diálogos da transição

Fósseis com bioenergia embalam ‘transição justa’ do Brics

Declaração final da Cúpula dos Brics defende papel dos fósseis na transição e reforça tensão entre discurso climático e interesses econômicos do bloco

Declaração do Brics defende transição energética justa com uso de petróleo (Foto: Isabela Castilho/BRICS Brasil)
Cúpula do Brics no Rio de Janeiro, em 6 de julho de 2025 (Foto: Isabela Castilho/BRICS Brasil)

NESTA EDIÇÃO. Cúpula dos Brics defende transição energética justa com uso de petróleo… 

…e amplia cooperação em contabilidade de carbono e combustíveis sustentáveis de aviação.


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Conservadora para uns, perturbadora para outros, a declaração final da 17ª Cúpula dos Brics, divulgada neste domingo (6/7), no Rio de Janeiro, entregou para a transição energética o que estava prometido desde o início: apoio aos fósseis e apelo ao financiamento climático.
 
O argumento do grupo é a transição energética justa, que leve em conta as diferentes realidades dos países em desenvolvimento. Antecipa os debates da COP30, marcada para novembro em Belém, com evoluções da declaração conjunta do G20, presidida pelo Brasil no ano passado.
 
Formado por onze grandes economias em desenvolvimento, incluindo os países fundadores — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — e os novos integrantes Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, o bloco é relevante na produção de petróleo.
 
De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), 44% das reservas de óleo estão nos membros do Brics, assim como 53% das reservas de gás natural e 70% da produção de carvão mineral no mundo. 
 
E na visão do governo brasileiro, que presidiu o bloco este ano, a responsabilidade é dos ricos.
 
Em discurso na última sessão da cúpula do Brics no domingo, o presidente Lula (PT), criticou os incentivos dados pelo mercado à produção de petróleo e gás. 
 
Segundo Lula, no ano passado, os 65 maiores bancos do mundo concederam 869 bilhões de dólares em financiamentos ao setor.
 
“Oitenta por cento das emissões de carbono são produzidas por menos de 60 empresas. A maioria atua nos setores de petróleo, gás e cimento. Os incentivos dados pelo mercado vão na contramão da sustentabilidade”, discursou. (Agência Brasil)



O fórum de países emergentes também tem em comum a agenda da bioenergia e seu papel na transição global.
 
Desde a presidência do G20 de 2024, o governo brasileiro tem insistido na necessidade de uma nova metodologia para reconhecer a contribuição dos biocombustíveis para descarbonizar a matriz de transportes.
 
É um debate que tem ganhado cada vez mais relevância diante de metas das indústrias de aviação e navegação para substituir os combustíveis fósseis.
 
Como eletrificar ainda não é uma opção, combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e marítimo surgem como um novo mercado a ser explorado.
 
Os países do Brics com vocação para o agronegócio querem sua fatia.
 
Neste domingo, eles anunciaram a adoção dos “Princípios para a Contabilidade de Carbono Justa, Inclusiva e Transparente”, uma das evoluções da declaração conjunta do G20
 
A medida visa orientar metodologias equilibradas para avaliar emissões e apoiar marcos regulatórios mais justos, inclusive em setores específicos, o que pode incluir biocombustíveis. 
 
Também reconheceram a importância do SAF e dos combustíveis de baixo carbono (LCAF), como parte da solução para reduzir as emissões do setor aéreo internacional e propuseram a cooperação tecnológica entre os membros para desenvolver e implantar essas alternativas.

No domingo (6/7), a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), voltou a defender planejamento para a transição energética
 
A jornalistas, a ministra bateu na tecla de que as “contradições existem no mundo inteiro, não só no Brasil”, mas afirmou que há disposição para superá-las.
 
“Nós vivemos um momento de muitas contradições, e o importante é que estamos dispostos a superar essas contradições”.
 
A fala ocorreu em resposta a questionamento sobre os planos do governo Lula (PT) e da Petrobras para expandir suas fronteiras exploratórias de óleo e gás.
 
