NESTA EDIÇÃO. Ausência de estratégia nacional clara e metas para o desenvolvimento da indústria atrasam competitividade do hidrogênio verde brasileiro, aponta EY.
Mapeamento aponta que Brasil ainda está focado em projetos-piloto enquanto, em outras partes do mundo, empreendimentos em escala industrial avançam para fase de desenvolvimento.
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Com mais de R$ 454 bilhões em investimentos anunciados em hidrogênio verde, o Brasil ainda precisa superar quatro desafios para que eles saiam do papel: planejamento, políticas estratégicas, adequação da infraestrutura e fornecimento de energia renovável.
A conclusão é de um estudo da EY-Parthenon, braço de estratégia e transações da EY, que vê a molécula obtida a partir da eletrólise uma alternativa essencial na transição de setores mais difíceis de reduzir emissões, como aço, cimento, fertilizantes e transportes pesados.
O Brasil é central neste debate. Segundo a BloombergNEF, ele é um dos poucos com condições de fornecer hidrogênio verde a um custo competitivo de US$ 1,47/kg até 2030.
Mas é preciso acelerar. O relatório da EY alerta que ainda não há uma estratégia clara para o energético no planejamento nacional, o que atrasa o desenvolvimento de uma cadeia de valor mais competitiva, tanto para atender a demanda doméstica quanto a global.
“A estrutura atual da cadeia de valor do hidrogênio verde favorece a produção em larga escala para exportação em regiões específicas, mas ainda não está claro como distribuir competitivamente o H2V para zonas industriais e mercados no país, que, como sabemos, tem uma extensão continental”, comenta Diogo Yamamoto, sócio da EY-Parthenon.
Em 2024, o país aprovou um marco regulatório para o hidrogênio de baixo carbono, com a previsão de R$ 18,3 bilhões em subsídios para dar o pontapé nessa indústria.
Falta definir os critérios de acesso aos recursos, que devem priorizar o desenvolvimento de cadeias de valor nacionais, segundo o Ministério da Fazenda. O decreto com as regras do jogo, no entanto, está atrasado. E não é só isso.
Sem metas para viabilizar a indústria
Embora o Ministério de Minas e Energia (MME) tenha lançado metas para hubs de hidrogênio de baixa emissão até 2035, incorporada no Plano Clima, o levantamento da EY mostra que, por enquanto, os projetos mais avançados no Brasil são pilotos — enquanto lá fora grandes empreendimentos já avançam para a fase de desenvolvimento.
Um exemplo é o da bp na Espanha, que anunciou, em julho de 2024, a decisão final de investimento (FID) na planta de 2 GW de capacidade de eletrólise que irá fornecer hidrogênio verde para substituir o fóssil na refinaria de Castellon. Um dos produtos será o combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês).
Há, pelo menos, 45 memorandos de entendimentos (MoUs) assinados no Brasil, com projeções de 2 milhões de toneladas de hidrogênio por ano em 2030. A maioria mira exportação.
Além do desafio de desenvolver a demanda interna, é preciso olhar para trás e criar também uma cadeia de fornecimento nacional. Algo que esteve presente nos discursos do governo durante a discussão do marco legal, mas ainda não se materializou em política e planejamento.
“Países desenvolvidos já estabeleceram marcos regulatórios para promover essa indústria, aqui estamos com certo atraso. Não temos, por exemplo, nenhuma meta nacional de fabricação de eletrolisadores”, critica Yamamoto.
Infraestrutura e acesso à energia
A matriz elétrica quase 90% renovável do Brasil é um diferencial em relação a concorrentes como Austrália, Holanda e Reino Unido. Mas a conta não é tão simples.
Há uma disputa, já em andamento, pelo acesso à rede elétrica brasileira, expondo um dos gargalos de infraestrutura que o país precisará enfrentar.
Some-se a isso a alta demanda energética dos eletrolisadores, o que também gera uma demanda pela expansão da geração de eletricidade de fontes como eólica e solar.
E, claro, infraestrutura para escoar a produção, adaptando portos e dutos para armazenamento e transporte do gás renovável e altamente inflamável e volátil.
“Os gasodutos representam a escolha mais econômica a longo prazo para distribuição local de hidrogênio, mas essa rede no país está concentrada nas áreas costeiras, dificultando a distribuição de hidrogênio para outros polos industriais”, explica o sócio da EY.
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Curtas
Thyssenkrupp desiste de hidrogênio verde nos EUA. A Thyssenkrupp está ajustando a estratégia global para o hidrogênio verde diante da retirada de incentivos fiscais nos Estados Unidos e a demora no amadurecimento do mercado europeu.
- A empresa abandonou projetos “que têm menos chance de serem concretizados devido às novas condições estabelecidas” pelo governo Trump, segundo o CEO da companhia, Werner Ponikwar.
Lula convida Trump para COP30. O presidente Lula confirmou envio de uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, convidando-o para participar da COP30. O petista também reiterou que, ainda nesta semana, pretende manter diálogo com líderes de países como África do Sul, Alemanha, França e México para construir uma reação conjunta às tarifas dos EUA.
MP do tarifaço. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos/PB), afirmou que o Congresso Nacional tratará como “prioridade” a Medida Provisória que oferece um pacote de socorro a empresas afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos a produtos brasileiros.
Acionamento de térmicas. O abastecimento de energia elétrica no Brasil deverá contar com maior participação de usinas termelétricas nos próximos meses, segundo avaliação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, órgão vinculado ao MME. A medida foi indicada pelo ONS diante do aumento previsto na demanda combinado à estação seca.
Eólicas offshore sob consulta. O Ministério de Minas e Energia reabriu a consulta pública sobre metodologia para seleção de áreas destinadas à geração de energia eólica offshore no Brasil. Os interessados podem contribuir até 1º de setembro.
ANP busca servidores. A agência reguladora iniciou um processo interno para requisitar de volta os quadros da agência espalhados por órgãos federais — entre eles, o MME.Trata-se uma mudança nas regras para cessão, restringindo a possibilidade apenas para a ocupação de cargos de maior nível hierárquico.
Leilão do GSF. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) realizou nesta quarta-feira (14/8) a liquidação financeira do leilão do GSF (sigla em inglês para fator de geração), totalizando R$ 1,34 bilhão em passivos. A negociação busca encerrar ações judiciais movidas pelas geradoras.
Novo vale-gás. Um dos impasses para o anúncio do programa do governo Gás para Todos foi ultrapassado esta semana, segundo informações do Estadão/Broadcast, com a aceitação, pelas distribuidoras, da venda do gás liquefeito de petróleo (GLP) ao preço de atacado, e não a varejo como pretendiam.