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Diálogos da Transição
Editada por Nayara Machado
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Publicado pelo governo federal nesta quinta (19/5), o decreto que cria o mercado regulado de carbono no Brasil deixa uma margem para dupla contagem de créditos pelos produtores de biocombustíveis que emitem CBIOs no Renovabio.
Segundo analistas do setor, nem o decreto, nem o marco legal (PL 2148/2015) em discussão na Câmara dos Deputados deixam claros os tratamentos específicos para um mercado existente, mas preveem um sistema único de registro e transações (decreto) e inclusão dos mercados existentes (PL).
Ou seja, o risco seria o mercado pagar pelo crédito duas vezes: no combustível (Renovabio) e no novo Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), já que não há qualquer limitação de registro e certificação de crédito para o setor de biocombustíveis.
Também nesta quinta, a deputada federal Carla Zambelli (PL/SP) apresentou o novo parecer para o PL que, dentre outras coisas, regulamenta o MBRE. Veja o texto (.pdf)
“Diferente de outras versões que circularam e que restringiam a aplicação do decreto a setores específicos, a versão publicada se propõe a ser uma ‘central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa’. Na prática, significa que as mesmas empresas que emitem CBIOs poderão tentar registrar os seus créditos no Sinare”, explica Isabela Morbach, advogada da Manesco Advogados e especialista no tema.
Na avaliação de Morbach, entre os riscos dessa duplicidade ou de o produtor de biocombustíveis poder escolher entre emitir CBIOs e emitir créditos no novo mercado de carbono está a possibilidade de um esvaziamento progressivo do Renovabio.
“Isto, porque, uma vez que os produtores de etanol vejam como oportunidade a migração para este novo mercado de créditos de carbono, a tendência é ter menos CBIO sendo emitido e disponível para compra”.
Menor oferta significa aumento do preço e maior custo para que as distribuidoras — que já estão insatisfeitas com o preço do CBIO — cumpram suas metas compulsórias anuais de redução de emissões.
“Nessa situação, não surpreenderia que as distribuidoras pleiteassem o direito de adquirir certificados do novo mercado de carbono, esvaziando por completo a função do Renovabio”, comenta a advogada.
“Seria uma pena, mais do que um mecanismo de compensações de emissões, o Renovabio é uma política pública nacional importante e que obteve muito sucesso no que se refere a expansão da produção de biocombustíveis no Brasil, no estímulo ao desenvolvimento de tecnologias e pesquisas que reduzam a sua pegada de carbono, entre outras coisas”.
O que diz o decreto
O decreto entra em vigor imediatamente, prevê prazo de 180 a 360 dias para os setores previstos na Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC apresentarem as propostas para as “curvas de redução de emissões de gases de efeito estufa, considerado o objetivo de longo prazo de neutralidade climática informado na NDC”.
São eles:
- Geração e distribuição de energia elétrica;
- Transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros;
- Indústria de transformação e de bens de consumo duráveis;
- Indústrias químicas fina e de base;
- Papel e celulose;
- Mineração;
- Construção civil;
- Serviços de saúde;
- Agropecuária.
Com a possibilidade de os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas terem direito a “tratamento diferenciado para os agentes setoriais, considerados, entre outros critérios”:
- categoria determinada de empresas e propriedades rurais;
- faturamento;
- níveis de emissão;
- características do setor econômico;
- e região de localização.
Além da possibilidade de estabelecimento de cronogramas diferenciados para a adesão dos agentes setoriais integrantes ao Sinare – Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, isto é, o novo sistema único de registro e comercialização de créditos.
Apenas propostas Outro ponto sensível do decreto está relacionado aos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, quando o assunto é obrigação de cumprimento pelos agentes setoriais.
Morbach explica que, embora o decreto defina aspectos importantes como a autoridade competente, conteúdo dos planos, critérios que devem ser levados em consideração para oferecer tratamento diferenciado aos agentes setoriais, e chegue até a falar sobre o estabelecimento de “cronogramas diferenciados para adesão dos agentes setoriais”, as propostas não passam disso: propostas.
“Em razão das limitações dos efeitos de um decreto, este não pode criar obrigações que não estejam previstas em lei”.
De acordo com a advogada, um argumento possível para superar essa falta de previsão legal seria a dada na PNMC de um decreto para estabelecer os planos setoriais de mitigação.
Ainda assim, a PNMC não define nenhuma obrigação concreta dos agentes privados na redução de suas emissões por setor, o que significa que não há obrigação legal clara de reduções até o momento — seria necessário estabelecer em lei a obrigação de reduções e as consequências para o descumprimento.
“Qualquer meta que venha a ser imposta por decreto extrapolaria a competência de tal instrumento”, completa.
Para aprofundar
- Perspectivas nacionais para o futuro mercado regulado de carbono
- Mercado de carbono e RenovaBio: uma sinergia em construção?
- Mercado de carbono: quais as obrigações legais e o cenário brasileiro?
De olho em 2023 Setenta e três Organizações Não Governamentais, em parceria com a sociedade civil, elaboraram um conjunto de propostas emergenciais para enfrentamento às mudanças climáticas, que devem ser implementadas nos primeiros cem dias de governo para reduzir as emissões de gases do efeito estufa até 2045.
Na quinta-feira (19/5) o primeiro conjunto, composto por 62 medidas sugeridas, foi entregue aos principais pré-candidatos ao Planalto, com exceção de Jair Bolsonaro (PL).
A proposta em si é uma forma de protesto, o entendimento é que o governo atual não tem quaisquer compromissos como tema.
As organizações pedem revogação de decretos e reinstalação de conselhos, além de medidas para retomada da fiscalização e aplicação da lei.
Com essas primeiras ações já seria possível, segundo o texto, atuar em temas emergenciais, como o garimpo em terras indígenas, corte de subsídios à energia fóssil ou ainda desfazer a “pedalada climática” na meta brasileira do Acordo de Paris.
Artigos da semana
— Guerra na Ucrânia e a urgente readequação dos mercados: Nações, em escala global, vêm se mobilizando para enfrentar os efeitos e consequências da guerra, escrevem Anna Paula Carvalho e Giovanna Sousa.
— Tempos de guerra: O cenário de guerra e escassez abre espaço para a discussão com a sociedade de medidas extraordinárias, emergenciais e temporárias, escrevem Aurelio Amaral e Marcos Cintra.