Hoje, os blocos na Margem Equatorial do Brasil — extensa área marítima que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá e onde o Rio Amazonas deságua no Oceano Atlântico — são uma das principais quedas de braço entre a ala ambiental e a desenvolvimentista da gestão petista.
 
Segundo Marina, o compromisso está posto desde 2023, quando na COP28, de Dubai, quase 200 países concordaram com a transição para o fim — ou para o afastamento, como traduz o presidente da COP30 — dos combustíveis fósseis.
 
Agora, caberia aos países ricos liderarem essa corrida, com países em desenvolvimento vindo em seguida. (Agência Brasil)


Guerra comercial. O vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin (PSB), disse a jornalistas, nesta segunda-feira (7/7), que os Estados Unidos têm “a ganhar” ao manter e ampliar a relação comercial com o Brasil. A declaração ocorre em meio a manifestações de Donald Trump sobre aplicação de tarifa adicional de 10% sobre importações de países ligados ao Brics.

  • Alckmin afirmou que há alternativas para aprofundar o comércio bilateral e listou setores com potencial de crescimento conjunto, dentre os quais a agricultura, indústria, serviços, combustíveis, energia e minerais estratégicos.

Fórum Brasil-Índia 1. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, defendeu nesta segunda-feira (7/7) que Brasil e Índia sejam complementares nas negociações para serem protagonistas no mercado de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, em inglês). 
 
Fórum Brasil-Índia 2. A diretora global de Descarbonização e Mudança Climática da Petrobras, Viviana Coelho, também afirmou que há uma janela de complementaridade do Brasil com a Índia com tecnologias para a transição energética e a promoção do bem estar social.
 
Eólicas offshore aguardam leilão. O setor de eólicas offshore aguarda sinais claros do governo para se preparar para investimentos, analisa Matheus Noronha, da Abeeólica, em entrevista ao estúdio eixos. Noronha observa que o MME apresentou as fases do cronograma de implantação da tecnologia no país, mas sem marcos temporais, o que causa apreensão nos investidores.
 
Imposto seletivo. A CEO da Companhia de Gás do Mato Grosso do Sul (MSGás), Cristiane Schmidt, fez críticas ao imposto seletivo proposto na reforma tributária, classificando a inclusão do gás natural e de outros bens minerais como uma “esquizofrenia brasileira”. Em entrevista ao estúdio eixos, Schmidt avalia que a taxação adicional desses bens contradiz as políticas de estímulo à transição
 
Curtailment. Os cortes de geração (curtailment) estão comprometendo o faturamento das geradoras em até 30% no Nordeste, afirmou a CEO da Spic Brasil, Adriana Waltrick, em entrevista ao estúdio eixos. Ela defende que o governo trabalhe em soluções para que a matriz energética siga expandindo a participação de renováveis no país.
 
Matriz eclética. A descarbonização da matriz energética passa por diversos atores, com uma série de combustíveis e energias renováveis contribuindo para a redução de gases de efeito estufa. Um deles é o biometano, que pode ser usado como substituto do gás natural ou misturado a ele, defende Giovane Rosa, CEO da Gás Orgânico.
 
Transmissão. Governo brasileiro, EPE, Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e a chinesa State Grid assinaram um acordo para financiar a linha de transmissão Graça Aranha–Silvânia de 1,5 mil km, prevista para 2029. A obra reforça a interligação Norte-Sul do sistema elétrico e deve ampliar a capacidade de exportação de energia das regiões Norte e Nordeste.
 
Ferrovia até o Peru. Brasil e China assinaram um acordo para iniciar estudos sobre o corredor ferroviário que ligará os oceanos Atlântico e Pacífico. O projeto pretende integrar as ferrovias de Integração Oeste-Leste e Centro-Oeste e a Ferrovia Norte-Sul ao recém-inaugurado porto de Chancay, no Peru.

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