diálogos da transição

COP29 começa com acordo sobre estrutura de mercado de carbono

Países dão sinal verde para estrutura e padrões de qualidade para mercado global de carbono

Discussão na COP29 sobre o artigo 6, que trata da integridade e estruturação nos mercados globais de carbono, em Baku, capital do Azerbaijão, em 11/11/2024 (Foto Kamran Guliyev/UNFCCC)
Reunião no primeiro dia de COP29 avança com regras para mercado de carbono global | Foto Kamran Guliyev/UNFCCC

NESTA EDIÇÃO. COP29 dá sinal verde para estrutura e padrões de qualidade para mercado de carbono internacional.

Ambientalistas alertam para risco de desvio de foco e pedem atenção ao financiamento climático, cuja necessidade é estimada em mais de US$ 1 trilhão anual.

E ainda: mudanças na política climática dos EUA podem beneficiar o Brasil, na captação de investimentos verdes redirecionados.


EDIÇÃO APRESENTADA POR

A 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29) começou nesta segunda (11/11) com os países apoiando a adoção do Artigo 6.4 do Acordo de Paris, que trata da estruturação e padrões de qualidade para o mercado global de carbono.

É um passo para a operacionalização do comércio internacional de títulos que correspondem à redução de emissões.

“O Artigo 6.4 estabelece um instrumento de mercado muito semelhante ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto, ou seja, um mecanismo que certifica unidades de mitigação de GEE com base em atividades que reduzem emissões em relação a uma linha de base de emissões projetadas”, explica a Laclima, rede de advogados latinoamericanos que acompanha as negociações da COP29.

A intenção por trás desse passo em direção ao mercado de carbono é apresentar uma solução para financiamento de projetos de mitigação.

  • É também uma das esperanças brasileiras por trás da regulamentação doméstica, dado o desejo de acessar compradores internacionais para os créditos gerados no sistema de compensação interno.

A cúpula da ONU deste ano tem a missão – e o desafio – de chegar a um acordo sobre a nova meta de financiamento (NCQG, em inglês) de países ricos para os de renda média.

Isto é, os US$ 100 bilhões anuais que precisavam ser desembolsados entre 2020 e 2025 serão revisados, mas as expectativas em relação a um novo acordo ainda são pouco promissoras. Avançar com o mercado de carbono seria uma tentativa de suavizar as disputas.

Mas também é alvo de críticas. Após o anúncio do endosso ao Artigo 6.4, organizações ambientais alertaram que não se deve desviar o foco do “financiamento climático” para “mercados”.

“É um sinal muito ruim abrir essa COP com a adoção de um artigo que legitima os mercados de carbono como uma solução para as mudanças climáticas. Eles não são uma solução – os mercados de carbono aumentarão as desigualdades, infringirão os direitos humanos e impedirão a ação climática de fato”, comenta Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e o Caribe.

“A verdadeira vitória desta COP será garantir pelo menos 1 trilhão de dólares por ano em subsídios, não em empréstimos ou mecanismos de compensação que são uma desculpa velada para os maiores poluidores do mundo fingirem que estão pagando sua parte”, completa.


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A eleição do republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos torna ainda mais desafiadora a negociação de recursos na NCQG. 

Sob a gestão do democrata Joe Biden, que ainda estará na cúpula deste ano representado pelo enviado John Podesta, o país já tem colocado obstáculos, como a tese de que China, Índia, Emirados Árabes (e até mesmo o Brasil) também devem contribuir obrigatoriamente.

Com Trump, que nega as mudanças climáticas e retirou do Acordo de Paris o maior contribuinte histórico para a crise atual, as chances de mobilizar mais dinheiro são ainda menores.

É, no entanto, uma oportunidade para que outros países liderem a agenda climática e ambiental – mesmo fora das cúpulas – e atraiam investimentos para seus mercados domésticos.

Analistas do Net Zero Policy Lab estimam que a revogação da Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês) prejudicaria a indústria e o comércio dos EUA, com até US$ 50 bilhões em exportações perdidas.

A promessa de campanha de Trump, embora pouco provável de se concretizar plenamente, pode criar até US$ 80 bilhões em oportunidades de investimento para outros países, incluindo grandes concorrentes dos EUA, como a China

Brasil também pode atrair parte desses investimentos.

“Não existem políticas domésticas norte-americanas que não repercutam sobre todo mundo. Então [as decisões de Trump] serão importantes, com reflexos em todos os países e o Brasil, talvez, eventualmente, [pode] até se beneficiar dessas intrusões do Trump em relação ao assunto”, observa o advogado Oscar Graça Couto, professor de Direito Ambiental da PUC-Rio.

Ele participou nesta segunda (11) da primeira live da série Diálogos da Transição, no canal da agência eixos.

Ao comentar os movimentos da próxima gestão dos EUA em direção à aproximação com o setor de óleo e gás e distanciamento de indústrias como a eólica, Graça Couto pontua que o Brasil pode ser um destino de investimentos que serão deslocados.

“O Brasil pode passar a ser destinatário de investimentos, como os relacionados a data centers, que envolve inteligência artificial e há a possibilidade de aumentar a sua matriz verde, que já é expressiva, mas pode ser incrementada, inclusive por conta das possibilidades em relação ao hidrogênio verde”, explica.


Brasil tenta aprovar o seu mercado de carbono. Após pressão do Consórcio Amazônia Legal, o governo Lula aceitou rever os termos de um acordo construído no Senado para colocar em votação o parecer do PL do mercado de carbono (182/2024), sob relatoria de Leila Barros (PDT/DF).

Pesou contra o texto atual a objeção de governadores da região Norte, sobretudo de Helder Barbalho (MDB), do Pará. Está em jogo a proibição ou permissão da promessa de venda de resultados futuros em projetos e programas jurisdicionais referentes ao mercado voluntário (REDD+).

NDC insuficiente. O país também correu para levar à COP29 a atualização da sua contribuição nacionalmente determinada (NDC, em inglês) ao Acordo de Paris e decepcionou organizações ambientais. Membro da troika para a missão 1,5°C, o Brasil foi o segundo a apresentar a nova meta – os Emirados Árabes saíram na frente – mas ambos falharam na missão que eles mesmos propuseram.

Mais petróleo. À espera da licença ambiental para prosseguir com as atividades exploratórias na Margem Equatorial, a Petrobras se prepara para buscar novas oportunidades em outras regiões, como a costa da África e a Bacia de Pelotas. A petroleira estatal tem orçamento para investimentos internacionais de US$ 1,3 bilhão, com previsão de poços em São Tomé e Príncipe e na África do Sul. Também há previsão para investir em projetos na Argentina, Bolívia e Colômbia.

Aposta na bioeconomia. Enquanto isso, um estudo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), estima que adoção de tecnologias ligadas à bioeconomia tem o potencial de injetar US$ 592,6 bilhões em receitas anuais a mais no Brasil, enquanto reduz a emissão de 28,9 bilhões CO2 até 2050 (65% das emissões nacionais). Cerca de US$ 234 bilhões viriam do setor de biocombustíveis.