NESTA EDIÇÃO. Principal mudança deve ocorrer na substituição do clínquer, um produto intermediário do cimento cuja produção é altamente emissora.
Tocar combustíveis fósseis por sustentáveis, aderir ao CCS e aumentar e eficiência energética completam o combo.
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Responsável por 26% das emissões de CO2 do setor industrial brasileiro em 2022, a produção de cimento pode se tornar significativamente menos intensiva com a combinação de quatro medidas: substituição do clinquer e dos combustíveis fósseis na produção, aumento da eficiência energética nas fábricas e introdução da captura e armazenamento de carbono (CCS).
Relatório do projeto Descarbonização e Política Industrial: Desafios para o Brasil (DIP-BR), publicado pela agência Bori, mapeou os principais atores da cadeia produtiva do cimento no Brasil para identificar onde estão as oportunidades de corte de emissões.
O estudo foi conduzido por pesquisadores do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GIC/IE-UFRJ).
Uma das conclusões é que a substituição do clínquer, principal produto intermediário do cimento, por alternativas como fíler calcário (obtido através da moagem do calcário), argila calcinada e as biocinzas, pode levar a uma redução de cerca de 11% nas emissões de CO2 na cadeia do cimento.
Por ser originado da queima de calcário a altas temperaturas, a fabricação do clínquer contribui significativamente para as emissões de CO2 da indústria, aponta a pesquisa.
Além de reduzir emissões, a substituição do clínquer também promoveria a circularidade, ao utilizar subprodutos de outras atividades econômicas que seriam descartados.
“O processo de produção de cimento é energo-intensivo, sendo responsável por um consumo significativo de combustíveis fósseis e emissões de gases de efeito estufa (GEEs), em especial o dióxido de carbono (CO2), pelo processo de descarbonatação, na decomposição do carbonato de cálcio (calcário), para a produção do clínquer, que representa cerca 60% das emissões de CO2, queima de combustíveis (39%) e eletricidade (1%)”, detalha o relatório.
CCS, biomassa e eficiência energética
Na mira de indústrias de cimento internacionais, o CCS é uma alternativa a ser explorada pelas fábricas brasileiras.
De acordo com o estudo, para a indústria cimenteira nacional atingir a neutralidade de carbono até 2050, a maior parcela dependerá de soluções inovadoras de remoções e/ou compensações que representarão de 27 a 39% do total de emissões do setor.
Embora não seja o principal fator de descarbonização, o aumento do uso de combustíveis alternativos e biomassa, de 15% para 55% até 2050, substituindo fontes fósseis nos fornos, é complementar às demais estratégias que, juntas, podem levar a um corte de até 56% nas emissões da indústria cimenteira.
Entre elas, a redução do consumo de energia térmica de 3,5 para 3,2 GJ/t de clínquer e de 77 para 64 kWh/t para eletricidade.
Os pesquisadores listam o carvão vegetal no topo dos combustíveis alternativos já em uso pela indústria brasileira, seguido pelos pneus inservíveis, resíduos industriais e outros como serragem, resíduos oleosos e outras biomassas.
No entanto, a principal fonte de biomassa utilizada atualmente, a moinha de carvão vegetal (resíduos do carvão vegetal) proveniente de pequenas usinas de ferro gusa, está prevista para ficar escassa já em 2030, o que demandará novas fontes.
“Resíduos sólidos urbanos e industriais não perigosos e lodos de esgoto também possuem um elevado potencial para serem empregados como combustíveis alternativos”, sugere.
Política industrial
A indústria cimenteira é responsável por quase 8% das emissões de CO2 globais, com mais de 1,5 GtCO2/ano.
No Brasil, o consumo projetado para alcançar 100 milhões de toneladas até 2050 torna urgente uma política industrial que viabilize investimentos na descarbonização do setor, recomenda o estudo.
O relatório sugere a definição de metas claras de redução de emissões e a atualização das normas técnicas para facilitar a adoção de materiais inovadores, já que um dos entraves é justamente a disponibilidade limitada de matérias-primas alternativas ao clínquer.
Cobrimos por aqui
Curtas
Demanda mineral. A expansão da matriz elétrica brasileira é projetada para alcançar um crescimento de 35% na capacidade instalada até 2034, elevando a necessidade de minerais críticos para essa transição em 54% no mesmo período, de acordo com dados apresentados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no Caderno de Minerais Críticos e Estratégicos.
Energia despachável. Com a necessidade cada vez maior de garantir energia elétrica despachável para suprir a demanda em momentos de pico de consumo, o governo brasileiro tem olhado com maior atenção para as diferentes tecnologias que podem ser incluídas nos futuros leilões de potência. Uma das opções em análise são as hidrelétricas reversíveis.
Combustíveis marítimos. A comissão especial sobre transição energética e produção de hidrogênio verde da Câmara dos Deputados promove na terça-feira (25/3) audiência pública sobre produção dos novos combustíveis marítimos. O debate atende a pedido do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania/SP).
Biodiesel. Uma semana após apresentar proposta para permitir a venda de gasolina e diesel sem a mistura de biocombustíveis, o deputado bolsonarista Marcos Pollon (PL/MS) pediu a retirada de tramitação e arquivamento do projeto de lei. O PL alterava a Lei do Petróleo e tinha apenas um artigo.
Reciclagem de baterias. A fabricante chinesa de baterias CATL e a Fundação Ellen MacArthur anunciaram, na quinta (20/3), uma parceria para acelerar o desenvolvimento de uma economia circular de baterias. O acordo, firmado em Amsterdã, na Holanda, visa criar um ecossistema global que promova a reciclagem e a reutilização de materiais, reduzindo o impacto ambiental.
R$ 150 milhões para reflorestamento. Os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e do Desenvolvimento e Agricultura Familiar (MDA) e o BNDES lançam nesta sexta (21/3) chamada pública para iniciativa “Restaura Amazônia” na área do “Arco da Restauração”, território crítico de desmatamento, que vai do leste do Maranhão ao Acre. Com R$ 150 milhões do Fundo Amazônia, é a maior ação já lançada para a recuperação da vegetação nativa em assentamentos no Brasil.
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