onde está mais de 95% da biosfera do planeta (Foto: Pixabay)

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Editada por Nayara Machado
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Um grupo de 37 instituições financeiras, representando mais de 3,3 trilhões de euros em ativos combinados, divulgou uma declaração conjunta esta semana pedindo aos governos que protejam o oceano e não prossigam com a mineração do fundo do mar.

Declaração das Instituições Financeiras Globais (.pdf), coordenada pela Fundação Finance for Biodiversity (FfB), defende que os riscos ambientais, sociais e econômicos sejam totalmente compreendidos e as alternativas aos minerais do fundo do mar tenham sido totalmente exploradas antes de avançar com máquinas pesadas para dentro do oceano.

Desde a semana passada, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) discute com 168 países membros regras para permitir a extração de minerais críticos à transição energética.

A organização filiada às Nações Unidas perdeu o prazo – que ia até 9 de julho – para decidir sobre o assunto, e agora deverá aceitar pedidos de licença de empresas de mineração.

O debate iniciado em Kingston, na Jamaica, no entanto, ainda não acabou. Na próxima semana, ocorre a assembleia anual da ISA e os delegados terão até 28 de julho para chegar a um acordo sobre o que fazer em relação aos pedidos.

E o clima é tenso. Na última quarta, a ISA cortou uma transmissão ao vivo de suas negociações e os delegados se retiraram a portas fechadas para a discussão. Bloomberg

A seguir, um ponto a ponto do que está em jogo:

Contexto

Atualmente, a indústria de mineração não pode atuar em águas internacionais, mas não há legislação definitiva sobre o tema.

A corrida por matérias-primas para a transição energética aumentou a pressão por parte de empresas e governos para que a atividade seja permitida.

O prazo que a ISA perdeu diz respeito a um pedido formal da pequena ilha de Nauru, no Pacífico, protocolado em 2021, para obter licença comercial para iniciar a mineração no fundo do mar. Pela Lei do Mar, a organização é obrigada a chegar a uma posição em até dois anos.

Começou então uma discussão sobre a regulamentação da atividade, acendendo o alerta de cientistas e organizações ambientais sobre o custo-benefício dessa exploração sobre o clima e a biodiversidade.

O que se espera extrair?

A indústria de mineração está interessada em elementos como manganês, cobre, lítio, cobalto, entre outros, fundamentais para fabricação de eletrônicos e baterias.

Faz sentido economicamente?

Os signatários do FfB Pledge dizem que a viabilidade é incerta.

“A suposição de que a mineração em alto mar é uma solução fundamental para o fornecimento de minerais necessários para a transição econômica para atender às metas de mudança climática é fortemente contestada”, diz a carta.

O documento cita pesquisas demonstrando que vale mais a pena investir em economia circular para baterias de veículos elétricos, por exemplo.

Para Saker Nusseibeh, CEO da Federated Hermes, uma gestora de investimentos com sede em Pittsburgh signatária da declaração, é necessário mais pesquisa e análise científica para subsidiar uma decisão.

“A mineração em alto mar pode causar danos irreversíveis a ecossistemas oceânicos complexos, únicos e altamente biodiversos, que são importantes fontes de valor econômico para quase metade da população mundial. O valor dos recursos marinhos e costeiros é estimado pela ONU em US$ 3 trilhões por ano”, comenta.

O problema ambiental

Minerar em águas profundas significa extrair recursos do fundo do oceano abaixo de 200 metros – onde está mais de 95% da biosfera do planeta.

De acordo com a Fundação de Justiça Ambiental, esta prática é projetada para perturbar milhões de toneladas de sedimentos anualmente, liberando CO2 acumulado ao longo de milhões de anos no ciclo oceânico de carbono.

A ONU calcula que os oceanos geram 50% do oxigênio necessário para a vida humana, absorvem 25% de todas as emissões de CO2 e capturam 90% do excesso de calor gerado por essas emissões – são os maiores sumidouros de carbono do planeta.

Ao alterar esse ciclo, atividades mineradoras vão impactar o clima global – colocando em xeque o ganho ambiental que se espera com as tecnologias de transição energética.

Além disso, ameaça a vida marinha

Uma análise da ecologia do fundo do mar realizada após testes de perfuração em 2020 no Japão – a primeira extração bem-sucedida de crostas de cobalto das montanhas do fundo do mar no país – concluiu que houve uma diminuição na vida marinha, como peixes e camarões no local um ano depois.

A densidade caiu ainda mais em áreas fora da zona de impacto, em mais da metade, relata o The Guardian.

Enrico Marone, porta-voz do Greenpeace Brasil sobre Oceanos, que participou do encontro na capital jamaicana, explica que, se forem permitidas as atividades econômicas deste setor, máquinas gigantescas, que pesam mais do que uma baleia azul, chegarão ao fundo dos oceanos destruindo um bioma extremamente sensível e ainda intocado.

“A poluição sonora e luminosa gerada pela mineração também pode afetar as criaturas marinhas. As baleias, por exemplo, usam o som como principal meio de comunicação e detecção no oceano e podem ser impactadas pela perturbação sonora causada pelas máquinas”, conta.

Quem está contra e quem é a favor?

Quase 200 países, incluindo Suíça, Espanha e Alemanha, estão pedindo uma pausa ou suspensão na prática devido a preocupações ambientais.

Na semana passada, o Brasil se posicionou, durante a conferência, a favor de uma pausa preventiva de 10 anos. Junto com ele, Canadá, Finlândia e Portugal engrossaram o coro. Empresas como BMW e Volvo também apoiam uma moratória. AP

Mas nem todos os governos se opõem abertamente à prática. A ISA já emitiu 31 contratos de exploração para empresas que desejam pesquisar o oceano profundo, e estes foram patrocinados por 14 países, incluindo China, Rússia, Índia, Reino Unido, França e Japão. BBC

Vale dizer: a ISA só supervisiona águas internacionais – os países são livres para realizar a exploração em suas águas nacionais.

No mês passado, a Noruega abriu 280 mil quilômetros quadrados em áreas nos mares da Groenlândia, Noruega e Barents para que empresas de mineração solicitem licenças.

Um estudo norueguês diz ter encontrado uma quantidade “substancial” de cobre e metais de terras raras, incluindo cerca de 38 milhões de toneladas de cobre, quase o dobro do volume extraído globalmente a cada ano.

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