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Disparada dos data centers pressiona rede elétrica e desafia planejamento

Data centers e projetos de hidrogênio competem pela mesma infraestrutura e têm, em comum, a necessidade de fortalecimento da rede no Nordeste

Centro de dados do Bing Map processa seus mapas e os redistribui para outros data centers (Foto Robert Scoble/Microsoft Bing Maps)
Centro de dados do Bing Map processa seus mapas e os redistribui para outros data centers (Foto Robert Scoble/Microsoft Bing Maps)

NESTA EDIÇÃO. Próximo Plano Decenal vai refletir cenários com uma maior ênfase em cargas de data center e hidrogênio verde, diz EPE.

Centros de dados no Brasil já somam 40 pedidos de acesso à rede elétrica, totalizando 16 GW. Projeto no Rio Grande do Sul é principal gargalo.


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O interesse em data centers no Brasil já é uma realidade. Hoje, há 40 pedidos de acesso à rede elétrica, totalizando 16 GW — um volume que evidencia o interesse crescente de investidores, mas também os desafios estruturais para integrar essas cargas ultraintensivas ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

O consumo de energia de data centers deve dobrar para 945 TWh até 2030. O consumo global de eletricidade dos centros de dados deve mais que dobrar, de acordo com relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Prado, afirmou que o caso mais desafiador está no Sul, com 5 GW de pedidos apenas no Rio Grande do Sul, o que levou a criação de um grupo dedicado apenas a este caso. 

Há também 6 GW concentrados em São Paulo e 2 GW no Nordeste, além de outros pedidos de conexão que estão sob acordo de confidencialidade.

Frente a essa pressão, os data centers passarão a integrar o Plano Decenal de Expansão de Energia, revelou Prado, nesta terça (10/6), em evento promovido pelo Maravalley no Rio de Janeiro.



Além disso, com apoio do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), a EPE tenta antecipar estudos do R1 — que tem conclusão prevista para dezembro — que servirão de base para a construção do Plano de Outorgas de Transmissão de Energia Elétrica (POTEE), voltado a conexões de plantas de hidrogênio verde. 

Isso porque hidrogênio e centros de dados têm muito em comum, incluindo a necessidade de fortalecimento da rede no Nordeste. A ideia é “minimizar o maior arrependimento”, evitando infraestruturas de transmissão ociosas. 

“Levar essa infraestrutura para hidrogênio tem um custo baixo de arrependimento porque a gente teria o desenvolvimento também dessa indústria de data center no Nordeste”, pontuou Prado.

Enquanto não há novas infraestruturas de transmissão, hidrogênio e data centers disputam espaço no grid. “A concorrência de data center com hidrogênio verde é real. Carga é carga em qualquer lugar do sistema”, explicou Bruno Sessa, do ONS.

Historicamente, o planejamento da transmissão brasileira foi voltado ao escoamento de geração. 

Mas a chegada de grandes consumidores, como centros de dados e projetos de hidrogênio verde, exige uma inversão do paradigma: o sistema agora precisa ser desenhado para atender cargas concentradas, estáticas e de alto consumo

Como reforçou o ONS, “a margem no sistema de transmissão é finita”, o que exige previsibilidade. “É importante a gente ter essa previsibilidade para que a EPE consiga expandir e planejar o sistema de uma forma segura para o sistema nos próximos anos (…) A sociedade não tolera nenhum tipo de falta de energia”.

Um ponto crítico levantado é o caráter especulativo de alguns pedidos de conexão. Pouco antes da publicação da CP23 — consulta que propôs garantias financeiras obrigatórias para acesso à rede —, o ONS chegou a expulsar um agente por múltiplos pedidos com viés especulativo.

Agora, a exigência de garantias tende a filtrar investidores sérios e evitar ociosidade de infraestrutura. 

Outro desafio é o desalinhamento entre o horizonte de contratação (hoje limitado a 10 anos) e a escala de crescimento dos centros de dados, que costumam expandir seu consumo gradualmente. Para o ONS, seria essencial trabalhar com ao menos 5 anos de visibilidade. 

O modelo de autoprodução, comum entre grandes consumidores, como os data centers, também levanta alertas sobre possíveis distorções tarifárias. A MP 1300 limita os descontos, que acabam rateados por outros consumidores — mas há um portão de transição, levando a uma corrida por novos consórcios.

Mateus Cavalieri, da PSR, lembrou que “esses consumidores deixam de pagar encargos setoriais que recaem sobre outros consumidores”. Atualmente, esse modelo já representa entre 5% e 10% da carga nacional, segundo ele.

Além disso, Cavalieri apontou que políticas públicas de incentivo, como o Redata que será publicada pelo governo, precisam ser desenhadas com cuidado. “Todo e qualquer tipo de política precisa ser feita olhando a árvore e a floresta”. 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está atento ao potencial industrial que o ecossistema de data centers pode alavancar. Carlos Azen, chefe de departamento no banco, destacou que a instituição está mapeando fornecedores nacionais de equipamentos, e poderá atuar com dívida, equity e fundos setoriais, como o FUSTE.

A nacionalização será um dos critérios exigidos nos financiamentos, caso haja fornecedor local competitivo. Azen citou a WEG como exemplo de empresa brasileira pronta para competir globalmente nesse setor e reforçou que “existe um bloco bastante grande de oportunidades” em torno da cadeia produtiva.


Ofertas insuficientes para mandato de biometano. O resultado da chamada aberta pela Petrobras para aquisição de biometano levantou dúvidas sobre a capacidade do mercado de atender o mandato de 1% de descarbonização previsto no Combustível do Futuro. A estatal defende, então, um regime transitório.

Justiça do DF suspende outorgas para UTE Brasília. Uso de recursos hídricos é indispensável para o empreendimento e etapa obrigatória para o licenciamento ambiental. A vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário acolheu os argumentos de ação civil pública movida pelo Instituto Arayara.

STF derruba leis contra PCHs. O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais leis municipais que proibiam a instalação de usinas hidrelétricas sob a alegação de proteção ambiental. A corte reconheceu a competência exclusiva da União para legislar sobre recursos hídricos, energia e meio ambiente.

Elétricos em alta. O mercado de veículos eletrificados no Brasil cresceu 22,3% em maio de 2025 em relação ao mesmo mês de 2024, apontou a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). Ao todo, foram 16.641 unidades vendidas no mês. Em relação a abril deste ano, o aumento foi de 12,7%.

Nova tarifa social. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou nesta terça-feira (10/6) as alterações na tarifa social de energia elétrica, que passam a valer para consumidores de baixa renda a partir de 5 de julho. A ampliação dos descontos está prevista na MP 1300, publicada em maio.

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