diálogos da transição

Litígios climáticos pressionam RWE na Alemanha e Petrobras no Brasil

Litígio climático ganha impulso como estratégia da sociedade civil para pressionar mudanças nas políticas públicas e de investimento

Usina a carvão na Alemanha (Foto: Benita Welter/Pixabay)
Usina a carvão na Alemanha (Foto: Benita Welter/Pixabay)

NESTA EDIÇÃO. Tribunal rejeita processo de agricultor peruano, mas aponta responsabilidade da gigante alemã do carvão sobre mudanças climáticas.

No Brasil, ofensivas judiciais tentam barrar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e fracking em São Paulo.


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Um tribunal alemão rejeitou esta semana o processo movido por um agricultor peruano contra a empresa de energia alemã RWE, pelo impacto das emissões de suas termelétricas a carvão sobre as geleiras andinas.
 
Ele pedia indenização alegando que sua casa está em risco de inundação por conta das mudanças climáticas. Mas o juiz entendeu que o valor da causa não era suficiente para levar o processo adiante. (Reuters
 
A rejeição do processo, no entanto, veio acompanhada de uma série de apontamentos do Tribunal Regional Superior de Hamm em relação à responsabilidade de empresas de combustíveis fósseis sobre os prejuízos relacionados ao clima. O que foi celebrado como uma vitória por organizações do direito ambiental que apoiaram o agricultor Saúl Luciano Lliuya.
 
“Estamos orgulhosos de ter apoiado Saúl e o povo de Huaraz na obtenção desta importante decisão. Ela envia um sinal poderoso: a pressão sobre o modelo de negócios dos combustíveis fósseis aumentou”, comenta o diretor de Políticas da ONG alemã de justiça climática Germanwatch, Christoph Bals. 
 
O juiz reconheceu, por exemplo, que já que as mudanças climáticas são globais, a distância entre as operações da RWE na Alemanha e a propriedade de Saúl no Peru não isenta o poluidor da responsabilidade.
 
“Pela primeira vez, um tribunal europeu afirmou que as vítimas do clima podem buscar justiça — e os poluidores podem ser responsabilizados legalmente. Este precedente fornece um impulso legal para acelerar a busca por justiça climática”, analisa o advogado sênior do Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL), Sébastien Duyck.
 
Na leitura da Germanwatch, uma das patrocinadoras dessa ação climática, a decisão do tribunal é um alerta para mercados financeiros e formuladores de políticas públicas, que precisam reavaliar os riscos associados às emissões de gases de efeito estufa.



O litígio climático contra instituições públicas e organizações privadas ganhou impulso nos últimos anos, como uma estratégia encontrada pela sociedade civil para pressionar mudanças nas políticas públicas e de investimento.
 
É uma forma de mostrar também que o Estado está falhando em cumprir o seu papel de zelar pela saúde e bem estar das pessoas e do meio ambiente.
 
Levantamento do Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment (.pdf) mostra que entre a ratificação do Acordo de Paris (em 2015) e o final de 2023, pelo menos 230 ações judiciais relacionados a questões climáticas foram movidas contra empresas em diversos países.
 
Mais de dois terços desses processos ocorreram a partir de 2020 e mais de 140 estão relacionados ao greenwashing – quando uma organização se diz comprometida com o clima, mas a prática demonstra o contrário.
 
Em muitos dos casos, as grandes corporações saem vencedoras como a RWE agora, e a Shell, no final de 2024, com seu recurso contra tribunal holandês que obrigou corte de emissões.
 
Mas para as organizações da sociedade civil envolvidas nessa agenda, o próprio julgamento já traz repercussões capazes de colocar, no mínimo, uma pulga atrás da orelha de investidores na hora de analisar os riscos de um projeto.

Por aqui, as campanhas da Petrobras e do governo Lula (PT) para explorar petróleo na Foz do Amazonas e extrair gás não convencional via fraturamento hidráulico (fracking) entraram na mira de ambientalistas e do Ministério Público Federal (MPF).
 
Na quarta  (28/5), o Instituto Arayara apresentou um conjunto de cinco ações civis públicas para excluir 68% dos blocos do leilão de concessão, marcado para 17 de junho. Elas serão destinadas aos tribunais federais do Pará, Brasília, Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Norte, a depender do setor.
 
Uma dessas ações inclusive cobra transparência climática e questiona a falta de estimativas públicas das emissões de gases de efeito estufa (GEE) associadas aos blocos ofertados. 
 
O presidente da ONG, Juliano Bueno, afirmou que as equipes da organização também avaliam os blocos disponíveis para o próximo leilão de partilha do pré-sal, o que também pode resultar na abertura de uma frente judicial.
 
O anúncio das ações ocorreu na sequência de uma recomendação do MPF para exclusão dos 47 blocos na bacia da Foz do Amazonas do leilão marcado para 17 de junho. Procuradores da República do Estado do Pará (MPF-PA) chamam a atenção para a dificuldade de licenciamento do bloco FZA-M-59, o indeferimento da licença pelo Ibama e a elevada sensibilidade ambiental.
 
O MPF também é autor de uma ação no STJ que tenta suspender a licitação para exploração do gás de folhelho na Bacia do Paraná, na região oeste do estado de São Paulo. Esta semana, o tribunal abriu uma consulta pública sobre o tema.
 
O Ministério Público, aliás, é o autor da maioria dos processos caracterizados como litígio climático no Brasil, de acordo com um levantamento do Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (Juma). Enquanto o poder público é o réu na maior parte dos casos.
 
Publicado em julho de 2024, o Panorama da Litigância Climática no Brasil (.pdf) mostra que, até março daquele ano, o país registrava 80 ações – o quarto país no ranking global em número de processos do tipo, atrás apenas de Estados Unidos, Austrália e Reino Unido.


Conflito no Planalto. Há 17 anos, também no mês de maio e chefiando a pasta do Meio Ambiente de um governo Lula  (PT), Marina Silva (Rede) pedia demissão do cargo. O desembarque ocorreu após uma série de desgastes entre ela e outros governistas. Agora, novamente à frente da pasta do Meio Ambiente e em um cenário mais desafiador pelos efeitos das mudanças climáticas, Marina volta a enfrentar resistência no próprio governo.
 
Crise climática. Pelo menos um ano entre 2025 e 2029 tem 86% de chance de ultrapassar 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, segundo relatório da Organização Meteorológica Mundial. A média anual da temperatura global próxima à superfície será, para cada ano entre 2025 e 2029, entre 1,2°C e 1,9°C mais alta do que a média registrada antes de os combustíveis fósseis abastecerem a economia.
 
Baterias e data centers verdes no Nordeste. O presidente Lula (PT) anunciou chamada pública com orçamento de R$ 10 bilhões para selecionar planos de negócios estratégicos para o desenvolvimento da região Nordeste. Intenção é atrair investimentos em soluções industriais para armazenamento de energia renovável, data centers e hidrogênio verde, entre outras áreas.
 
Data center no Ceará. O ONS vai finalizar nesta semana dois pareceres de conexão para data centers no Complexo do Pecém. Os projetos são fruto de uma parceria entre Bytedance, dona da rede social chinesa TikTok, e a brasileira Casa dos Ventos. Segundo o MME, os empreendimentos serão conectados a partir de janeiro de 2027. Um deles, ligado à subestação Pecém II, de 230 kV.
 
Inadimplentes no RenovaBio. O ICL cobra da ANP a publicação da lista de distribuidoras sujeitas ao bloqueio das atividades por descumprimento das metas de aquisição de créditos de descarbonização (CBIOs). A medida é prevista na lei 15.082/2024 e foi regulamentada pelo governo federal em 17 de abril.
 
Biometano. A diretoria da ANP aprovou nesta quinta (29/5) a abertura da consulta pública para definição de critérios de classificação de gasodutos de transporte, quando os ativos ficam sob a sua regulação. Dentre elas, está incluir todos os dutos provenientes de produtores de biometano.

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